Sexta, 28.
As
dores lombares desapareceram por completo. Na parte final, com a ajuda da
freira do convento de Setúbal que me ofereceu um calce de gel. Eu explico.
Algures nestas páginas contei a cena, reservando-me agora para dizer que
experimentei a oferta da irmã da caridade, mas em vez de me equilibrar acabava
por me fazer cair. Depois, cansado de tombar e torcer o pé que os homens
gostariam de ter em same, dispensei o
esteio da freira. Contudo, como o médico me havia dito que a dor levaria mais
tempo a passar por causa do meu caminhar ondulante que faz parar o trânsito,
sorrir as mademoiselles e um
chorrilho de piscar de olho aos homens, não aguentado as dores, tive uma ideia:
colocar a forma de gel por baixo da palmilha que uso há anos. Desta vez, se se
pode dizer, foi tiro e queda. Em dois ou três dias deixei de ter dores e
caminho agora quase como os desgraçados exércitos que marcham aprumados, sem
qualquer espécie de originalidade, para quem ninguém olha porque a monotonia do
andar não atrai sentimentos de sensualidade ou amor ao próximo ou mais
portuguesmente de coitadinho. Todavia, se verificar que estou a andar como
qualquer vulgar e triste passante, devolvo a palmilha ao mosteiro - se ela era
alta para a freira e suposto endireitar-me a mim, eu prefiro continuar com a
singularidade que me caracteriza. Assim como assim, tenho paletes de raparigas
e rapazes e insinuar-se por via da minha condição... Morro por um sorriso, um
olhar lânguido, um aperto erótico, um palmilhar de terreno movediço onde tudo
acontece ao virar do desejo, do suspiro, do frio que invade a pele, do corpo
que em segredo se inflama aos acordes de um tango...
- Ainda as cenas fascistas filmadas
pelas câmaras de televisão do mamarracho de Viana do Castelo. Diz-me o João que
o horror vem do tempo em que ele era deputado e o assunto fora discutido na
Assembleia. Mais: segundo ele a lei deve ser aplicada tal qual os tribunais
decidiram, portanto, contra a dignidade e a favor da morte dos anciãos que
resistem a sair e pela honra dos negócios que o “mercado” irá proporcionar.
Viva, caro João! O que nenhum deputado nos esclarece é se meio Portugal seguirá
as mesmas acções do xerife local. Porque a verdade é esta: metade do país é tão
ilegal como o mastodonte edifício. Construiu-se contra todas as normas, leis, a
favor de construtores aldrabões, advogados corrompidos, técnicos de desenho e
de câmaras municipais sôfregos por rapar no bolso dos aproveitadores. Agora
todos falam em cumprir a lei, mas eu respondo como António Barreto no Público
de 23 deste mês: “Com ilegalidades se cumpre a lei.” Um presidente de câmara,
sendo um saloio qualquer que se rodeia de capangas, muitos deles corruptos até à
quinta casa, serventuário do partido, do alto do seu poder engravatado,
guardando discretamente o chicote no bolso das calças, qual Pina Manique dos
tempos desta democracia, arrogante, forte com os fracos, perfeita imagem do
fascista democrático, com desprezo, copiando os métodos ditatoriais, está
pronto a deixar morrer os idosos indefesos e sem dinheiro. Ele sabe, a exemplo
de muitas outras modernas Polis à
portuguesa, em quantas fatias vai ser cortado e distribuído o bolo do
empreendimento. Temos de estar de olhos bem abertos na salvaguarda da autêntica
Democracia, sacudindo esta que transcreve as metodologias da ditadura.
O que me espanta ou não, é o homem com
o saco dos afectos não se interessar por aparecer a apoiar pessoas com a idade
dele, mas menos afortunados. Deve pensar como todos os outros, que os velhos não
dão votos ou quando chegar a vez de os colher eles já cá não estarão.