quinta-feira, fevereiro 15, 2018

Quinta, 15.
Ontem, no Príncipe, confesso que tive uma certa satisfação em contradizer o Carlos. Ele é por vezes irritante, porque tem a mania que sabe tudo (sabe na realidade muito) e impõe o seu conhecimento não deixando espaço ao seu semelhante para explanar o seu. Vai daí, falando eu do versículo que ontem citei de memória, de resto incompleto, mas é a passagem mais conhecida, ele insistia que não era do Génesis, mas do Deuteronómio. Viva discussão entre nós. Às tantas, farto, lembrei-me que o Paulo Santos e o grande Mário, são rapazes modernos, desses que passeiam com a internet no bolso. Pedi ao Paulo que fosse ao Google e escreve-se Gen. 3,19. Logo ele leu para todos ouvirem – Guilherme, Vergílio, Gordilho, Alexandre e um colega do nosso advogado. O Irmão não teve outro remédio que enfiar-se pela cadeira abaixo. Nalguns rostos vi um misto de gozo e admiração. Que não me robustece. Não gosto nada de dar uma imagem de mim de pessoa culta, inteligente e assim. Esse novo-riquismo não me diz respeito. Mas tendo em conta o meu bravo adversário...

         - Um pouco mais tarde, o Paulo que adquiriu carro novo, foi deixar o Carlos à Lapa onde ele possui dois ateliers e a mim ao Corte Inglês para comprar o jantar. Embora o nosso artista me tenha convidado muitas vezes para ir conhecer o espaço, nunca tinha tido tempo para isso. Aconteceu ontem e foi para mim um deslumbre. Falo na atmosfera, naquela barafunda de materiais, naquele fosso onde tudo se mistura e para avançarmos temos de chutar em tanta coisa, passar uma caleira que apara a água da chuva, pedras, pó, e livros (muitos) em sacos de plástico. Carlos é estranho porque não gosta de mostrar os seus trabalhos. Por isso, não pude pôr os olhos em alguns que admiro por os haver visto em catálogos de antigas exposições. Todavia, mostrou-me uma Mona Lisa que ele está a esculpir em mármore da Carrara de uma graça, minúcia e invenção. Adiou – até porque o Paulo tinha pressa – uma visita mais demorada para outra oportunidade.

         - Logo que cheguei à Brasileira, ouvi de todos: “Estás mais magro! Estás doente?” Olhei-me ao espelho que varre a parede do café até ao fundo, e vi-me como sou, nem magro nem gordo, bem. Todavia, esta manhã ao acordar, pesei-me: 64kg. O meu peso ideal. Sou a elegância em pessoa!... Sim, quando vim de Paris, trazia quase dois quilos a mais. Depois, com o meu regime, fiquei como gosto e saudável. Sou a favor de uma dietética completa.

         - Nos EUA, como é de exemplo, um rapaz de 19 anos que tinha sido expulso de uma a escola na Flórida, voltou para se vingar e matou dezassete colegas. Dito deste modo cru, sinto que normalizo, vulgarizo um crime que passa na enxurrada de violência que hoje habita o mundo. Parece uma daquelas notícias que a TVi adora dar, desembrulha diante dos espectadores e passa adiante com o entusiasmo de um golo de futebol.

         - Em França, uma luso-descendente, foi assassinada por um ex-militar de trinta e poucos anos há dois meses. Ele era o único suspeito, mas a menina ou o corpo não apareciam. Até que a polícia encontra uma pequena mancha de sangue no porta-bagagem do carro do presumível autor. Foi o suficiente para selar as suspeitas e forçar o criminoso a dizer onde escondeu o corpo. Assim aconteceu agora. Contudo, no decorrer das averiguações, descobriram que o sujeito tinha vida dupla: encontraram montes de aliciamentos pela internet a homens e rapazes. Vai daí, andam à procura de saber se uns quantos homossexuais desaparecidos na zona, são obra do energúmeno.

         - Esta manhã, descobri um ser que nunca tinha visto aqui: uma bela codorniz. Não conhecia ao vivo o bicho, e foi preciso chamar a Piedade para o identificar. A Piedade, sabendo que eu gosto da carne destes animais, quis apanhá-la – recusei.