domingo, junho 09, 2019

Domingo, 9.
A Comissão de Transparência da Assembleia, andou largos tempos a discutir os deveres e obrigações dos senhores deputados que, embora sejam em princípio os representantes do povo, estão em moral e idoneidade ao nível de qualquer trapaceiro que se aproveita de tudo e todos. Exemplos não faltam, como se sabe. O curioso, porém, é quando chegou o momento da votação, suas excelências, disseram em uníssono que votavam, mas com dúvidas na eficácia da lei. Então por que assinaram todos de cruz? Mistério. Ou talvez não.

         - Há um largo tempo que venho utilizando o comboio como vazadouro do que me entulha a casa: livros, revistas de arquitectura e decoração, velhos jornais. Foi a forma que encontrei para reciclar o que eu penso pode ainda servir a outros. Assim, ontem, uma revista de decoração francesa que eu deixei discretamente no banco da frente e a dada altura uma dondoca, paramentada de dondoca, trajo negro, vestido rodado a terminar em conchas bordadas, mala preta de verniz, colar grosso a condizer com os cachuchos nos dedos, um ar ausente e altivo, que havia entrado duas estações à frente, sentando-se perguntou ao rapaz do lado se a revista era dele. Ante a negativa, cruzou as pernas e, como se estivesse numa esplanada dos Campos Elísios, folheou-a com vivo interesse e elegância. O vizinho do lado, que já lá estava quando eu entrei vidrado no telemóvel, nem se deu conta de mim em do meu gesto. Ela saiu no Pragal levando a revista dobrada debaixo do braço que segurava também um casaquinho escuro. Fazia vista... a Art et Decoration.


         - O Sr. António, depois de ter sido operado a uma anca, passou a coxear. Daí que o anterior tractor que vinha cortar o matagal, ter sido posto de lado e, em substituição, ele trouxe esta manhã um amigo mais novo e com duas ancas impecáveis, que em duas horas limpou o terreno e cobrou-me um preço razoável, quero dizer, o mais baixo de há muitos anos. Ainda por cima, o homem era de uma simpatia contagiante. Quando me propus ir ao Multibanco tirar os cinco euros que faltavam, ele respondeu-me que se contentava com uns quantos damascos. Abasteceu-se directamente das árvores, mas numa de cerimónia. Foi preciso que eu me juntasse à colheita para que ele levasse algo que se visse. O António que assistia a tudo, diz-me a sós: “Sabe, isto é uma joia. Pobre, mas honrado e trabalhador.” Por pouco não se me rebentaram os dois olhos em choro. O país, felizmente, está cheio de gente desta qualidade. Pena que os políticos não estejam à mesma altura.