quinta-feira, julho 21, 2022

Quinta, 21.

Ontem andei numa roda-viva. Cheguei cedo ao Largo do Rato para renovar a carta de condução que vergonhosamente em Portugal é de dois em dois anos, forma de o Estado sacar mais um imposto. Como hoje nada funciona e tudo está uma choldra, encontrei o estabelecimento fechado e só veio a abrir pelo meio-dia. Insistentes chamadas para o número que vi afixado na porta não lograram qualquer efeito. Bom. Nesse entretanto fui à loja onde mandei fazer os óculos, tentar pela terceira vez, saber a razão que me leva quando trabalho ao computador (todos os dias pelo menos três horas) a fechar o olho direito. A dona da casa estava lá e fez-me um exame atento; concluiu que houve grande alteração no olho esquerdo e daí toda a trapalhada. Todavia, grosso modo, a vista até melhorou, daí a razão que me leva muitas vezes a tirar as lunetas. Conclusão: aconselhou-me a mudar de lentes. Não sei se vale a pena, atendendo à consulta já marcada no Hospital dos Capuchos para Novembro. De retorno ao lugar onde há quatrocentos anos aprendi a conduzir, lá encontrei as empregadas habituais. Tudo reunido, ficou marcado encontro com a médica para a próxima quinta-feira, simples formalidade.

         - A Carmo tinha-me telefonado na véspera e encontrei-me então com ela no 1800 onde almoçámos. Grande conversa versando tantos temas que é-me difícil trazer a estas linhas. Falou-se do Sérgio Pombo falecido a semana passada, da Isabel da Nóbrega, do Bairro da Lapa onde vive e tem por vizinhos alguns inchados protótipos da política provinciana cá do burgo, etc. Eu estava com pressa e tive que levantar aústes na direcção do Corte Inglês onde ia pagar a conta do mês passado e encontrar o Rui. Fomos de autocarro e à porta do centro comercial, separámo-nos: ela entrou na Zara do outro lado da rua; eu na loja espanhola. 

         - O Rui. Conhecemo-nos em Constantinopla, na Rainha Sofia, quando eu furioso por ter perdido a máquina fotográfica, tive nele ajuda oportuna. A partir daí nunca mais nos largámos. Ele e a mulher vieram aqui muitas vezes, eu ia almoçar ou jantar à sua vivenda perto da Caparica. Lembro-me que nessa altura vivia uma grande paixão por carpetes persas, russas, turcas; e contaminei-o a um ponto que ele desatou a gastar muito dinheiro nessas preciosidades. Bref. Hoje vive em Castelo Branco, separou-se da mulher de quem dois filhos, uma rapariga e um rapaz, recupera casas típicas da região e encontrou outro amor e ambos dedicam-se à vida simples do campo. Diz-me que não tem problemas financeiros e a reforma de funcionário superior no banco onde trabalhou, permite-lhe uma vida desafogada e nem lhe apetece vender as casas que restaurou. A  dada altura digo-lhe que lamento ter perguntado à mulher pelo filho homo e ele responde-me sem qualquer parti pris: “Não é ele que é homossexual, é a minha filha.” E falou-me da namorada dela e do seu relacionamento, da estada de ambas na casa de Castelo Branco num tom magnífico, natural, civilizado que me encantou. Gostei, francamente, de ter estado largo tempo à conversa com ele, e quando nos despedimos fez questão de me abraçar não olhando à covid afastada por os dois termos máscara. Regressei a Palmela já tarde. 

         - Tratei a Piedade com produtos ditos “complementos alimentares”. Ela andava há meses a fazer-me concorrência, cheia de dores na anca, no pescoço, na coluna. Hoje andou aí e parecia uma moçoila ligeira, sem coxear nem dores de espécie alguma, atirada ao trabalho que aqui nunca falta. Os médicos não acreditam nestas mezinhas. Eu leio muito sobre esses produtos de venda livre e experimento em mim e hoje sei qualquer coisa sobre o assunto. Quando algum mal me visita, começo por eles o tratamento e só entro nos químicos quando a doença é grave e lá não vai com estes pequenos milagreiros da medicina paralela.  

         - Acabei o romance de Francisco José Viegas. Há páginas admiráveis, onde se vê a força criadora do escritor. Vou ver se arranjo tempo para transcrever para aqui duas ou três passagens que me arrebataram. Por agora vou nadar. Anteontem foram 250 metros, hoje não sei.