Quinta,
15.
Ontem,
no Príncipe, confesso que tive uma certa satisfação em contradizer o Carlos.
Ele é por vezes irritante, porque tem a mania que sabe tudo (sabe na realidade
muito) e impõe o seu conhecimento não deixando espaço ao seu semelhante para
explanar o seu. Vai daí, falando eu do versículo que ontem citei de memória, de
resto incompleto, mas é a passagem mais conhecida, ele insistia que não era do
Génesis, mas do Deuteronómio. Viva discussão entre nós. Às tantas, farto,
lembrei-me que o Paulo Santos e o grande Mário, são rapazes modernos, desses
que passeiam com a internet no bolso. Pedi ao Paulo que fosse ao Google e
escreve-se Gen. 3,19. Logo ele leu para todos ouvirem – Guilherme, Vergílio,
Gordilho, Alexandre e um colega do nosso advogado. O Irmão não teve outro
remédio que enfiar-se pela cadeira abaixo. Nalguns rostos vi um misto de gozo e
admiração. Que não me robustece. Não gosto nada de dar uma imagem de mim de
pessoa culta, inteligente e assim. Esse novo-riquismo não me diz respeito. Mas
tendo em conta o meu bravo adversário...
- Um pouco mais tarde, o Paulo que
adquiriu carro novo, foi deixar o Carlos à Lapa onde ele possui dois ateliers e
a mim ao Corte Inglês para comprar o jantar. Embora o nosso artista me tenha
convidado muitas vezes para ir conhecer o espaço, nunca tinha tido tempo para
isso. Aconteceu ontem e foi para mim um deslumbre. Falo na atmosfera, naquela
barafunda de materiais, naquele fosso onde tudo se mistura e para avançarmos
temos de chutar em tanta coisa, passar uma caleira que apara a água da chuva,
pedras, pó, e livros (muitos) em sacos de plástico. Carlos é estranho porque
não gosta de mostrar os seus trabalhos. Por isso, não pude pôr os olhos em
alguns que admiro por os haver visto em catálogos de antigas exposições. Todavia,
mostrou-me uma Mona Lisa que ele está a esculpir em mármore da Carrara de uma
graça, minúcia e invenção. Adiou – até porque o Paulo tinha pressa – uma visita
mais demorada para outra oportunidade.
- Logo que cheguei à Brasileira, ouvi
de todos: “Estás mais magro! Estás doente?” Olhei-me ao espelho que varre a
parede do café até ao fundo, e vi-me como sou, nem magro nem gordo, bem. Todavia,
esta manhã ao acordar, pesei-me: 64kg. O meu peso ideal. Sou a elegância em
pessoa!... Sim, quando vim de Paris, trazia quase dois quilos a mais. Depois,
com o meu regime, fiquei como gosto e saudável. Sou a favor de uma dietética
completa.
- Nos EUA, como é de exemplo, um rapaz
de 19 anos que tinha sido expulso de uma a escola na Flórida, voltou para se
vingar e matou dezassete colegas. Dito deste modo cru, sinto que normalizo,
vulgarizo um crime que passa na enxurrada de violência que hoje habita o mundo.
Parece uma daquelas notícias que a TVi adora dar, desembrulha diante dos
espectadores e passa adiante com o entusiasmo de um golo de futebol.
- Em França, uma luso-descendente, foi
assassinada por um ex-militar de trinta e poucos anos há dois meses. Ele era o
único suspeito, mas a menina ou o corpo não apareciam. Até que a polícia
encontra uma pequena mancha de sangue no porta-bagagem do carro do presumível
autor. Foi o suficiente para selar as suspeitas e forçar o criminoso a dizer
onde escondeu o corpo. Assim aconteceu agora. Contudo, no decorrer das
averiguações, descobriram que o sujeito tinha vida dupla: encontraram montes de
aliciamentos pela internet a homens e rapazes. Vai daí, andam à procura de
saber se uns quantos homossexuais desaparecidos na zona, são obra do
energúmeno.
- Esta manhã, descobri um ser que
nunca tinha visto aqui: uma bela codorniz. Não conhecia ao vivo o bicho, e foi
preciso chamar a Piedade para o identificar. A Piedade, sabendo que eu gosto da
carne destes animais, quis apanhá-la – recusei.