quarta-feira, fevereiro 28, 2018

Quarta, 28.
O mundo não vai nada bem, agigantam-se sem cerimónia os ditadores, os que o tomam como sua coutada. É o caso do mandão da China que alterou a Constituição de forma manter-se no poder eternamente. Como Putin, de resto, que optou pela dança das cadeiras. A isto chamam eles democracia. Os povos vão tê-los omnipotentes, omnipresentes, deuses da flatulência pestilenta. No Egipto, onde o Islão prevalece, pode-se ir para a prisão pelo simples facto de se ser ateu ou não professar qualquer religião. Na Síria as tréguas decretadas pelas Nações Unidas não foram respeitadas. Este caldeirão onde ferve em lume brando o ódio e a intolerância, não tarda transbordará. Assim vai o mundo. Mas para aonde vai ele?

         - Sexta-feira passada, dia 23, fez um ano que, depois de algumas hesitações, comecei o romance, O Juiz Apostolatos. Não sei quando o terminarei, porque tudo está dependente das personagens. São elas que orientam o exercício da escrita, apelam ao narrador, guiam-no através das suas vidas. Estas são-lhes reveladas com o mesmo improviso dos dias palpitando em cada um de nós. Nesta altura conto 162 páginas.

         - “Icónico” –  a palavra eloquente dos incultos que assomam às televisões. Antes tudo era “fantástico”. A vulgaridade é o padrão da monotonia instalada.  

         - Carlos veio cá almoçar, mas a bebedeira foi de temas todos curiosos e interessantes. Falando dos capitéis gregos decorados a folha de acanto, Irmão diz-me que há excepção de alguns, a maioria não tem nada a ver com a planta que toda a gente crê decorar os templos gregos, mas sim de uma folha desvirtuada, mal concebida e sem rigor. Quem melhor tratou essas colunas, foram os árabes. Árabes ao serviço dos judeus que estiveram por todo o lado na Antiguidade Clássica. Quando a noite se instalou, fui levá-lo ao comboio. De regresso a casa, um silêncio incomodativo entrou comigo ocupando todos os espaços do salão. 


         - Imagens impressionantes da Europa submersa na neve espessa. Em Roma, os padres brincaram na Praça do Vaticano, atirando bolas de neve uns aos outros. Nas praias francesas e espanholas, os habitantes esquiaram. Nota trágica: mais de uma dezena de pessoas morreram ao frio glacial. Por cá, chuva forte e vento a condizer – uma bênção do céu.

terça-feira, fevereiro 27, 2018

Terça, 27.
O frio voltou. Toda a Europa está com temperaturas negativas de vários dígitos. O número de sem-abrigos mortos com frio, aumentou. Para nós, nas tintas para o arrefecimento, o que nos interessa é a chuva que os técnicos preveem se mantenha até à próxima semana e com abundância. Mesmo assim, depois de quinze dias sem acender as lareiras, ontem outro remédio não tive que o fazer. Hoje, não obstante o clima, fui fazer uma hora de natação.

         - Damião de Góis. Ontem, ao serão, voltei a pensar nele e decidi reler a sua tradução do Eclesiastes. Foi, de facto, uma figura quinhentista marcante, politicamente falando cheio de nuances no relacionamento, por exemplo, com D. Manuel. Não foi pessoa de se inclinar, cedendo nos seus princípios, nem aproveitando-se da sua posição privilegiada. Estando no centro da Europa, numa altura terrível de intolerância, acompanhou a cisão na Igreja, a execução de Thomas More, a morte de Erasmo, entrando nas discussões acaloradas da exegese bíblica, mas sempre com o seu nobre pendor de compreender, estudar, dialogar. De regresso a Portugal, o cardeal D. Henrique, que durante anos o defendeu, cedendo às intrigas bárbaras de Simão Rodrigues que o denunciou por suspeita de luteranismo, entrega-o às masmorras da Santa Inquisição que de “santa” nada tinha, acusando-o de traidor, herege e estando do lado das ideias do Renascentismo que progredia por todo o lado. Sem liberdade, doente, cansado, obrigam-no a abjurar como se alguma vez tivesse traído a fé, afastado Deus do seu caminho. Deixa as celas do Convento de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e regressa a casa, em Alenquer, um farrapo. Morre em condições misteriosas. Este Eclesiastes traz na sua versão original uma outra tradução, De Senectude de Cícero. Ter-se interessado por Cícero é de si o melhor cartão de visita da sua identidade.

         - É por isso que eu recomendo uma visita à sua terra natal. Na igreja-museu que a autarquia recuperou para os estudiosos da sua personalidade e obra, existe um auditório, no primeiro piso, com um ciclorama, que passa o programa que o meu vizinho, José Hermano Saraiva lhe dedicou e é um testemunho muito interessante da personalidade do grande humanista. Suba as escadas um pouco íngremes de acesso porque vale a pena.  Palavra de coxinho, coitadinho, que lá acima foi.


         - Chuva abundante, graças a Deus! Todo o dia o hino Te Deum, bateu nas minhas janelas enquanto trabalhava, de manhã, no Juiz Apostolatos, à tarde na leitura final do terceiro volume da Bíblia, tradução de Frederico Lourenço, a quem eu de joelhos agradeço.

segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Segunda, 26.
Ainda a ida a Alenquer. A vila, desde a última vez que a visitei há muitos anos, transformou-se imenso. Hoje é um lugar vulgar, semeado aqui e acolá dos restos de vestígios aristocráticos, onde o piroso e o armar ao moderno se misturam descaracterizando um lugar em tempos nobre. Toda a radiografia toponímica, vista de qualquer ângulo, assemelha-se à pura anarquia que tece nas ruas e praças uma arquitectura rendida aos chicos-espertos dos construtores e ao dinheiro fácil a escorregar para os bolsos dos autarcas. Edifícios construídos nas falésias e cair para o rio, prédios altos parentes pobres dos arranha-céus americanos, descaracterização da terra berço de Damião de Góis e de outros ilustres republicanos, pelo que me foi dado observar, não passa hoje de um dormitório dos que saem de manhã e regressam à noite depois de oito horas de trabalho em Lisboa. Ao ver no que se está a transfigurar o país, temo pelo que ainda a vem, quando os senhores autarcas tiveram a independência que as suas arrogâncias e interesses reclamam. Um dia destes, vou dar a conhecer aos meus leitores com fotografias, o gosto do actual Presidente de Câmara. É de se lhe tirar o chapéu!

         - Damião de Góis, o ilustríssimo intelectual do século XVI, nomeado embaixador em França, em 1534, amigo e hóspede de Erasmo, em Friburgo, correspondente de Lutero, conhecedor exímio do latim, a língua falada na Europa até aproximadamente ao séc. XVII, que chegou a conhecer Luís Vaz de Camões, empreendeu, inclusive, a tradução do Livro de Eclesiastes, descoberto só no ano 2000, numa universidade de Oxford, e cuja tradução eu li há uns anos com a chancela da Fundação Calouste Gulbenkian, com reprodução fac-símile da edição de 1538, este português que viajou, trabalhou, esteve no centro do vulcão religioso que sacudiu a Europa do seu tempo, foi perseguido pela Santa Inquisição apenas porque quis compreender e dialogar com todos os intervenientes da ruptura religiosa. No Portugal do rei D. João II, intimamente acostado à Igreja, ele foi proscrito e condenado e essa injustiça chegou até ao século XX, se tivermos em conta a falta de interesse do Estado Novo na sua obra humanista e no seu amor a Portugal. Todavia, Damião de Góis, não era pessoa de renunciar às suas ideias, homem íntegro e honesto, em todos os postos que ocupou em Antuérpia ou Pádua, outros mais, apesar do isolamento de Portugal e do mar imenso a interpor-se entre a Península Ibérica e os grandes centros universitários e de pensamento, manteve sempre o espírito lúcido e aguentou o seu destino de livre-pensador até à morte. Morte misteriosa que ainda hoje não se sabe como aconteceu. Provavelmente algum fanático a mando da Inquisição, encarregou-se de o eliminar. Curiosamente ou talvez não, o museu com o seu nome, onde ele repousou por algum tempo, que havia sido lugar de culto religioso de vários povos – árabes,  romanos, celtas... – mesquita ou templo católico, vezes sem conta destruído outras tantas reconstruído, reergue-se hoje para testemunhar a sua obra e o seu nome. É esse espírito, essa atmosfera densa onde as ideias se travessam na mente do visitante, que eu vivi. Aconselho vivamente aos meus leitores uma visita.


         - O esforço das Nações Unidas na suspensão da guerra na Síria, durou escassas horas. O conflito recomeçou e em pouco tempo morreram dezenas de crianças e adultos. Parece que na origem desta tragédia, está o facto de a Organização não ter fixado o dia e a hora da sua suspensão. Ao que chegámos!

domingo, fevereiro 25, 2018

Domingo, 25.
O Daesh para provar que ainda está vivo e atuante, volta que não volta, assina os seus actos criminosos com assinatura de sangue. Foi o caso ontem ao fazer explodir um carro no Iémen junto ao quartel dos combates ao terrorismo. Resultado: 14 mortos.  

         - Chou-chou vai acabar como François Hollande. Todos o detestam, as leis que tem produzido a ninguém agradam, os seus ministros estão metidos em esquemas, alguns são acusados de abusos sexuais as mulheres que estiveram ou estão perto deles, a máscara de juventude e competência que vendeu, já não vale dez rés mel coados.

         - Trinta dias de tréguas nos terríveis combates em Ghouta Oriental, que fizeram em poucos dias milhares de mortos, muitos deles crianças. Foi o excelente trabalho de António Guterres que vai permitir acudir aos feridos, enterrar os mortos e refazer o balanço da guerra. 

         - Há tempos falei ao Paulo Santos do meu interesse em conhecer o museu Damião de Góis, recentemente inaugurado na sua terra natal, Alenquer. Fomos lá ontem e convidámos a Matilde e o João Corregedor, assim como o Carlos Soares. Dia magnífico de sol e boa disposição, culturalmente muito rico e coberto com o manto da amizade que nos une. Chegámos cedo ainda a vila estava a acordar. Começámos por visitar a igreja de S. Pedro (séc. XII) que guarda as cinzas do ilustre humanista. De seguida fomos conhecer o convento de S. Francisco, hoje sob a tutela da Santa Casa da Misericórdia. É o primeiro convento franciscano do país, começado a ser levantado nos finais do século XIII. Uma joia muito mal tratada. A começar pelo jardim do claustro e acabar nas barras de ferro que parecem suster colunas e paredes, mas na realidade mais não são que o estendedouro para as roupas do hospital que no segundo e terceiro andares está em funcionamento. Este atentado brada aos céus e não há ninguém que intervenha. Intervalámos para o almoço. Que momento gastronómico! Por uma tuta e meia, comemos coisas deliciosas, bebemos um bom vinho, sobremesas de tombar para o lado, para não falar do convívio onde desaguou toda a sorte de temas a política, claro, ou não tivéssemos connosco o nosso deputado. A tarde começou no museu por uma boa hora. Tivemos a sorte de encontrar o guia, um homem formado em História d´Arte, que prontamente nos adotou, percebendo que estávamos ao seu nível. O que o museu oferece ao visitante, é não só a estrutura da antiga igreja de Santa Maria da Várzea, mas também a história do nosso ilustre antepassado. Que começou por estar aqui sepultado, antes de ser transferido para o monumento que venho de mencionar. Pelos Anos Quarenta do século passado, Salazar no poder e a Igreja com todos os ventos a sacudi-la para os braços de um regime que se aproveitou dela e reciprocamente, a igreja começou a ser renovada depois de muitos anos em ruína sacudida por tremores de terra. Os restos mortais de Damião de Góis estiveram lá e quando os levantaram ninguém fez estudos para procurar saber as causas da sua morte. Esta é um mistério, embora ninguém tenha dúvida que a Inquisição meteu aí o dedo.

O brasão de Damião de Góis e da esposa 

O túmulo do grande humanista 

As assinaturas dos bravos maçons nas pedras do convento franciscano


         - A Annie falou. Em Paris esperam-se uns quantos graus negativos. Aqui estiveram hoje à tarde 19 graus.

sexta-feira, fevereiro 23, 2018

Sexta, 23.
Se os governos não se acautelam, arranjam mais um sector que junto com muitos outros, trabalham a nível mundial para erradicar a democracia das nações civilizadas. Refiro-me ao futebol. O que se tem passado e passa com os homens do desporto, é de tal modo terrível que é necessário alertar os políticos empenhados em manter o nosso regime e sistema de vida. O que eu vi na televisão com um clube espanhol, foi autêntica batalha campal, tendo saído dos confrontos um morto e vários feridos. Ninguém consegue travar estes fanáticos com laivos selvagens, em Espanha, Inglaterra, Portugal. Não nos esqueçamos que já no tempo do Estado Novo, a esquerda combatia a alienação do futebol, um dos três F, que afinal acabou por perder, como Fátima e Fado.

         - Recebi a Marília, João e Guilherme com quem passei um dia agradabilíssimo com almoço que se estendeu pelo adiantado da tarde. Com o João Corregedor, a discussão entra sempre pela política, mas já lhe vou ouvindo testemunhos de clarividência afastados da ideologia prisioneira da liberdade de opinião. A mulher, arquiteta, teceu loas a esta casa e nenhum deles me fez a pergunta sacramental: “não tens medo de aqui viver”? Quando os vi chegar carregados de pequenos presentes, pensei que eram os três Reis Magos. Depois, entrando em mim, percebi que o Natal ainda está longe.

         - Terminei o longo livro de Ezequiel. Os seis ou sete derradeiros capítulos, são incompreensíveis. É muito difícil entender a sua utilidade porque, se for para definir a Casa de Deus, a complexidade de uma tal arquitectura parece-se mais com uma planta cujo traçado nos leva à paralisação.


         - Dia radiante de sol. Que prazer viver no campo com um dia deste! O Guilherme até me pareceu menos triste, a Marília mais erudita, o João maior, eu a coxear melhor.