segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Segunda, 26.
Ainda a ida a Alenquer. A vila, desde a última vez que a visitei há muitos anos, transformou-se imenso. Hoje é um lugar vulgar, semeado aqui e acolá dos restos de vestígios aristocráticos, onde o piroso e o armar ao moderno se misturam descaracterizando um lugar em tempos nobre. Toda a radiografia toponímica, vista de qualquer ângulo, assemelha-se à pura anarquia que tece nas ruas e praças uma arquitectura rendida aos chicos-espertos dos construtores e ao dinheiro fácil a escorregar para os bolsos dos autarcas. Edifícios construídos nas falésias e cair para o rio, prédios altos parentes pobres dos arranha-céus americanos, descaracterização da terra berço de Damião de Góis e de outros ilustres republicanos, pelo que me foi dado observar, não passa hoje de um dormitório dos que saem de manhã e regressam à noite depois de oito horas de trabalho em Lisboa. Ao ver no que se está a transfigurar o país, temo pelo que ainda a vem, quando os senhores autarcas tiveram a independência que as suas arrogâncias e interesses reclamam. Um dia destes, vou dar a conhecer aos meus leitores com fotografias, o gosto do actual Presidente de Câmara. É de se lhe tirar o chapéu!

         - Damião de Góis, o ilustríssimo intelectual do século XVI, nomeado embaixador em França, em 1534, amigo e hóspede de Erasmo, em Friburgo, correspondente de Lutero, conhecedor exímio do latim, a língua falada na Europa até aproximadamente ao séc. XVII, que chegou a conhecer Luís Vaz de Camões, empreendeu, inclusive, a tradução do Livro de Eclesiastes, descoberto só no ano 2000, numa universidade de Oxford, e cuja tradução eu li há uns anos com a chancela da Fundação Calouste Gulbenkian, com reprodução fac-símile da edição de 1538, este português que viajou, trabalhou, esteve no centro do vulcão religioso que sacudiu a Europa do seu tempo, foi perseguido pela Santa Inquisição apenas porque quis compreender e dialogar com todos os intervenientes da ruptura religiosa. No Portugal do rei D. João II, intimamente acostado à Igreja, ele foi proscrito e condenado e essa injustiça chegou até ao século XX, se tivermos em conta a falta de interesse do Estado Novo na sua obra humanista e no seu amor a Portugal. Todavia, Damião de Góis, não era pessoa de renunciar às suas ideias, homem íntegro e honesto, em todos os postos que ocupou em Antuérpia ou Pádua, outros mais, apesar do isolamento de Portugal e do mar imenso a interpor-se entre a Península Ibérica e os grandes centros universitários e de pensamento, manteve sempre o espírito lúcido e aguentou o seu destino de livre-pensador até à morte. Morte misteriosa que ainda hoje não se sabe como aconteceu. Provavelmente algum fanático a mando da Inquisição, encarregou-se de o eliminar. Curiosamente ou talvez não, o museu com o seu nome, onde ele repousou por algum tempo, que havia sido lugar de culto religioso de vários povos – árabes,  romanos, celtas... – mesquita ou templo católico, vezes sem conta destruído outras tantas reconstruído, reergue-se hoje para testemunhar a sua obra e o seu nome. É esse espírito, essa atmosfera densa onde as ideias se travessam na mente do visitante, que eu vivi. Aconselho vivamente aos meus leitores uma visita.


         - O esforço das Nações Unidas na suspensão da guerra na Síria, durou escassas horas. O conflito recomeçou e em pouco tempo morreram dezenas de crianças e adultos. Parece que na origem desta tragédia, está o facto de a Organização não ter fixado o dia e a hora da sua suspensão. Ao que chegámos!