Terça, 24.
Uma série de atentados ferozes na Síria
perpetrados pelo Daesh, vêm provar que a organização está viva e não se
intimida com os bombardeamentos russos, americanos e europeus. Cento e trinta e
nove pessoas foram mortas.
- Na viagem que fiz a Badajoz, fui comigo mesmo, quero dizer mergulhado
em pensamentos como é habitual quando conduzo horas seguidas. Em consequência,
aconteceram dois factos dignos de registo. O primeiro, tendo feito toda a chamada
recta de Pegões, vi-me de súbito de novo no Montijo e foi necessário tornar a
percorrê-la na direcção de Vendas Novas. Como isto aconteceu, não me perguntem.
O segundo, tendo levado a caixa dos comprimidos para o Black, ao entrar numa
farmácia já em Espanha, dei-me conta que não a tinha comigo. Ao fim da tarde,
quando me dirigia ao carro, atravessei uma passadeira para piões e que vejo eu
no chão... a embalagem.
- Provavelmente devido ao filtro do ar condicionado demasiado sujo,
estou hoje uma tristeza de gente. Apanhei uma alergia de tal modo insuportável,
que me é difícil tolerar a tosse, o nariz e os olhos sempre a pingar, a cabeça
pesada. Devia ter seguido esta manhã para as Caldas da Rainha onde me esperava
a Alice, mas no estado calamitoso em que me encontro, só quero descanso e sopas
quentes. Mesmo assim, arrastado, fui ao fundo da quinta queimar a derradeira pilha
de resíduos vegetais. Pode agora o homem vir gradar a terra.
- Dito isto, a atmosfera abafada em Badajoz, o calor que queimava,
também devem ter feito estragos num organismo habitualmente robusto. Andei
muitas horas ao sol no centro da cidade onde o bulício é sempre um convite à
dança. Corpos fabulosos, rostos sorridentes por todo o lado a fazer comichão
nos sentidos. Felizmente que já pus trancas na porta do desassossego. Bom. À
parte isso, foi um prazer veranear por aquelas ruas que a partir das duas da
tarde adormecem à sombra das árvores. Com as lojas cerradas, os seus habitantes
a dormir uma sesta que se prolonga até às cinco e meia, o que encontramos são
esplanadas e bares, a abarrotar de espanhóis a bebericar cerveja e a comer bocadillos debaixo dos toldos avançados
para os passeios. Tentei almoçar no restaurante onde tantas vezes comi com os
A., mas verifiquei que os velhotes seus donos, abandonaram o barco entregando-o
a uma espécie de sala de jogos. Em Espanha, à parte as pequenas bodegas
familiares de bairro ou os grandes restaurantes, come-se mal. Por isso, foi
para mastigar qualquer coisa que entrei num desses recintos barulhentos que
alinham mesas como se fossem cantinas. Na frente a sempre omnipresente
televisão, exibindo programas reles, eróticos, a que ninguém presta atenção.
- A bem dizer, este adormecimento, esta languidez que tomou conta do meu
corpo e do meu espírito, sinto-a como qualquer coisa benfazeja. Como
normalmente ando spedado, esta espécie de sedação transporta-me a um estado
puro de levitação. Estou nas alturas de uma forma de vida onde todos os
acontecimentos, pequenos ou grandes, se ajustam ao ser que eu sou e sobre o
qual paira uma fabulosa serenidade, próxima do estado de graça. As palavras que
se reúnem no meu cérebro, não se atropelam quando descem à página. Os
intervalos para pensar, são longos e projectam-se para além do espaço
verdejante encostando-se à linha do horizonte visível como uma reverberação imaterial.
A caixa cerebral parece estar retira num fluxo concêntrico. A própria noção do
tempo, ficou travada como se o meu corpo tivesse deixado de se importar com o
ritmo constante que o tempo utiliza para ser tempo. Mexo-me parado. O zumbido
nos ouvidos ajuda a fechar-me num casulo oco que me mantém concentrado no
vazio. A atmosfera que está lá fora onde a chuva parou de cair, deixou de
existir porque todo o meu corpo está compactado dentro de si. A casa é para
mim, enfim, a casa. Pertenço-lhe como espaço físico que me cerca do prazer de
existir para mim. Vou desejar vivê-la enquanto estiver como estou. Não tenho a
mínima apetência para ir ao café, para ir ver quem anda a passear na cidade sob
chuva miudinha. Até os objectos – livros, quadros, mesas, estantes, máquinas,
toda a parafernália que entulha os espaços – me olha do fundo de uma quietude
que eu desconhecia. Se esta obscenidade de situação se prolongar, não vou rogar
à saúde que se reconstitua contra sua vontade. As coisas são o que são. O corpo
é uma máquina perfeita que aspira a morrer. O descanso eterno é o prémio para
uma vida activa norteada pelos solavancos das alegrias e tristezas. É tudo?
Não. Estou com um nariz de palhaço de tanto me assoar.