Domingo,
9.
A
Comissão de Transparência da Assembleia, andou largos tempos a discutir os
deveres e obrigações dos senhores deputados que, embora sejam em princípio os
representantes do povo, estão em moral e idoneidade ao nível de qualquer trapaceiro
que se aproveita de tudo e todos. Exemplos não faltam, como se sabe. O curioso,
porém, é quando chegou o momento da votação, suas excelências, disseram em
uníssono que votavam, mas com dúvidas na eficácia da lei. Então por que
assinaram todos de cruz? Mistério. Ou talvez não.
- Há um largo tempo que venho
utilizando o comboio como vazadouro do que me entulha a casa: livros, revistas
de arquitectura e decoração, velhos jornais. Foi a forma que encontrei para
reciclar o que eu penso pode ainda servir a outros. Assim, ontem, uma revista
de decoração francesa que eu deixei discretamente no banco da frente e a dada
altura uma dondoca, paramentada de dondoca, trajo negro, vestido rodado a
terminar em conchas bordadas, mala preta de verniz, colar grosso a condizer com
os cachuchos nos dedos, um ar ausente e altivo, que havia entrado duas estações
à frente, sentando-se perguntou ao rapaz do lado se a revista era dele. Ante a
negativa, cruzou as pernas e, como se estivesse numa esplanada dos Campos
Elísios, folheou-a com vivo interesse e elegância. O vizinho do lado, que já lá
estava quando eu entrei vidrado no telemóvel, nem se deu conta de mim em do meu
gesto. Ela saiu no Pragal levando a revista dobrada debaixo do braço que
segurava também um casaquinho escuro. Fazia vista... a Art et Decoration.
- O Sr. António, depois de ter sido
operado a uma anca, passou a coxear. Daí que o anterior tractor que vinha
cortar o matagal, ter sido posto de lado e, em substituição, ele trouxe esta
manhã um amigo mais novo e com duas ancas impecáveis, que em duas horas limpou
o terreno e cobrou-me um preço razoável, quero dizer, o mais baixo de há muitos
anos. Ainda por cima, o homem era de uma simpatia contagiante. Quando me propus
ir ao Multibanco tirar os cinco euros que faltavam, ele respondeu-me que se
contentava com uns quantos damascos. Abasteceu-se directamente das árvores, mas
numa de cerimónia. Foi preciso que eu me juntasse à colheita para que ele
levasse algo que se visse. O António que assistia a tudo, diz-me a sós: “Sabe,
isto é uma joia. Pobre, mas honrado e trabalhador.” Por pouco não se me
rebentaram os dois olhos em choro. O país, felizmente, está cheio de gente
desta qualidade. Pena que os políticos não estejam à mesma altura.