Sábado, 29.
Ainda
a propósito das eleições francesas. No fundo o que os eleitores têm querido
dizer em sucessivas idas às urnas, é que estão fartos desta gente que os
governa, governando-se. O João não gosta que se diga que o que eles querem é
tacho. Fica fulo. Eu sei que nem todos os deputados e dirigentes políticos são
corruptos. Há, felizmente, um ou outro para quem se pode olhar de frente, mas
são cada vez menos e qualquer dia esses poucos vão parar à cadeia por sérios.
Também sei que Marine le Pen não é Trump e quanto a selá-la de extrema-direita,
é caso para se observar de perto. Esse epiteto vem da dita esquerda que, no
fundo, pensa como ela e encontra-se numa encruzilhada política sem coerência. Os
partidos nem se dão ao trabalho de pensar. Se o fizessem, perceberiam que o
povo enquanto tal está-se nas tintas para a política e já deixou de votar neste
ou naquele partido por filiação, simpatia ou crença. Quem der mais é quem o
leva. Aqui chegados, é lamentável que o destino dos povos e da democracia seja
este. À parte um reduzido número de partidários activos, a massa compacta dos
votantes decide na hora ou vota em branco. Nas urnas, por diversas vezes, o
povo disse de sua justiça, mas os políticos, passado o susto, voltaram às sedes
ou agremiações para conjecturarem a mesma marmelada fedorenta. Está provado que
a Europa está condenada ao fracasso. Os seus dirigentes estão demasiado
envolvidos em esquemas, em camarilhas, em negociatas de clube, de costas
voltadas para os verdadeiros problemas das sociedades modernas de onde as
pessoas foram excluídas e o cidadão honesto que trabalha de sol a sol, paga
impostos cada vez mais cruéis, vive de língua de fora para fazer face à vida que
todos os dias muda, complica-se, empobrece-os, não lhes dá saídas com o mínimo laivo
de felicidade. A pouco e pouco, este campo de concentração em que se tornou a
União Europeia, sub-repticiamente, foi retraindo as liberdades essenciais como
o trabalho, a dignidade, as escolhas pessoais. Para trazer os povos submissos,
temerosos, frágeis retirou-lhes o principal da existência-limite, rastejante,
que são os pequenos nadas onde os dias repousam na esperança. Esperança que
galgou da religiosidade que também suprimiram, para se transformar numa palavra
manipulada de transformação no futuro. Fazemos isto, estamos a trabalhar
naquilo, tenham portanto esperança em dias melhores – assim se exprimem os
demagogos que nos governam. Quem não se lembra deste discurso quando a troika
nos visitou! Não havia dinheiro nem para pagar os salários e as reformas, mas
um punhado grande de CDS, PSD, PS faziam fila nos tribunais para serem julgados
por surripiarem milhões. Há anos que seguimos a oratória do Ministério Público
sobre estes casos, e não sabemos de ninguém que tenha sido condenado e preso. O
MP é afinal uma invenção, o país um recanto de sol habitado por gente da mais
fina ordem moral. Os ditos intelectuais estão mudos, ocupados em fazer obras-primas
que entre eles elogiam, em se abonecarem para as câmaras de televisão, mas a
sua intervenção moral e cívica jaz na enorme incapacidade de conhecer as
autênticas virtudes da arte, entre elas a revolta, o desajuste face às
injustiças, o desafio destemido ante os arrogantes, os déspotas, os
manipuladores. Portugal está nas mesmas condições sócio-económicas em que se
encontrava em 1954, com dois milhões de pobres, uma vida medíocre, onde não se descobre
alguém que diga ser feliz, onde os padrões morais são inexistentes, Deus
enterrado na sepultura da caixa forte dos bancos, as referências
civilizacionais perdidas, distorcidas, amalgamadas num conjunto de ideologias
fabricadas no reconhecimento do valor-padrão avaliado nas Bolsas, a família
esfrangalhada, tudo e todos ajuizados por baixo enquanto no cimo da pirâmide
estão uns quantos inúteis, cérebros para quem a especulação é a medida
sacrossanta da multiplicação da honra, das manobras políticas, da inteligência.
Talvez Marine le Pen não ganhe as eleições, mas é ela que vai governar a França
quando tiver setenta por cento da Assembleia Nacional. A desordem geral começa
então.
- O senhor Le Pen, fundador da Frente
Nacional, veio dizer que o funeral do jovem polícia assassinado pelo Daesh nos
Campos Elísios, foi uma manifestação do Estado no reconhecimento da homossexualidade.
O homem está gagá. Do alto dos seus noventa e tal anos, devia ficar em casa e
de joelhos, a cabeça inclinada, a pedir a Deus pela alma de um bravo agente que
deu a vida pela nação. Ele que, atendendo às disputas familiares, quando morrer
não vai ter uma só palavra com a força do amor e da dor como as soletradas pelo
companheiro do falecido.