sábado, abril 29, 2017

Sábado, 29.
Ainda a propósito das eleições francesas. No fundo o que os eleitores têm querido dizer em sucessivas idas às urnas, é que estão fartos desta gente que os governa, governando-se. O João não gosta que se diga que o que eles querem é tacho. Fica fulo. Eu sei que nem todos os deputados e dirigentes políticos são corruptos. Há, felizmente, um ou outro para quem se pode olhar de frente, mas são cada vez menos e qualquer dia esses poucos vão parar à cadeia por sérios. Também sei que Marine le Pen não é Trump e quanto a selá-la de extrema-direita, é caso para se observar de perto. Esse epiteto vem da dita esquerda que, no fundo, pensa como ela e encontra-se numa encruzilhada política sem coerência. Os partidos nem se dão ao trabalho de pensar. Se o fizessem, perceberiam que o povo enquanto tal está-se nas tintas para a política e já deixou de votar neste ou naquele partido por filiação, simpatia ou crença. Quem der mais é quem o leva. Aqui chegados, é lamentável que o destino dos povos e da democracia seja este. À parte um reduzido número de partidários activos, a massa compacta dos votantes decide na hora ou vota em branco. Nas urnas, por diversas vezes, o povo disse de sua justiça, mas os políticos, passado o susto, voltaram às sedes ou agremiações para conjecturarem a mesma marmelada fedorenta. Está provado que a Europa está condenada ao fracasso. Os seus dirigentes estão demasiado envolvidos em esquemas, em camarilhas, em negociatas de clube, de costas voltadas para os verdadeiros problemas das sociedades modernas de onde as pessoas foram excluídas e o cidadão honesto que trabalha de sol a sol, paga impostos cada vez mais cruéis, vive de língua de fora para fazer face à vida que todos os dias muda, complica-se, empobrece-os, não lhes dá saídas com o mínimo laivo de felicidade. A pouco e pouco, este campo de concentração em que se tornou a União Europeia, sub-repticiamente, foi retraindo as liberdades essenciais como o trabalho, a dignidade, as escolhas pessoais. Para trazer os povos submissos, temerosos, frágeis retirou-lhes o principal da existência-limite, rastejante, que são os pequenos nadas onde os dias repousam na esperança. Esperança que galgou da religiosidade que também suprimiram, para se transformar numa palavra manipulada de transformação no futuro. Fazemos isto, estamos a trabalhar naquilo, tenham portanto esperança em dias melhores – assim se exprimem os demagogos que nos governam. Quem não se lembra deste discurso quando a troika nos visitou! Não havia dinheiro nem para pagar os salários e as reformas, mas um punhado grande de CDS, PSD, PS faziam fila nos tribunais para serem julgados por surripiarem milhões. Há anos que seguimos a oratória do Ministério Público sobre estes casos, e não sabemos de ninguém que tenha sido condenado e preso. O MP é afinal uma invenção, o país um recanto de sol habitado por gente da mais fina ordem moral. Os ditos intelectuais estão mudos, ocupados em fazer obras-primas que entre eles elogiam, em se abonecarem para as câmaras de televisão, mas a sua intervenção moral e cívica jaz na enorme incapacidade de conhecer as autênticas virtudes da arte, entre elas a revolta, o desajuste face às injustiças, o desafio destemido ante os arrogantes, os déspotas, os manipuladores. Portugal está nas mesmas condições sócio-económicas em que se encontrava em 1954, com dois milhões de pobres, uma vida medíocre, onde não se descobre alguém que diga ser feliz, onde os padrões morais são inexistentes, Deus enterrado na sepultura da caixa forte dos bancos, as referências civilizacionais perdidas, distorcidas, amalgamadas num conjunto de ideologias fabricadas no reconhecimento do valor-padrão avaliado nas Bolsas, a família esfrangalhada, tudo e todos ajuizados por baixo enquanto no cimo da pirâmide estão uns quantos inúteis, cérebros para quem a especulação é a medida sacrossanta da multiplicação da honra, das manobras políticas, da inteligência. Talvez Marine le Pen não ganhe as eleições, mas é ela que vai governar a França quando tiver setenta por cento da Assembleia Nacional. A desordem geral começa então.


         - O senhor Le Pen, fundador da Frente Nacional, veio dizer que o funeral do jovem polícia assassinado pelo Daesh nos Campos Elísios, foi uma manifestação do Estado no reconhecimento da homossexualidade. O homem está gagá. Do alto dos seus noventa e tal anos, devia ficar em casa e de joelhos, a cabeça inclinada, a pedir a Deus pela alma de um bravo agente que deu a vida pela nação. Ele que, atendendo às disputas familiares, quando morrer não vai ter uma só palavra com a força do amor e da dor como as soletradas pelo companheiro do falecido.

sexta-feira, abril 28, 2017

Sexta, 28.

Encontrei-me com o Zé V. Pereira e um pouco antes no Chiado com o João e a banda habitual. O que há de extraordinário é a capacidade de abancar que esta gente tem. Por tudo e por nada, toca de almoçar e como se isso fosse pouco, a paparoca tem de ser abundantemente regada. Ainda se se dissesse que eram solteiros e, portanto, natural abastecerem a barriguinha fora de casa! Mas, não. São todos casados e pais de filhos. O único que não entrou nessas fantasias de vida é este que se assina. Eu há muito tempo que evito restaurantes, não só porque tenho de ter atenção à saúde como à bolsa. Mas aquela gente vive num mundo que não vem em nenhum mapa. Como conseguem? Mistério. É facto que andam sempre tesos, e talvez de contas bancárias a zero, mas a festa não pára. Estou contra? Talvez pareça, mas não estou. Cada um age e vive como bem lhe pareça. Eu quando estamos juntos, faço marcha atrás. Despeço-me à francesa à porta da Brasileira. Mas depois eles vêm atrás de mim e arrastam-me para o Príncipe onde não gosto de comer. Esta semana já foram pelo menos duas vezes. Com o ZVP é diferente, mas vai dar ao mesmo. Este amigo de longa data, adora restaurantes premiados com estrelas Michelin. Conhece-os todos ainda que tenha de lá deixar a pele. Bom. Que mais? Em todo o rebanho é a política que toma o pódio. Mas não há coerência. Eu dizia ao Corregedor, a mim o que me interessa são os objectivos. Se aqui o PCP está de acordo que Portugal saía da UE, porque razão eu não devo estar do lado da senhora Le Pen quando pretende o mesmo! O Chou-Chou todos detestam. Evidentemente, que é a Europa e o mundo que está numa situação extremamente complicada. Sobretudo, tal como as coisas se apresentam, é a própria democracia que vai à vida. O mais impressionante, contudo, é verificar que todos lamentam a situação, mas ninguém se interroga, a montante, das suas causas. Há anos que pensadores, escritores, mulheres e homens independentes, vêm alertando para isto. Os políticos na sua ambição e cozinhados partidários estão na génese do problema. Os povos fartaram-se deles, tentam a derradeira sorte com gente que pense o oposto. As ideologias estão falidas, o império do dinheiro anulou-as. A própria política deixou de ser grande para ser um produto barato de interesses mesquinhos. A Cultura também já não convence. A povoléu prefere a frivolidade, a razia desenfreada da sub-cultura. As pessoas hoje formam-se diante dos ecrãs de televisão, na massificação idiota e senil das minúsculas coisas da existência. Contentam-se com pouco: um pequeno smartphone, um lugar no jogo do seu clube, duas pataniscas ao jantar, um par de calças de marca, uns ténis idênticos aos dos seus ídolos, uma noite diante da televisão a comer merdelhices que felizmente ainda não cheiram a nada. Emitem parecer, mas a coberto de nicks. É o mundo dos cobardes, do não conhecimento, do anti-herói. Os imbecis estão hoje no palco da calhandrice. São eles os cultores do conhecimento sem bases, sem estudo, sem esforço. Pede-se ao cérebro pouca bravura e muita aos músculos, não para defender os fracos, mas para exibir as disformidades que extasiam as plateias estupidificadas. A um dirigente não se requer coerência, conhecimento, equilíbrio. Exige-se beleza, juventude, sorriso pateta e dentuça brilhante, palavra aldrabada. Eu não me admiraria que Marine Le Pen ganhasse a um Chou-Chou idiota que ainda recentemente disse que a cultura francesa nunca existiu. Fará ela melhor? Fará ao menos o que promete? Claro que não. Há muito que a palavra perdeu todo o significado. O que importa agora é alterar a Europa do euro, abalá-la, varrer os funcionários e dirigentes que se encheram, deram a encher, raparam o fundo do tacho do poder e conduziram políticas que beneficiaram os grandes e reduziram à miséria os pequenos países, acelerando a corrupção, aumentando impostos, trazendo leis que não condizem com as características dos povos, humilhação, dependência e outros vícios que o termos entrado num clube onde só se joga a dinheiro produz. É verdade que a única e estimada arma que nos resta é o voto. Penso, porém, por pouco tempo. Os gatunos, adoradores de riqueza, de poder, não suportam ad perpetuam sujeitarem-se à escumalha que em cada nova eleição diz-lhes nas ventas lambuças que os dispensa. Com isto quero dizer: a guerra não anda longe.

quinta-feira, abril 27, 2017

Quinta, 27.
Que dizer da oratória fúnebre ao polícia abatido a tiro nos Campos Elísios há uma semana a mando dos tiranos do Daesh pelo seu companheiro. Que dignidade, que presença serena e ao mesmo tempo contida na despedida brutal ao amigo que com ele partilhou a vida! Nada. Se não a inclinação respeitosa que a morte obriga como o reconhecimento da nação e da corporação ao direito de cada um viver no bem-estar do amor.

         - Não sei como não fomos postos na rua da Brasileira. Eu tive a infelicidade de dizer que partilho com Marine le Pen os principais valores por que ela se bate. Logo os meus amigos me saltaram em cima com todo o tipo de impropérios e nenhum conhecimento concreto do que defende Madame. São o protótipo daqueles que se deixam levar na avalanche informativa que a dita esquerda impõe capciosamente. Também não gostam de Chou-Chou, preferindo-o, contudo, à dirigente da FN. A política é canalha até dizer chega! Sendo todos comunistas, perguntei-lhes se conheciam o pequeno, o seu projecto de “liberalização do código do trabalho” que cozinhou enquanto Ministro da Economia do fracote Hollande e prontamente rejeitado pelas centrais sindicais. Aparentemente, não. Só se referiam o facto de Le Pen rejeitar os imigrantes, a continuação da França na UE e gritavam que ela não é democrata. Respondi ao fogo cruzado perguntando se ela não é democrata garantindo a consulta popular aos franceses para saber se querem ou não continuar na União Europeia, coisa que os “democratas” socráticos prometeram e não fizeram. Se acham que pode viver com dignidade quem cruza as fronteiras da França, Portugal, Alemanha sem nenhuma espécie de controlo, documentação, trabalho. Se abrindo os mercados e globalizando o trabalho e os negócios, melhor se defende quem trabalha e se projeta o futuro. Não responderam. Aproveitando o silêncio, acrescentei: ela podem não vencer as eleições, mas vai tomar conta do país para o ano quando tiver nas mãos a maioria da Assembleia Nacional. Mais tarde no Príncipe e depois no atelier do Guilherme não me largaram. Apenas o Irmão entretanto chegado comungava das minhas ideias – ele que todos dizem ser de direita.

         - Outro dia, na Cordoaria, avisto um homem a olhar muito fixamente para mim: era um amigo de longa data comido pela velhice. Foi meu vizinho em S. Marçal, reuniu uma sólida fortuna, aproveitando a sua relação com um homem do Quarto Governo Constitucional que mais tarde foi nomeado director de uma grande empresa pública. Quando as coisas se consolidaram, chutou-o para canto e prendeu-se de amores por um rapaz casado aqui de Setúbal. A relação que a mulher do outro conhecia, durou um bom par de anos, a tal ponto que lhe perguntei se ainda existia. Respondeu-me, amargurado, que não e que até estava com ele em tribunal por se recusar a deixar um belo andar no único mastodonte da Avenida Luísa Todi. “Que idade tem ele? – perguntei. – Cinquenta e poucos e um filho de outra tipa. – Se calhar não tem para onde ir – disse como quem não quer a coisa. – Pois não tem. Mas eu não tenho nada a ver com isso.” Quem o viu no auge da sua beleza (ele era manequim de moda), quem o admirasse ao volante de vários carros espampanantes que exibia a meia tarde nas esplanadas da Avenida de Roma, quem o vê agora ruído de revolta e indiferença ante um amor que decerto o amou e ele aproveitou, a idade invadindo como uma mascara mortuária o rosto outrora aberto à claridade de todos os desejos, não diria que aquele homem é aquele outro que a vaidade metamorfoseou em amargura.   

         - Todos os dias, somos arrastados pela ladainha do governo do Mágico sobre a exuberância das nossas finanças. Estamos óptimos, a economia está a crescer, o défice a diminuir, o desemprego a baixar, os portugueses a consumir, a pobreza a decrescer, os juros do que pedimos emprestado nunca estiveram tão baixos, enfim se não somos a Suíça da Ibérica, somos pelo menos um irmão que fala de igual para igual. Com um pequeníssimo pormenor: não enganamos as empresas de rating que ainda a semana passada voltaram a reafirmar que não passamos de lixo.


         - A voz corrente é que Paul Morand fazia literatura com a mesma facilidade e gosto com que conduzia carros de corrida. Era um homem apressado. Até Julien Green que fora muito chegado a ele, partilhava dessa ideia. Todavia, pela parte que me toca  - e eu conheço bastante bem a sua obra – estou nos antípodas. Dos pequenos livros com uma centena de páginas tão ao gosto dos editores, não sei de nenhum. Pelo contrário, este que findei há dias, Londres, é uma obra com 500 páginas sobre história, testemunhos e pesquisas profundas que atravessam vários séculos e nos mostram quão foi ele o plenipotenciário escritor do detalhe, do estudo, da capacidade de compreender e ser ele mesmo o centro dos acontecimentos. Para tanto deve ter contribuído a carreira diplomática com o seu início na ville qui fait de la lumière avec rien, des gris.  

terça-feira, abril 25, 2017

Terça, 25.
A propósito do que disse (Domingo, 23), transcrevo o primeiro parágrafo do artigo de Fr. Bento Domingues do Público desse dia: “O filósofo Bertrand Russel não foi muito original ao destacar que os dois grandes desejos humanos são o poder e a glória. Podem realizar-se pelos caminhos da ilimitada vontade de dominação económica, política e religiosa ou pelo desenvolvimento dos próprios talentos em função da vontade de criar condições para que tenham todos iguais oportunidades. Em Portugal, a julgar pelas aparências, o grande desejo de poder e glória, de pais e filhos, é que ganhe o clube da sua paixão. Os mais devotos têm sempre os caminhos de Fátima à disposição. Se aparecer um Papa, é o segredo da glória, o desejo consumado.” Atenção, leitor, desatento: este texto não é meu, nem fui eu que o segredei ao ouvido do ilustre teólogo da Ordem dos Pregadores... 

         - Recebi um mail da KLM que reza assim: “A KLM comemora consigo o 25 de Abril” mas... enviando-me para Dubai (577 €), Hong Kong (606 €), Cartagena (626 €). Estes convictos amigos da Revolução dos Cravos não perdem a oportunidade de gritar: “25 de Abril Sempre!”

         - Num relâmpago, ao ligar a televisão, deparei com as cerimónias religiosas do dia na Assembleia da República e disse para os meus botões: "será que estas beatas talassas acreditam nisto.” 


         - Eu nem da quinta saí, correspondendo ao imenso trabalho que nunca está feito. Com a nova roçadora, fui aqui de casa ao portão devastando a erva daninha que se estendia como um tapete ao longo do caminho. De seguida plantei na terra meia-dúzia de abóboras nascidas das sementes que pus em vasos e se fizeram raparigas belas e redondas de pernas. Tempo ainda, naturalmente, para a escrita e leituras, soneca e conversa telefónica.

segunda-feira, abril 24, 2017

Segunda, 24.
A primeira volta das eleições francesas deram a vitória ao Chou-Chou. Le Pen ficou a dois pontos, seguida de Mélenchon e Fillon. O grande derrotado como por todo o lado, é o Partido Socialista que passou a contar com militantes para encher uns quantos táxis. A Europa do euro, se Chou-chou ganhar na segunda volta, vai prosseguir no lento caminho até à morte. Um liberal é um autêntico desastre. Ainda por cima quando esse liberal nada percebe de política, não tem partido, é palavroso, tergiversador, ofuscado por dinheiro, banqueiro reformado e afilhado daquela figura sinistra que é Hollande. O que resta da esquerda e dos gatunos da direita, apoiados pela informação manipulada, apadrinham-no. Estão todos enganados e vão pagar caro a obsessão pela Europa de Bruxelas. Nada muda, a continuidade favorece os parasitas. Burrrrrr!

         - A Igreja, a pouco e pouco, empurra-nos da nossa maravilhosa infância onde avistámos Jesus pela cortina da inocência e do amor e por Ele construímos um mundo de poesia e beleza sem igual. Antes disseram-nos que o Céu não existe, agora acrescentam que aquilo que os Pastorinhos tiveram em Fátima foi uma visão e não uma Aparição. No dizer do suspeito D. Carlos Azevedo, “Maria não vem do céu por aí abaixo”. Isto dá pano para mangas. Sobretudo para um escritor, mas o momento não se apresenta para dissecar tão extraordinária sentença. Levanto, todavia, o véu na forma de uma ingénua pergunta: se assim é por que alimentou a Igreja durante cem anos uma visão?


         - Voltei à universidade para aprender a usar uma máquina de limpar que adquiri há dias e me levou ao cansaço extremo porque decidi lavar os metros quadrados de tijoleira que tenho por todo o lado. A compreensão de um tal objecto, obriga-nos desde a montagem à sua utilização, a um labor atento, por vezes incompreensível. Fui utilizando a lógica e lendo e relendo o manual de instruções. No final disse ao Helder que elogiasse o Sousa, porque ambos estão de parabéns – o bicho é extraordinário. Enquanto avançava, ia pensando no que seria de mim se habitasse uma padiola em Lisboa. Estaria decerto estupeficado, sombrio, quadrúpede, cheio de dores na coluna, com ciática, reumatismo, neurastenia e todas as doenças típicas das cidades.