terça-feira, maio 31, 2016

Terça, 31.
Portugal faz pena. Transformámo-nos num povo apático, sem energia anímica, entregue à turba de mangas-de-alpaca que nos dão ordens directamente do edifício mastodôntico, espécie de aquário de onde os peixes graúdos nos agridem, humilham, submetem, escarnecem, manipulam, roubam, empobrecem e fazem dez milhões de um povo nobre que outrora deu cartas à Europa e ao mundo, escravos a ganhar para os seus luxos, o seu trem-de-vida, a sua avidez, a sua orgulho. É triste ver o Presidente da República andar de gabinete em gabinete, a esmolar por caridade à senhora Merkel que não nos afogue na miséria, nos poupe à pena de morte económica, ao castigo de mais austeridade que só nos afundou e nos deixou por duas gerações a pagar com língua de fora os juros do que nos emprestaram. Hoje, dá-me para pensar que talvez a nossa gente tenha razão em se refugiar no futebol, na Senhora de Fátima, e na baixeza dos programas televisivos: telenovelas em cadeia, concursos onde se ganha alguns patacos, royalty shows, sessões de culinária, espectáculos festivaleiros de uma mediocridade insuportável... Perdida a liberdade e a independência nacionais, somos o que quiserem fazer de nós – miseráveis felizes ao sol por enquanto gratuito, tocados pela letargia e  o vazio.

         - Diz o Índice Global da Escravatura que em Portugal existem 12.800 escravos. Enganaram-se ou não observaram com atenção. Para mim deve rondar os 90 por cento, mas por conveniência de ordem vária, não contaram com a miséria, a indigência, a triste vida da maioria da população com salários de sobrevivência e às ordens do fisco para quem destilam de sol a sol de língua de fora. Pura e simplesmente não lhes convém.  

         - Séneca: Quand nous sommes accablés d´infirmités, insupportables à nous-mêmes et aux autres, c´est un signe que les dieux nous font pour nous inviter à les rejoindre.

segunda-feira, maio 30, 2016

Segunda, 30.

Definitivamente tenho que me conformar sem me deixar abater: a sarna do futebol não nos larga. Acabado este e aquele campeonato, logo se perfila esta e aquela competição, tudo para sacar o máximo ao povo alienado que, sendo pobre e iletrado, não se dá conta que mais pobre fica. Esta obsessão que antigamente a esquerda quis erradicar por nefasta e fazendo o jogo alienante do salazarismo, está mais pegajosa que nunca. Com uma extraordinária diferença: antes os jogadores vestiam a camisola do desporto e da alegria da comunicação partilhada em igualdade com os adeptos, em sã camaradagem, sem as pressões dos ganhos que hoje comandam e desfiguram uma actividade que devia ser sadia, para não falar dos ganhos escandalosos que colocaram uma pedra gigante entre jogadores e espectadores que viram o desporto fugir-lhes das vistas e ser tomado de assalto pelos gorilas da santificação dos lucros criminosos. Saloios de pé descalço, analfabetos, são hoje os grandes dirigentes de equipas-máquinas de fazer dinheiro. São eles que aprenderam a triturar pessoas, jogadores, políticos, administradores e técnicos. Têm todos e tudo nas mãos e como não sabem o que e a ética, só a ambição lhes interessa e mais gozo de usufruírem do mundo a seus pés. Dominam a terra, os Estados, os Governos, as autarquias e trazem subjugados e rendidos milhões de pessoas. São a terrível máquina da alienação e do descontrolo das mentes e das consciências. Aprisionam os pobres a uma quimera obrigando-os a pagar caro a sua rendição. São uma sarna que infectou o corpo social, a juventude, destrói o Planeta e por onde passa em glória deixa um rasto de morte, sofrimento e miséria.  

domingo, maio 29, 2016

Domingo, 29.
Francamente não há pachorra para aturar a zelotipia (Passos Coelho e mãe de todas as mães vão ao dicionário descobrir o significado) que exibem despudoradamente. Ela por querer impor-se à dúzia dos homens do táxi e passar à frente do ex-primeiro-ministro em sabedoria e hipocrisia política; ele por ter a saudade e o gosto do poder e não se ver a pregar a um rebanho ambicioso de lugares e negociatas. Por isso, felizmente para António Costa, não há oposição. Mas devia haver. A democracia ganharia com isso e os portugueses muito mais. Seja como for, o professor Marcelo encarrega-se de ocupar o lugar e os tempos dos seus adversários.

         - Outro dia, não sei a que propósito, o Guilherme falou de Londres. Logo embarcámos numa viagem pela capital londrina dos anos Setenta. Vim a saber que o meu amigo percorreu os mesmos sítios que eu, na mesma época e com idênticos fins. Pena que ainda não nos conhecêssemos. A dada altura ele perguntou-me onde vivi. Quando lhe disse Kilburn, quase saltou da cadeira, aqueles olhos de jeune homme efervescentes muito abertos: “então fomos vizinhos”. Depois falámos da horrorosa cozinha inglesa e eu disse-lhe que para me purgar ia ao Suisse Center que havia inaugurado há pouco tempo ao lado de Piccadilly Circus. Ele fazia o mesmo e a viagem só não foi mais longa porque outros temas se interpuseram. Contudo, por onde andámos, deixou-me um perfume de nostalgia que me acompanhou até casa e hoje a esta página.


         - A OMS que parece ser parceira do mundo corrupto do futebol, rejeitou o parecer de um punhado de especialistas e professores das universidades de Oxford, Harvard e Yale segundo os quais “a estirpe brasileira do vírus Zika prejudica a saúde de formas a que a ciência não tinha observado até agora” e por isso aconselharam o adiamento dos Jogos Olímpicos para não acelerar a disseminação do vírus. Mas a Instituição e o planeta do futebol, recusaram. O professor Amir Attaram da universidade de Otava, no Canadá, que subscreveu o parecer, afirma na Harvard Public Heath Review que o Rio de Janeiro registou até ao momento 26 mil casos suspeitos de Zika – o valor mais elevado em todo o país e a quarta taxa de incidência da infecção. Evidentemente, que o povoléu da política, tal como aconteceu com a Banca e as multinacionais, está de joelhos diante dos dirigentes desportivos que os compram sob diversas formas e métodos, não irá ouvir os cientistas e os médicos. Se morrerem uns milhares e centenas de recém-nascidos vierem ao mundo com malformações, azar deles. Quem os mandou ir pôr-se na boca do lobo! É mais ou menos esta a filosofia.

sábado, maio 28, 2016

Sábado, 28.
Segunda a revista The Lancet os efeitos da crise imposta pelos barões de Bruxelas, matou 260 mil por cancro na Europa do euro. Os cortes na despesa pública, a desistência dos doentes face às dificuldades, a desigualdade nos tratamentos, são as causas e as consequências. Viva a União Europeia!

         - Barack Obama, em fim de mandato, foi ao Japão chorar lágrimas de crocodilo pelas vítimas da primeira bomba nuclear utlizada pelos americanos contra os japoneses. Que fez ele durante dois mandatos para acabar com as armas nucleares? Muito pouco, quase nada. A política hipócrita americana no seu melhor.

         - A senhora Thatcher que encarnou no senhor Manuel Walls, vacila. O homem, ante o  desassombro de quase todos os sectores da economia da França, diz agora que vai fazer acertos no célebre artigo 2 da nova Lei do Trabalho. Pobres idiotas de socialistas que nem percebem que povo governam.

         - Ontem encontrei-me com o pintor Guilherme Parente e com o Corregedor da Fonseca na Brasileira excepcionalmente a abarrotar de estrangeiros e barulho. Mesmo assim, logo ali começámos a corrigir as páginas do livro que a Imprensa Nacional vai publicar sobre a obra e a vida do Guilherme. Curiosa sintonia linguística e gramatical entre Corregedor e eu, com atenção à morfologia das frases e à riqueza do texto ou não tivéssemos sido ambos jornalistas, mas jornalistas à moda antiga... O nosso amigo assistia, um pouco aturdido, às nossas considerações e opções. De súbito, convidando-nos para um almoço à beira-rio - contra a recusa do Corregedor que preferia ficar pelo Chiado -, levou-nos no seu carro até Belém. Abancámos na marisqueira da Associação Regional de Vela do Centro, com vista para o chão de água rasgado pelos barcos da Trafaria e pelos à vela que logo coziam as águas à sua passagem. O ágape foi animado, simpático, num atropelo de temas, histórias, recordações, figuras e figurões do passado-presente. Mas o que mais me agradou, foi constatar que a amizade é feita de instantes luminosos, perceptibilidades fulgurantes, de uma certa nobreza que não atravanca a liberdade de cada um pensar e agir segundo os seus princípios sem que isso ponha em causa as particularidades de cada um. Deixámos o restaurante passava das cinco da tarde.


         - Junger: S´il y a de l´indestructible, toute destruction ne peut être que purification.

quinta-feira, maio 26, 2016

Quinta, 26.
Esta noite um sonho bizarro. Talvez devido às minhas grandes leituras de Ernst Junger que está em Eidsbygda, na Noruega, em 1935. Durante uma parte do sono, travei uma luta estúpida com a Piedade que decidiu meter na máquina (instrumento de dominação tal como o pensou o escritor-filósofo no dilúculo do século passado) de lavar roupa certos peixes, alguns de bom porte. O aparelho tinha o tamanho dessas irmãs utilizadas nos hotéis, com um olho largo que me permitia ver os animais a rodarem como roupa a lavar. Aflito, tentei retirar os exemplares que a Piedade se esforçava por impedir, alegando que eles estavam sujos e não os podia comer imundos. Acerquei-me de uma espécie de remo e empurrava os peixes maiores para dentro do olho rotativo que existia no fundo do aparelho. Quanto mais me esforçava por os concentrar aí, mais eles saltavam para fora em postas rosas como o salmão e gelatinosas como certos peixes manipulados. A cozinha onde a operação tinha lugar, estava completamente alagada, mas a Piedade, obcecada, resistia. Para me livrar daquela aflição, assim que acordo, levanto-me e vou à janela onde o dia tinha nascido há algum tempo já. O repouso estava de volta.

         - Esta curiosa interrogação do Filipe no remate de um e-mail, referindo-se ao Rés-do-Chão de Madame Juju: “E o livro quando sai ao mundo?”

         - A menina Maya anda há uma data de semanas a prevenir-me que um amor louco vai chegar a todo o momento. E eu assim que me levanto, corro as janelas da casa a espreitar em todas as direcções em demanda da felicidade, e quando vou na rua cuco todos os rostos que comigo se cruzam a ver se de súbito alguém me dá o braço num convite à dança, e quando me sento num café pareço um catavento a olhar em redor e até para o céu na esperança que surja de qualquer lado um aceno secreto que me amortalhe o desassossego - e nada nem sombras nem silhuetas nem um piscar de celhas acompanhado de um sorriso furtivo de esperança.


         - Afinal a macacuenga que tive anteontem foi um golpe gripal. No dia seguinte à viagem a Badajoz estava frustrado, com febre, alguma tosse, o corpo prostrado. Nada que três aspirinas de 2014 fora de prazo não tivesse resolvido.