sexta-feira, junho 28, 2019

Sexta, 28.
As dores lombares desapareceram por completo. Na parte final, com a ajuda da freira do convento de Setúbal que me ofereceu um calce de gel. Eu explico. Algures nestas páginas contei a cena, reservando-me agora para dizer que experimentei a oferta da irmã da caridade, mas em vez de me equilibrar acabava por me fazer cair. Depois, cansado de tombar e torcer o pé que os homens gostariam de ter em same, dispensei o esteio da freira. Contudo, como o médico me havia dito que a dor levaria mais tempo a passar por causa do meu caminhar ondulante que faz parar o trânsito, sorrir as mademoiselles e um chorrilho de piscar de olho aos homens, não aguentado as dores, tive uma ideia: colocar a forma de gel por baixo da palmilha que uso há anos. Desta vez, se se pode dizer, foi tiro e queda. Em dois ou três dias deixei de ter dores e caminho agora quase como os desgraçados exércitos que marcham aprumados, sem qualquer espécie de originalidade, para quem ninguém olha porque a monotonia do andar não atrai sentimentos de sensualidade ou amor ao próximo ou mais portuguesmente de coitadinho. Todavia, se verificar que estou a andar como qualquer vulgar e triste passante, devolvo a palmilha ao mosteiro - se ela era alta para a freira e suposto endireitar-me a mim, eu prefiro continuar com a singularidade que me caracteriza. Assim como assim, tenho paletes de raparigas e rapazes e insinuar-se por via da minha condição... Morro por um sorriso, um olhar lânguido, um aperto erótico, um palmilhar de terreno movediço onde tudo acontece ao virar do desejo, do suspiro, do frio que invade a pele, do corpo que em segredo se inflama aos acordes de um tango...

         - Ainda as cenas fascistas filmadas pelas câmaras de televisão do mamarracho de Viana do Castelo. Diz-me o João que o horror vem do tempo em que ele era deputado e o assunto fora discutido na Assembleia. Mais: segundo ele a lei deve ser aplicada tal qual os tribunais decidiram, portanto, contra a dignidade e a favor da morte dos anciãos que resistem a sair e pela honra dos negócios que o “mercado” irá proporcionar. Viva, caro João! O que nenhum deputado nos esclarece é se meio Portugal seguirá as mesmas acções do xerife local. Porque a verdade é esta: metade do país é tão ilegal como o mastodonte edifício. Construiu-se contra todas as normas, leis, a favor de construtores aldrabões, advogados corrompidos, técnicos de desenho e de câmaras municipais sôfregos por rapar no bolso dos aproveitadores. Agora todos falam em cumprir a lei, mas eu respondo como António Barreto no Público de 23 deste mês: “Com ilegalidades se cumpre a lei.” Um presidente de câmara, sendo um saloio qualquer que se rodeia de capangas, muitos deles corruptos até à quinta casa, serventuário do partido, do alto do seu poder engravatado, guardando discretamente o chicote no bolso das calças, qual Pina Manique dos tempos desta democracia, arrogante, forte com os fracos, perfeita imagem do fascista democrático, com desprezo, copiando os métodos ditatoriais, está pronto a deixar morrer os idosos indefesos e sem dinheiro. Ele sabe, a exemplo de muitas outras modernas Polis à portuguesa, em quantas fatias vai ser cortado e distribuído o bolo do empreendimento. Temos de estar de olhos bem abertos na salvaguarda da autêntica Democracia, sacudindo esta que transcreve as metodologias da ditadura.

         O que me espanta ou não, é o homem com o saco dos afectos não se interessar por aparecer a apoiar pessoas com a idade dele, mas menos afortunados. Deve pensar como todos os outros, que os velhos não dão votos ou quando chegar a vez de os colher eles já cá não estarão.

quinta-feira, junho 27, 2019

Quinta, 27.
O xerife de Viana do Castelo, mandou cortar a água, proibiu os resistentes do imóvel habitacional que irá ser demolido para construir no seu lugar, imagine-se, um mercado, proibiu os velhos audazes e resistentes ao tirano de sair dos seus andares, de terem visitas, isolando-os completamente no desespero. Em breve ameaça suprimir-lhes também a electricidade. Há idosos a precisar de assistência médica. Salazar e Caetano nunca fizeram nada de semelhante. Pelo contrário, a habitação para portugueses sem recursos, classe média e trabalhadores por eles erigida, vale hoje fortunas. Eram ditadores.


         - Portugal, segundo a nossa amantíssima UE, é o país que menos fez para combater a corrupção. Pudera! Basta ver os noticiários televisivos para se perceber a razão. A ladroagem do CDS, PSD e PS desfilam nos ecrãs com orgulho e altivez - sabem que nada lhes acontece.

quarta-feira, junho 26, 2019

Quarta, 26.
Como vai o país do Mágico aos 26 dias andados do mês de Junho? Bem. Muito bem, se tivermos em conta a propaganda cada vez mais refinada do mestre ilusionista. Olhemos, sem lupa, que para o caso não é necessária: os homens dos transportes estão em protesto devido às péssimas condições em que as pessoas viajam após o Passe Mágico e às consequentes exigências em que trabalham; os magistrados em greve não obstante os fabulosos aumentos aprovados pelo PS/CDS/PCP; os oficiais de justiça também entraram em greve; assim como, pela primeira vez, os médicos de Medicina Legal; e os funcionários dos registos; para não falar nas paralisações anunciadas para o próximo mês. Que responde o Mágico? É a democracia a funcionar... Os cidadãos, os principais atingidos, não são para aqui chamados.

         - Isto diz o padre. O sacristão, veio ufano e diáfano, orgulhar-se do excedente nas contas do primeiro trimestre deste ano. Só não explica porquê. Fala da boa dinâmica da economia – e num tom mais baixo – do aumento de impostos, e em voz alta orgulha-se de ser o primeiro ministro a fazer tal feito depois de 1999. Esta última afirmação, foi para Bruxelas ouvir, porque o homem tem arrastado Portugal na enxurrada da sua ambição pessoal, deixando de rastos a saúde dos portugueses, o desenvolvimento público, a educação, os dois milhões de pobres, o custo de vida e impostos que não param de aumentar, o desinvestimento nas infra-estruturas ferroviárias, em novos equipamentos de toda a ordem, na função pública que está ao nível da sargeta, com o público quase a ser insultado por se aproximar dos mangas de alpaca na sua pacatez meditativa e servil, etc., etc. A estratégia dele e dos socialistas é esta: “vocês no tempo da toika suprimiram tudo”, esquecendo-se que quem trouxe a miséria da intervenção do FMI e dos outros, foi o gatuno socialista José Sócrates, a quem os portugueses imprevidentes deram a maioria, que sacou para ele e para os capangas, deixando Portugal na bancarrota. João Corregedor, agora que deixou o Parlamento, e vive o quotidiano como qualquer cidadão, dizia-me outro dia que eu tenho razão nas denúncias contínuas que faço ao funcionalismo público. Pois é, meu caro João, é andando cá por baixo que melhor se conhece a sociedade. A Assembleia é outro Portugal que raramente se cruza com este que agora estás a descobrir.  

         - De contrário, atente-se no que se passa em Viana do Castelo. O mordomo da câmara, solta os galões ditatoriais e impõe aos velhos em fim de vida, que sejam atirados pelas janelas dos locais onde vivem há décadas, porque a lei lhe confere o direito a ele, arrogante personagem de almanaque, para seu brilho e notoriedade e posteridade, faça... um mercado público! Em troca, cada infeliz indefeso, ele atufa-lhe os bolsos rotos de 75 mil euros!! Aqui se vê o desplante, a falta de respeito, o conceito de civilidade e humanidade que mora no coração dos ditos presidentes de câmara. E ainda a lei que lhe dará plenos direitos para tudo e mais alguma coisa, não foi outorgada!


         - Há outro jovem que vive na mesma linha de sagrada intervenção de Rui Pinto, preso por revelar os podres do futebol. Seu nome Miguel Duarte. Ele e a companheira, Pia Klenp, andaram na costa italiana a salvar vidas. O Governo de Salvini quer metê-lo na cadeia por “apoio à imigração ilegal”. Curioso, não é?

segunda-feira, junho 24, 2019

Segunda, 14.

Dia recolhido sem um pé fora deste espaço abençoado, fiz vida de monge franciscano que é a melhor e mais fascinante forma para terminar os meus dias. Ocupadíssimo. Regas, arranjos vários, leituras, um pouco (periclitante) de escrita, natação, oração. Todos os meus amigos mortos que aqui me acompanham na arte que admiro, na construção da casa, num livro ou tela oferecida, num postal vindo da viagem longínqua, da voz que ronda os espaços cheia do riso e da alegria que aqui ficou: Alexandre Ribeirinho, Fernando Fernandes, Augusto Tejo, Saramago, Alexandre Cabral, Amado, Roman, Safira, Teresa, Luís Serpa, Maria João, Ferofo, Michel Poix, Maria Caetano, Urbano T. Rodrigues, Fausto Boavida, Calhau, Jean-Paul, o velho Pedro, sem esquecer os laços familiares intermitentes para todos tive um pensamento, uma prece. Estou-lhes eternamente grato pela sua presença na forma simples de qualquer coisa que me lembra a sua passagem amiga por este domicílio que os acolhe não como um sarcófago, mas como lugar de convívio, alegria, gratidão e memória. A íntima impressão que tive, foi que hoje estivemos em festa e unidos na ternura e fraternidade que nunca morre. São eles que me protegem, sou eu que os relembro em rezas esparsas ao longo dos dias ou anos até ao nosso reencontro.

domingo, junho 23, 2019

Domingo, 23.
Li, penosamente, a entrevista que MEC dá ao Público. Seis páginas a promoverem-lhe o livro das suas crónicas e este epílogo: o homem é um génio... Como ele não há nenhum nem nunca houve. Ele tem em lata o que lhe sobra em grandeza. Dito isto, divirto-me com a maluqueira descontraída, gosto da ligeireza da sua escrita, de uma certa luz que irradia, um pouco ao jeito de Jean d´Ormesson. Impressionante a luta da jornalista para encontrar perguntas que o superlativassem! 

         - É usual o pagode simplório ou pseudo-intelectual ou dito de esquerda, questionar-se ante certas opções de vida. Quando visitei o Monte Athos, muita gente perguntou-me que interesse tinha eu em meia dúzia de homens retirados do mundo, isolados na montanha. Essa questão era frequente fazerem-na também aos monges. Um deles deu esta resposta lapidar: “Eu não fugi do mundo, fugi da banalidade.”

         - Dá-me gosto admirar este vasto espaço. O trabalho do Brejnev foi magnífico e contribuiu para a beleza que os meus olhos veneram. Já fui ao fundo da quinta não sei quantas vezes pisar o chão limpo, olhar os horizontes desanuviados, os pinheiros reluzentes, a paisagem aclarada e pura. Graças a ele, antecipei os trabalhos de inverno, com a lenha seca já arrumada debaixo do telheiro, e junto à casa um ar onde convive a atmosfera do campo com um insinuante perfume da cidade. Todo este arrumo, precipita no meu íntimo a partida para Paris e o Inverno está ao dobrar das noites.


         - Hoje folguei. Encostei-me ao dia pardusco, ameaçando chuva, e não reguei um milímetro de terra. Mas há pouco, olhando o pomar de citrinos, infractor, pus os automáticos a trabalhar e durante duas horas vou embebedar laranjeiras e limoeiros do sangue essencial à vida, à sua vida. As laranjeiras e limoeiros estão carregadas de belos exemplares, cheios de sumo, com belas cores. São o cenário da natureza exposta ao meu delírio quotidiano. Depois recolhi uma taça de morangos e deste modo fecho o dia. Talvez mais logo vá concorrer àquele concurso que pergunta quem quer namorar com um agricultor, a ver o que me sai na rifa da sorte. Folgo, rejubilo, bato palmas e canto por ter escapado desta vez ao mediocrismo da política.