Quinta,
13.
Quando
eu encontrava o Couto, tinha o hábito e o gosto de o abraçar. Como ele exibia
uma cómoda barriguinha, sentia-me feliz e confortável apoiado nela o tempo que
a Zitó, envergonhada, o consentia. Com o Vergílio passa-se o mesmo. O artista
octogenário pouco sai de casa e o ventre cresceu-lhe como uma bola. Gosto muito
dele e sempre que nos encontramos estreito-o e deixo-me ficar apoiado àquela
almofada de sonho. E ele: “Assim vão dizer que somos duas paneleiras!”
- Não quero esquecer-me de falar do
prazer que senti ao visitar a exposição que esteve na Gulbenkian com este
título tentador: “Mais vasto que o céu – o cérebro”, inspirado nos versos de
Emily Dickinson. Antigamente pensava-se que era o coração o nosso órgão
gínglimo da vida. Hoje, os cientistas, redobram de interesse e alguma fantasia por
este aparelho ainda não totalmente descoberto e que se prepara para se adaptar
a um mundo não longínquo em que as máquinas o pretendem substituir. O cérebro
decifrado por algoritmos, robots, uma parafernália de sistemas matemáticos,
sintaxes e resoluções algorítmicas. Dir-se-ia, num mundo de competição e
sobranceria intelectual, as máquinas pretenderem sobrepor-se ao nosso cérebro,
à nossa sensibilidade, aos sentimentos, a tudo a que séculos de evolução
produziram em nós. Esquece-se que quem está no cerne desta epopeia é o homem
que parece querer agora divorciar-se da sua condição de comando, entregando
quem é e quem a evolução da espécie fez dele, a um aparelho que orientará o seu
destino, transformando-o (ultrapassando George Orwell) num número, num sinal,
num ponto de condenação à morte ou ao desespero de tiranos que farão dele o
robot sem pernas, sem braços, sem vontade, inútil. Einstein dizia: “O mundo é um lugar perigoso de se viver,
não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam
e deixam o mal acontecer.” Todavia, o que há de surpreendente na exposição, é a
interessantíssima viagem pelo cérebro, que vem de tempos imemoriais ao
contrário do que se pensa, e parece em certo sentido estar ainda no prólogo de
um mundo fascinante, se o homem não se deixar ensandecer pela ciência
pragmática que só decifra o que as máquinas o obrigam a descodificar.
Claro, é para mim líquido, que a
chamada Inteligência Artificial, vai ser a arma que destruirá um dia a
humanidade tal qual a conhecemos, assim como até lá será o brinquedo dos
tiranos, dos cruéis alimentados pela ganância e o poder, se não tivermos em
conta as palavras de Einstein. A mostra também aborda isso, embora eu pelo que
vou conhecendo, tenha tendência a acreditar que o homem é sensato e não deixará
que as máquinas actuem por ele. Por outro lado, em algum sentido, o botão
liquidatário já foi usado a última das quais por Obama para liquidar Bin Laden
e Eduardo dos Santos para matar Savimbi; assim como as novas tecnologias
computorizadas já nos controlam sem nos darmos conta. O aperto ao homem livre,
vai constituir a arma que os demónios vão desenvolver e aperfeiçoar ao serviço
dos tiranos. É por isso que a vigilância tem de ser reforçada, o espírito
crítico sempre activado, o ser humano no pilar fundamental das nossas
preocupações e consagração. Para os que não foram ver a exposição, aconselho
vivamente a compra do catálogo.
(Sequência de imagens do meu cérebro, sendo as cores vermelhas as que assinalam forte actividade)
(Imagens da auto-estrada do cérebro humano...)
(...e o primeiro estudo realizado, em papiro, com 5000 anos)