sábado, abril 08, 2017

Sábado, 8.
Almocei com os do costume no Sinal Verde mais abaixo do Príncipe onde João Corregedor e eu não gostamos de comer, no número 42 da Calçada do Combro. Aquele restaurante, onde não entrava há muitos anos e fora ponto de muitos encontros quando vivi ao fundo da Rua de S. Marçal mais de trinta anos, está intacto só o patrão engordou e envelheceu. Depois de o Dão (caro) correr de goela em goela, exaltaram-se os ânimos e a discussão foi inflamada. Sobretudo entre João e Carlos, nos opostos, politicamente falando. Mas também entre Guilherme e o nosso deputado, fechado nas suas simpatias por Putin. No final, abraços e ameaças “um dia deixo de falar àquele gajo”. Eu intervinha quando sentia que Corregedor dominava com a sua obsessão a discussão. Até porque em grande parte estou de acordo com ele embora, desta vez, tivesse de dizer em que é que opto por Trump, precisando que não concordo com a acção dele no ataque há dois dias à Síria (já lá vamos).

         - Dispersou-se o bando. João, Guilherme e eu, fomos abancar no nosso bar em frente à Casa dos Jornalistas onde ficámos até perto das sete da tarde em amena cavaqueira sobre livros, antigos colegas, a vidinha airada de um tempo feliz apesar da falta de liberdade e do cadeado nos dentes. A dada altura João lamenta-se: “Outro dia dizia à Matilde (a mulher) como foi possível ter-me escapado um escritor tão importante que tu me deste a conhecer como o filho de Thomas Mann!” João é um tipo curioso, grande leitor, temperamental e excessivo qb como são os tripeiros. Devia escrever as suas memórias porque atravessou um tempo que lhe passou pelas mãos e onde esteve participando, convivendo com os gurus da política alicerçada no patuá. Contou-me ele que uns dois anos antes do 25 de Abril de 1974, foi mandado pela organização política MDP/CDE a Estocolmo. Olof Palme era o anfitrião de todo o tipo de libertação e, por isso, recebeu gente de muitos lados, de Portugal a África. Convergiram para Oslo, os principais líderes que no estrageiro combatiam ditaduras. Mário Soares e Tito de Morais por Portugal. João Corregedor levava uma informação ultra-secreta para transmitir a Soares: o exército estava em marcha com diversas reuniões ao nível das patentes mais baixas para depor Marcelo Caetano. Os três estão estrategicamente sentados num banco de jardim. Quando João faz a revelação, Mário Soares levanta-se, fanfarrão, os braços erguidos e diz: “Oh, oh, isso é impossível!” A cena foi tão canalha, que Tito de Morais o manda calar e pede a Corregedor que explique detalhadamente as acções em curso. No segundo encontro que mais tarde tiveram, Soares mantém-se na desconfiança, mas aí a preocupação maior do futuro líder do Partido Socialista, era Cunhal: “E Cunhal, e Cunhal?” João Corregedor não estava ali para falar do chefe dos comunistas e desobriga-se de explicações.

         - Evidentemente, João estava fulo contra a acção militar levada a cabo por Ronald Trump na Síria. Eu também, mas baseado em outros parâmetros. Acho assustador que um país, seja ele qual for, vá atacar outro em nome de princípios e objectivos que só a ele diz respeito. Mesmo que esses princípios sejam humanamente aceitáveis. Se formos por aí, é a decadência da democracia, dos valores internacionalmente aceites de convívio e respeito mútuos, a provocação, a invasão pura e simples. A ONU não se fez para outra coisa senão para evitar conflitos e guerras sangrentas. É, portanto, lá que os países devem aligeirar os ódios, as malvadezas, e se possível evitarem as guerras. Em caso de conflitos, é às Nações Unidas que compete dirigir as operações, sempre no critério da paz. Se Trump procede sozinho, sem dar cavaco, armado em senhor todo poderoso, é igual a Putin e a outros dirigentes que detêm o poder para humilharem e transformarem os outros em lacaios.

         - Tenho acompanhado as eleições para a presidência da república em França. Outro dia ouvi Emmanuel Macron. Pobre tipo. Não passa de uma máquina de ambição e tagarelice. É o delfim do medíocre François Hollande e isso por si só é desencorajador.

         - Também assisti a um espectáculo miserável na SIC. Dois jornalistas, carregados de dossiers, estão meia hora a bombardear Passos Coelho numa completa anarquia, manifestamente só para estenderem ao comprido o entrevistado. Este, sem um simples papel de notas, responde com conhecimento a todas as armadilhas que os ilustres plumitivos, a mando sabe lá de quem, lhe fazem. Nem deixam o homem terminar as respostas, logo o atacam à sorrelfa com perguntas que eles entendem ser sensacionais e não passam da corriqueira prática do jornalismo bacoco. O arrastão informativo está a cavar a sepultura deste governo. Pobre país o nosso!


         - O Werner enviou-me esta tentadora foto do seu jardim em Wallisellen, na Suíça. Diz ele que só se chega a esta beleza, podando três vezes por ano. Decerto. Mas que apetece partir sem demora para beijar estas obras de arte, lá isso...