terça-feira, fevereiro 27, 2018

Terça, 27.
O frio voltou. Toda a Europa está com temperaturas negativas de vários dígitos. O número de sem-abrigos mortos com frio, aumentou. Para nós, nas tintas para o arrefecimento, o que nos interessa é a chuva que os técnicos preveem se mantenha até à próxima semana e com abundância. Mesmo assim, depois de quinze dias sem acender as lareiras, ontem outro remédio não tive que o fazer. Hoje, não obstante o clima, fui fazer uma hora de natação.

         - Damião de Góis. Ontem, ao serão, voltei a pensar nele e decidi reler a sua tradução do Eclesiastes. Foi, de facto, uma figura quinhentista marcante, politicamente falando cheio de nuances no relacionamento, por exemplo, com D. Manuel. Não foi pessoa de se inclinar, cedendo nos seus princípios, nem aproveitando-se da sua posição privilegiada. Estando no centro da Europa, numa altura terrível de intolerância, acompanhou a cisão na Igreja, a execução de Thomas More, a morte de Erasmo, entrando nas discussões acaloradas da exegese bíblica, mas sempre com o seu nobre pendor de compreender, estudar, dialogar. De regresso a Portugal, o cardeal D. Henrique, que durante anos o defendeu, cedendo às intrigas bárbaras de Simão Rodrigues que o denunciou por suspeita de luteranismo, entrega-o às masmorras da Santa Inquisição que de “santa” nada tinha, acusando-o de traidor, herege e estando do lado das ideias do Renascentismo que progredia por todo o lado. Sem liberdade, doente, cansado, obrigam-no a abjurar como se alguma vez tivesse traído a fé, afastado Deus do seu caminho. Deixa as celas do Convento de Santa Maria da Vitória, na Batalha, e regressa a casa, em Alenquer, um farrapo. Morre em condições misteriosas. Este Eclesiastes traz na sua versão original uma outra tradução, De Senectude de Cícero. Ter-se interessado por Cícero é de si o melhor cartão de visita da sua identidade.

         - É por isso que eu recomendo uma visita à sua terra natal. Na igreja-museu que a autarquia recuperou para os estudiosos da sua personalidade e obra, existe um auditório, no primeiro piso, com um ciclorama, que passa o programa que o meu vizinho, José Hermano Saraiva lhe dedicou e é um testemunho muito interessante da personalidade do grande humanista. Suba as escadas um pouco íngremes de acesso porque vale a pena.  Palavra de coxinho, coitadinho, que lá acima foi.


         - Chuva abundante, graças a Deus! Todo o dia o hino Te Deum, bateu nas minhas janelas enquanto trabalhava, de manhã, no Juiz Apostolatos, à tarde na leitura final do terceiro volume da Bíblia, tradução de Frederico Lourenço, a quem eu de joelhos agradeço.