segunda-feira, novembro 30, 2020

Segunda, 30.

Ouço uns e outros, donos de restaurantes em França e os nossos e constato a diferença. Enquanto os primeiros dizem que o Governo os ajuda no fecho dos estabelecimentos com 10 mil euros mês; os de cá falam em 20, 30 euros mês!  Por isso, eles estão há três dias em greve de fome diante da Assembleia Nacional. Somos pobres diz o ministro, mas ricos para sustentar bancos, companhias de aviação, associações de tudo e mais alguma coisa, as PPP e todos os oportunistas que se espalham pelo tecido empresarial dependente de subsídios e esmolas do Estado. 

         - Respigo da entrevista do neurocientista António Damásio ao Público de ontem: “Era a religião que nos dava a direcção daquilo que é ser bom e decente como ser humano em relação aos outros e ao mundo. A ciência não é, de forma alguma, oposta à religião, é uma nova forma de caminhar no sentido daquilo que as melhores religiões puderam trazer ao ser humano.” Estas palavras endereço-as aos novos médicos e enfermeiros que, segundo a filha do João que acaba de regressar a casa depois de quase um mês ligada à máquina no Santa Maria, referem a vida humana como qualquer coisa que está abaixo do seu dia-a-dia de funcionários que trabalham na saúde – a ontologia e a humanização da medicina não lhes diz respeito. 


domingo, novembro 29, 2020

Domingo, 29.

O mercado financeiro está sempre a magicar o modo de nos fintar. Esta é recente. Tendo ido à cgd verifiquei que as máquinas tinham sido mudadas assemelhando-se às típicas distribuidoras de dinheiro. Surpreendido, fui obter esclarecimentos. A funcionária elucidou-me que agora podemos depositar dinheiro vivo nestas modernas, mas com um pormenor: o montante não estará disponível de imediato. Pus-me logo a magicar: então se aquilo é a mesma operação de quando escrevo no computador e ponho online o texto, os meus leitores têm acesso de imediato à sua leitura. Depois matutei: imaginem quantos milhares a SIBS não ganha em suster por horas aquilo que não lhe pertence. E se aplicar os montantes nem que seja por um dia num qualquer paraíso fiscal, quanto não lucrará! O Banco de Portugal decerto ainda não deu por isso...

         - A actual TAP, dirigida pelo ministro que bate todos os records de arrogância e prepotência, socialista bem entendido, está a fazer aquilo que condenou e impediu inicialmente aos privados donos da companhia. Vejamos as perspectivas já anunciadas e algumas praticadas: despedimento de 500 comandantes e co-pilotos, redução de salário em 25 por cento, 3000 postos de trabalho em causa, 750 indivíduos do pessoal de terra despedidos. Esta excelente obra não impede que nós os contribuintes que pagamos para o delírio e importância do ministro, ganhemos alguma coisa com o negócio - pelo contrário, continuamos a pagar impostos com língua de fora. 

          - Gás lacrimogénio contra manifestantes, em Paris, que incendiaram carros e equipamentos públicos em confronto directo com a Polícia. A raiz destes tremendos tumultos, está na “lei de segurança global” que proíbe, privados e jornalistas, de filmar as acções da Polícia nas ruas. Acontece que de véspera, foi divulgado um vídeo de uma barbárie inaceitável, na pessoa de um produtor musical. Na sequência, a Praça da Bastilha encheu-se de um mar de gente irada. A obra do ministro do Interior, um tipo com várias acusações de abuso de mulheres, vai ter que ser posta de lado. 

         - Frases que marcam o dia:

          A graça do João quando me telefonou para casa: “Julguei que estavas no Congresso do PCP.” 

          “Cristo acontece no nosso acontecer quotidiano.” Frei Bento Domingues, Público.

          “Morre-se de uma forma muito dura hoje em qualquer sítio em que se esteja com a covid-19 nas mãos.” Filipe Almeida, presidente da Comissão de Ética do Hospital de S. João numa extraordinária entrevista ao Público. Li-a de emoção e aconselho a sua leitura aos meus leitores.  

          “A espinha espetada na garganta do grande capital” – linguagem de João Oliveira, em pleno séc. XXI, no Congresso do PCP. Ou esta do mesmo senhor, no mesmo congresso, no mesmo século: “Ficará para a história a reposição de direitos que se julgavam perdidos e conquista de outros que não se esperavam conquistar.”

         - Choveu todo o dia. Ontem, antes de me deitar, pus um taralhouco na lareira que durou toda a noite e parte da manhã. O quarto cujo calor subiu pela chaminé saindo pela grelha, manteve-se aconchegante. Li Green (pág. 340), S, Paulo. Francis telefonou-me demorando-se a contar as aventuras homo entre Winston Churchill e o compositor Benjamim Britem que eu conhecia. Oscar Wilde sofreu por causa do pusilânime político que nunca saiu abertamente do armário. 


sábado, novembro 28, 2020

Sábado, 28.

O Público deixou de fornecer informação e passou a oferecer opinião. É a nova directiva dos meios de comunicação social por uma razão simples: os jornalistas querem impor a sua opinião em desprimor da notícia tout court. Portanto, a salgalhada e a peixeirada entre articulistas baralha o leitor que apenas quer saber o que na realidade se passa no mundo, dispensando a opinião que a ele pertence. Exemplo: o confronto ideológico entre o capelão da esquerda, Rui Tavares e o porta-bandeira dos liberais, João Miguel Tavares.  

         - António Costa, sentindo o poder a desvanecer-se, saiu-se com esta: “Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade.” Logo o arcebispo respondeu do púlpito da capela de Belém: a ideia de não vacinar os velhos com mais de 75 anos “é tonta”. Mas a última opinião vem do director adjunto no editorial do Público, portanto alguém com responsabilidades: “A decisão de administrar em segurança ou não (sublinho “ou não”) uma vacina a pessoas com mais de 75 anos, não deve ser tomada em São Bento ou em Belém.” No artigo pateta o editorialista remete para a equipa de cientistas a decisão de matar ou deixar viver os anciãos. E os leitores do jornal, que pensarão eles de tanta balbúrdia? A nível ideológico, o diário parece uma capoeira onde todos cantam de poleiro. 

         - Por esta altura chegava a casa vindo de Paris. Tal não aconteceu este ano e devido às saudades que sinto dos lugares que me são queridos, viajo pela internet visitando catedrais, avenidas, bairros históricos, museus... Só este ano tenho consciência do privilégio que a amizade com a Annie me permitiu, uma vez que longe da cidade e dos amigos vivo o bulício dos dias atravessando virtualmente os sítios do meu encantamento. 

         - Dia sinistro que perdoa em grande parte o confinamento e até o reforça. A Teresa Magalhães com que estive ao telefone, disse-me que o Chiado visto das suas janelas é um sepulcro, com a Brasileira fechada e as moscas molhadas a passear por todo o lado. Escrevo estas linhas em frente o lume no salão, o computador sobre os joelhos, o ruído da chuva por companhia. 


sexta-feira, novembro 27, 2020

Sexta, 27.

Um diário este e qualquer outro que verdadeiramente o seja, regista o impulso, a indignação, a revolta com o fígado, o coração, a mente, a força da escrita, correndo o seu autor o risco de se enganar, por vezes maltratar, cometer enganos e passageiras verdades. Esse é o mais sério documento que empresta à realidade quotidiana o cunho que assinala o acontecimento, incorporando as personagens que lhe deram corpo, numa determinada época. 

         Assim, nestes tempos de pandemia, com o sofrimento a espalhar-se, muitas vidas à mercê de um sopro, milhares abandonados à sua sorte, um país baralhado, com uma governação desorientada, não é de política que precisamos, mas sim de um Governo sólido, coeso, competente, seguro. E o que temos? Um conjunto de gente atarantada, mentindo e desmentindo-se muitas vezes num só dia, cada um ocupado em parecer o boneco do ecrã de televisão, que entretém e não faz mal, como aqueles bacocos dos apresentadores que enchem as vidas vazias de milhares de espectadores com a aridez das suas próprias existências. Vem isto a tona do que escrevi ontem sobre as vacinas. Logo hoje, um coro de revolta varreu Portugal de norte a sul, de este a oeste. Felizmente que ainda há uma parte dos meus concidadãos com eles no sítio. De contrário aquela comissão de peritos (notem, PERITOS) nomeada pela DGS (registem Direcção Geral de Saúde) para coordenar a vacinação, preconiza a não protecção de pessoas com mais de 75 anos, elas que têm sofrido e foram humilhadas na merdelhice de lares onde passam o pior e mais degradante final das suas vidas. Invocam os sábios de aviário, que ainda “não há evidência suficiente sobre a eficácia da vacina neste grupo etário”. Então o melhor é continuar a deixá-los morrer, a descartá-los das obrigações que o Estado deve ter para com todos, sem discriminar ninguém. Esta comissão é um punhado de criminosos que de certeza não matará o prof. Marcelo, sua excelência o senhor professor, doutor presidente Cavaco Silva, nem outros quejandos que passaram largamente a idade que eles estabeleceram para acabar com eles. Se houvesse mais respeito e dignidade pelos cidadãos, este Governo faria como na Alemanha, França, até Espanha países civilizados que tem em conta o conjunto da nação e não a prepotência do poder socialista ou outro. E ainda a procissão vai no adro... E lembra-me eu que o Parlamento habilitar o país da lei da eutanásia! Não é preciso, não se macem, senhores! Ordenem a matança em final de utilidade do produto e antes de carregar a despesa pública. 

         - Está a decorrer, contra todas as indicações sanitárias, o Congresso do PCP. Os partidos estão antes das pessoas, dos cidadãos. No caso do PCP não sei se já notaram no país que é o seu – o dos “trabalhadores e o povo”. 

         - Ontem fui ao dentista. Passei, portanto, o dia em Lisboa. Almocei no Corte Inglês estando perto do consultório. É lugar onde não espero pôr os pés tão cedo. As multidões que por lá andam a “achatar a curva” não se recomendam. Tempo cinzento. Piedade despejou as mágoas e pareceu-me melhor quando a acompanhei ao portão. Tenho a lareira do salão acesa. O retiro forçado começa esta madrugada e só é levantado 2 de Dezembro. Rezemos ao Senhor pelos nossos empenhados governantes na causa pública. Fartam-se de trabalhar sem tempo para pensar neles e nos seus interesses familiares e partidários, os pobres, os pobrezitos! 


quarta-feira, novembro 25, 2020

Quarta, 25.

Todos os países da Europa têm já montados esquemas de vacinação contra o SARS-COV-2. A França, apesar do seu presidente, está a trabalhar, inclusive, para acudir àqueles que foram atingidos pela Covid-19 e vão precisar de cuidados especiais para recuperar das sequelas do vírus. Nós, como somos um grande país, governado por cérebros iluminados pela Providência, com milhões de seres arrumados num vasto espaço territorial, estamos ainda a montar uma organização que os nossos governantes afiançam vir a ser a melhor do mundo como, de resto, tem acontecido com a vacina da gripe. Há até um punhado de patrióticos portugueses que pensam inscrever o plano do governo no Guiness. 

         - “Não acredito nas improvisações dos nossos cabotinos filósofos e literários. Poetas e professores são todos uma cambada de comediantes. Não se pode dizer que o público seja comido por parvo, pois é ele que os incentiva com o seu aplauso, e quanto aos nossos oradores políticos, as suas almas são tão pouco dotadas de enlevo e de poesia que os respectivos discursos não passam de declamações mais ou menos articuladas.” George Sand, Diário Íntimo, pág. 133, ed. Antígona. 

         - Não pus a cabeça fora de porta. Dia de chuva, sorumbático. Trabalhei no meu livro com pausa demorada a certa altura para encontrar a palavra exacta; fecho e abro dicionários por uma boa meia hora. Tempo imóvel. Sentimento profundo que Terra e Céu se juntam enfim como batalhou S. Paulo, justamente, para mim um mistério (ou ignorância). Como pôde ele saber tanto sobre o NT quando este só começou a ser impresso 50 anos mais ou menos após a morte de Jesus Cristo. Um dos irmãos do Nazareno, Tiago,  divulgou a palavra do Senhor com ele, Saulo de Tarso, e nem sempre em boa sintonia. Desacordos vários levaram-nos a afastar-se. Tenho a lareira acesa na cozinha. Vou tomar um duche. 


terça-feira, novembro 24, 2020

Terça, 24.

Portugal governado por ignorantes e gente pouco escrupulosa dá nisto: até aqui o melhor serviço que poderíamos prestar ao controlo dos gazes de estufa, era mudarmos para veículos híbridos ou eléctricos. Pois bem. Dizem-nos agora que nada disso devemos fazer, porque estes veículos (os híbridos) poluem mais que os que nos têm servido até agora. Entretanto, os gananciosos lamberam-se de gozo. 

         - Eu nem sempre aprecio o colonista João Miguel Tavares. Mas há uma coisa que considero nele: o seu inconformismo, a diferença de pensamento, o cortar a eito. O oposto do capelão da esquerda, Rui Tavares. Acerca do Chega, J.M.T. diz hoje no Público aquilo que eu diversas vezes escrevo aqui. Respigo o último parágrafo: “Lamento muito: desde que o Chega cumpra as regras do jogo democrático, não há fascismo nem `anticolaboracionismo´ que nos valha. Temos de levar com ele e lidar com o seu peso eleitoral. Até porque, ao contrário do que diz Rui Tavares, não foi o Chega que ´trouxe consequências funestas para a democracia portuguesa´. Foi o estado funesto da democracia portuguesa que teve o Chega como triste consequência.” Interessante e oportuna a farpa que J.M.T. enfia no cogote de Rui Tavares, quando este num artigo fazia a diferença entre direita “colaboracionista” e “anticolaboracionista”. Resposta de João Miguel Tavares no mesmo artigo: “À primeira das direitas Rui Tavares aconselha a formar um novo partido e a fragmentar ainda mais o espectro partidário (uma excelente ideia, como o próprio já comprovou). (Referia-se ao partido Livre que desapareceu.) Toma e embrulha. Porque este senhor capelão da esquerda, é versado em saber democrático, provavelmente professor, mas uma coisa é a teoria, outra bem concreta é a prática. Rui Tavares é o protótipo de uma certa esquerda caviar e champanhe, olha para o que eu digo e não para o que eu faço. É resquício do antigamente, quando ser do MDP/CDE e PCP era chique. 

         - Atenção: eu também militei no MDP/CDE até porque tinha por colegas de trabalho Tengarrinha, Urbano, Costa, Alexandre Cabral e tantos outros. A questão não é essa; do que não gosto é vê-los hoje a defender aquilo que condenaram antes, abrigando-se debaixo do chapéu do partido. Muitos dos dramas sociais e humanos 50 anos depois do 25 de Abril persistem, mas como estamos em democracia são tolerados e até ignorados. Criou-se uma classe política, na sua grande maioria bebendo na oposição de então, que pretende anular os princípios que vieram do regime anterior e que este não conseguiu solucionar, como se ao abrigo da democracia pudesse haver pobres, explorados, corruptos, ladrões e toda essa arraia miúda que vegeta como então nos meios de comunicação e decisão. 

         - O desplante e a embriaguez de certos “editores”, não tem limites. Pois aquele que me havia contactado para entrar numa coletânea, insiste com novo mail que, como o anterior, não terá resposta. Não resisto, contudo, a transcrever o derradeiro parágrafo, para se ver até que ponto vai o delírio e a imbecilidade deste “editor”: “Aos autores não será exigida nem oferecida contra partida para a participação na obra, não serão igualmente ofertados exemplares da mesma.” Pergunta-se quem poderá aceitar trabalhar nestas condições? Eu respondo: aquelas e aqueles que têm a escrita como factor de vaidade, importância e um ego demasiado elevado. É para esses e com esses que a empresa ganha milhares, engando os incautos e ambiciosos “escritores”. 

         - Em carta para Murry datada de 15 de Maio de 1915, Mansfield perguntava “Quem será o responsável de sermos uns isolados, de não sabermos viver realmente e de termos a mania de que tudo quanto não seja ler nem escrever é mera perda de tempo?”

         - Fui dar um passeio pela Luísa Todi esta manhã com entrada no Livramento. Pelo que vi – homens a escarrar para o chão, gente sem máscara, ajuntamentos – não admira que a cidade esteja entre as mais atingidas pelo coronavírus. Depois comprei o Público e sentei-me numa esplanada afrancesada a lê-lo. Manhã serena, sol fraco, nuvens ao longe. De volta a casa, leituras e três horas de escrita intervaladas por três carros dos ramos das oliveiras para queimar. O romance está numa fase que me inquieta - a escrita parece galopar sobre a folha do computador. Comprei o último romance de Francisco José Viegas, A Luz de Pequim. É um escritor de que gosto sobremaneira. Devemo-nos ter cruzado no Diário de Lisboa. 203 páginas tem este blogue. Não tarda, chove. 


segunda-feira, novembro 23, 2020

 

Segunda, 23. 

Madrid desceu fundo no desespero devido aos senhores governantes que olharam para o seu umbigo em vez de tratarem dos madrilenos. Assim, este domingo abriu El Rastro.  É um lugar que eu conheço bem e se estivesse na capital espanhola, confesso que não me habilitaria a percorrê-lo agora. 

         - Não devemos confiar muito nas tecnologias, mormente nessas que falam por nós ou perseguem cada um dos nossos passos. O meu iphone é pantomineiro, fantasista e pouco credível. Apanhei-o, sexta-feira, a misturar alhos com bugalhos. Tudo o que ele registou sobre a minha estada em Lisboa, é falso. Eu não andei a penates 9 quilómetros, não subi 7 pisos, não dei 8423 passos. Essa maratona só no seu cérebro virtual, porque o surpreendi a contar as idas de comboio e metro como caminhadas ou corridas quando na realidade não fiz – de resto, os coxinhos, coitadinhos não são maratonistas. 

         - A propósito. As leis que a DGS ou da Mobilidade vá-se-lá-saber criaram para defender as grávidas, os velhos e os deficientes, são uma aberração. Ninguém nos comboios as respeita, obrigando os prioritários a lutas verbais e até corpo a corpo com os mentecaptos que não observam os seus direitos. Seguranças não há de modo que a anarquia e o salve-se quem puder é medonha. Somos um país de funcionários públicos, mas todos a pensar leis e procedimentos parecem abéculas entontecidas com o enorme esforço que lhes pede o seu cérebro pirralho. A pandemia trouxe-nos mais esta descoberta e colocou no lugar das normas antigamente mais acertadas como, por exemplo, nos supermercados e espaços públicos, as actuais só levantam humilhação e canseira àqueles que as dispensariam. Os coxinhos, coitadinhos, deviam ser ouvidos em matéria política que lhes diz respeito – são os mais equilibrados dos desequilibrados.

         - O espectáculo dos manos Black a saltar para caçar as borboletas vistosas que levantavam da erva! Dia lindíssimo, puro, luminoso. Estive a ler no terraço ao sol, com a serena paisagem onde repousava o olhar de tempos a tempos. Comecei a aparar a relva na parte sul da casa. Aparei duas oliveiras. Fiz outros pequenos trabalhos dispersos. São 16,25. Não deixei este espaço em todo o dia. Por aí andam milhares de portugueses a trabalhar para “achatar a curva”, mas a malvada em vez de reduzir a marreca, aumenta de volume, cresce em altura e deita a língua de fora, venenosa. 

domingo, novembro 22, 2020

Domingo, 22.

O desnorte em que vivemos, nos fluxos de ordens, decretos, esquemas, muita parra e pouca uva, hesitações, para a frente e para trás que chega de S. Bento filtrados por Belém, traduz todo um esquema invulgar que desorientação, revolta, conducente ao contraditório pela maior parte da população. Quer-me parecer que o que nos impingem não são factos científicos, números correctos, são diabruras políticas. António Costa, forçado a pôr de lado a magia, perdeu as qualidades de que era mestre. Ainda aplica, aqui e ali, os seus laivos de prestidigitação, mas já não convence, a plateia já não aplaude, o espectáculo terminou. Eu, depois de ter visto sacos com mortos no chão dos corredores nos hospitais, ao lado de pacientes em camas, perdi de toda a confiança na eficácia de um governo que não soube preparar a segunda vaga do coronavírus. No Verão desmontaram as tendas de campanha, Costa tirou 15 dias de férias, com ele outros dirigentes, as normas de higiene levantadas, um sopro de irresponsabilidade varreu o SNS, o mundo ia voltar às sopas quentes do turismo em massa, onde Costa apostou todas as moedas que tinha no bolso. Portugal estava rico, a indústria, embora minoritária, florescente, o país havia entrado na era Costa do progresso e da afirmação internacional, muitos portugueses de eleição e inteligência acima da média, ocupavam cargos importantes por essa Europa da UE fora. Para que tudo parece-se o que não era, cobriu-se com uma manta de plástico preta, os dois milhões e meio de pobres, a miséria do SNS, do ensino, as prisões encheram-se devido à justiça democrática mais violenta que a fascista, os velhos apodreciam nos lares, as crianças eram abandonadas à sua sorte, o PIB não diminuía a dívida que esteve sempre pelos 120%. O que na realidade interessava era a aparência, era a palração que adormece, entontece, abnega. A Coravid-19 veio mostrar o Portugal próspero que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa nos venderam durante quatro longos anos tocados a selfies e sermões da montanha, as assimetrias nunca foram tão revoltantes, as associações usurpadoras dos bens públicos instalaram-se às dezenas, a corrupção cresceu despudoradamente, vive-se à conta do que vem de fora, como no séc. XVIII, como no século passado, como ontem. E todavia, os ricos aumentaram, a classe política também, o sub-mundo infestante, como teia medonha, estendeu os seus tentáculos por todo o lado, a administração pública é ordinária e ineficiente, o povo não caminha, vagueia. A informação foi ocupada por funcionários às ordens dos chefes e dos interesses financeiros, a televisão tomou o lugar dos encarregados de educação, é ela que orienta o interesse público, instrui o idiota, alcandora o inútil, louva o ignorante. A inteligência , a sabedoria, a sagesse, o equilíbrio foram sugados pelo poder do dinheiro, do futebol, do sexo vendido a preço de saldo na internet, deuses de um mundo em decadência onde não dá gozo nem encanto viver. A impressão que tenho ouvindo Dupond & Dupont, não é o coronavírus nem o sofrimento e morte que ele provoca o mais importante, mas o distúrbio que ele provoca na economia e no SNS.  Foi a obsessão pelo riqueza que fez com que estejamos nas condições que ninguém aprova quando os aeroportos e fronteiras continuam abertos a todo o mundo, as férias de emigrantes, o laxismo autárquico, o desleixo da juventude egocêntrica, a ignorância das pessoas nos transportes, nos recintos fechados, os centros comerciais a funcionar em pleno, etc. etc. Nesta segunda vaga foi dada a prioridade à economia e o resultado não podia ser pior. Presidente da República e primeiro-ministro são os responsáveis e julgo que ambos vão ser condenados no momento próprio. A ambos, ouvindo-os ditar leis e repressões, identificamos no tom o refinamento a caminho de uma pequena ditadura democrática.

         - Costa está nas mãos do PCP, não pode proibir o congresso do partido, mas pode reduzir oito milhões de portugueses a confinamento. O PCP por seu lado, quer mostrar a força que o Chega (ainda) não possui, mas com a publicidade que todos os partidos lhe fazem, não tarda a comandar as tropas da esquerda dispostas no outro extremo. Os partidos passam à frente dos cidadãos, estes amocham enquanto aqueles são intocáveis. Aos partidos permite-se tudo, aos cidadãos quase nada. Pergunta-se quem fez a lei que todas estas arbitrariedades permite? O João costuma dizer que a política está em todo o lado; eu contraponho por isso a cultura não está em lado nenhum. 

         - De contrário observemos. Com o actual primeiro-ministro a política apalpa-se primeiro, nunca nada é claro, diversas janelas ficam abertas por onde se podem sumir uns quantos e só no limite ela se torna objectiva. Só compelido, ameaçado, Costa avança. Note-se neste pormenor. O Natal está por todo o lado, não digo anulado, mas impedido, suspenso. A própria Igreja vai cancelar a Missa do Galo, mas o governo adia a decisão de confinar na quadra natalícia por medo de perder votos. Não tem coragem de dizer com tempo o que se propõe fazer. Está entalado entre o seu peso político futuro e a governação pragmática que detesta.   

         - Macron e a liberdade de expressão. Paris encheu-se num protesto de rua de jornalistas e homens da informação contra um novo projecto de lei de Segurança, que atenta contra a liberdade de expressão. As manifestações deram em confrontos directos com as forças da ordem. Ninguém admite “seja proibido filmar membros das forças de segurança com intenção de prejudicar a sua integridade física ou mental” como diz o projecto, entendido pelos homens da informação como atentado à liberdade de imprensa e aos direitos individuais. Com quem se mete Chou Chou! 

         - Ontem, desmotivado para o trabalho, depois da ida ao mercado dos pequenos agricultores, ocupei-me em fazer dois pratos para arquivo no congelador. Embalado fiz meia dúzia de scones com coco que não saíram muito bem. Deve ter sido maldição dos ingleses por ter desvirtuado o acompanhamento do seu querido tea. Bref. A Blacka subiu ao telhado e, assustada, não sabia como de lá sair. Tive que montar sobre um escadote para lhe dar ajuda. Quando se viu nos meus braços, respirou de alívio e provavelmente deve ter dito para o seu pêlo: “Este tipo não serve só para me dar de comer contrariamente ao que eu supunha.” O tempo refrescou, o sol guarda-se na linha do horizonte, um véu de tristeza desce com a noite, silêncio e inquietude. 


sexta-feira, novembro 20, 2020

Sexta, 20.
Passei na Brasileira e tomei café com a malta. Sobretudo fui lá para dar coragem ao António que vai fazer duas operações segunda-feira e tem a fobia das doenças. O pobre anda tão nervoso que sente tudo – o que tem e o que nunca teve. Depois estive no C. I. a liquidar a conta do mês. A loja estava cheia de gente a “achatar a curva”; a multidão era tal, que a curva não só achatou, como ficou uma linha ridícula a questionar “que é isso da Covid-19”. 

         - Li as primeiras 40 páginas do espesso livro de seiscentas que constitui o Diário-Cartas de Mansfield. Trata-se de uma edição publicada pela Portugália, com prefácio de João Gaspar Simões e tradução de Manuela Pôrto que eu comprei num antiquário há uma data de anos. Fui pondo-o de parte. Quando arrumava a biblioteca, pensava iniciar a sua leitura – sempre protelada. Apesar das muitas referências da dama de Bloomsbury nem sempre amigáveis, observei que havia ali uma certa rivalidade entre as duas e isso atraía-me. Verifico agora - conhecendo sobremaneira Virginia Woolf -, que o confronto artístico e pessoal entre elas era o de duas titãs. 

quinta-feira, novembro 19, 2020

Quinta, 19.

A mim quer-me parecer que a avalanche de informação sobre as vacinas contra o Sars-Cov-2, não passa de uma forma de os laboratórios ganharem dinheiro. Uma simples hipótese, uma notícia balbuciada, logo as acções sobem 10 por cento em Bolsa. Até com a desgraça ou antes com a infelicidade de milhões, uns quantos fazem fortuna. Que mundo!  

         - “Com 3,5 camas por mil habitantes, Portugal está abaixo da média dos 27 países da União Europeia (UE), que é de cinco camas, e no 23.º lugar num conjunto de 32 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) analisados no relatório Health at a Glance 2020 que aquela organização publica todos os anos.” Transcrevo do Público para dizer que esta notícia contradiz tudo o que Costa nos tem vindo a impingir.

         - A esquerda que faz a hegemonia do pensamento nacional como outrora outros prenderam o país a doutrinas totalitárias, tem na informação um excelente aliado. Um enorme arrastão de entendidos pôs de parte Joe Biden (como fizeram no primeiro mandato a Obama), para dar a sua preferência a Kamala Harris. Não se sabe que pode a senhora vice-presidente fazer de mais sábio e com melhores conhecimentos que o vencedor das eleições americanas, mas já labutam e no íntimo até desejam, que Biden não chegue ao fim do mandato.

         - Anteontem no Corte Inglês quis comprar bolo rainha. Sou atendido por um rapaz enorme, alto, largo de ombros, uma bubela na testa, ar imponente. Olho o produto e vacilo devido ao muito açúcar. Pergunto se foi feito ali e ele diz-me que não, foi na Estrada da Falagueira. “Oh, já fui muito feliz na Falagueira!” O rapaz, de súbito, quase dança na minha frente, a voz vira falsete, os gestos femininos e num brasileiro redondo e cantante, replicou: “Não me diga! Cruzes, não posso!” a mão posta delicadamente no peito. Eclipsei-me. 

         - Ataquei o relvado em volta da piscina. A primeira meia hora foi gasta a tentar pôr a trabalhar a tondeuse; hora e meia a aparar a relva. Não quero que o recinto se transforme em mato como tem acontecido em anos precedentes. De tarde, precipitei-me para o romance: 93 linhas, nada mau. Tempo outonal, sol e nuvens altas. Leituras; Green e S. Paulo (Cartas aos Romanos). Estou a pensar em ler o Diário de Catherine Mansfield pelo que dela disse a amiga Virginia Woolf e recentemente George Sand nas páginas do seu Diário Íntimo. 


terça-feira, novembro 17, 2020

Terça, 17.

Eu ando a tentar perceber o que leva o Chega a impor-se tão rapidamente. Por isso, ontem, não sendo cliente da TVi e do menino Miguel (foi a primeira vez que o vi naquele canal), fiquei a assistir à entrevista que este fez a André Ventura. Sousa Tavares é um homem formatado à moda do antigamente, quero dizer olha para o que eu digo e não para o que eu faço ou sou. Daí que o gestor do Chega reduziu-o à sua insignificância, com argumentos absolutamente bem pensados, que têm o mérito de abalar as estruturas instaladas, convencionadas nas franjas da esquerda, mas que na prática, ao fim de 50 anos de democracia, nada fizeram para alterar o que emperra o progresso social e só alimentam a bazófia duma classe de privilegiados. Sê prudente, rapaz. Uma coisa é o que se diz, outra o que se faz. 

         - Já agora, porque vem a talho de foice, cito Manuel Hipólito Almeida dos Santos, Presidente da Ordem Vicentina de Auxílio aos Reclusos: “Não sou apologista do regime derrubado com o 25 de Abril. Mas, nessa altura, havia três mil presos em Portugal, hoje temos 12 mil – como é que num regime democrático se pode justificar?” e acrescenta: “Houve um crescendo de um modelo repressivo, de intolerância, que é inaceitável.” São estas as verdadeira questões que a esquerda foge a responder, preferindo a propaganda como disfarce à incompetência e aos factores ideológicos desajustados à realidade ou aproveitados por ela. Apetece-me recordar à esquerda o que dizia Bergson: a consciência é memória. 

         - Uma pergunta inocente: por que razão estão a morrer mais doentes com coronavírus em Portugal relativamente a outros países da Europa? 

          - A lata, a falta de vergonha, de um editor em me convidar, gratuitamente, a colaborar numa antologia. É  o mesmo editor que me endeusou e logo me deixou cair porque me recusei a dar-lhe 2 mil euros. 


segunda-feira, novembro 16, 2020

Segunda, 16. 

O encontro entre Semyon e Natacha que ontem trabalhei, quer-me parecer que é demasiado romanesco. Vou ter que o repensar e não acreditar na facilidade que agora se instalou fazendo correr a narrativa sem esforço. O romance começou incerto, titubeante, muito difícil, construído palavra a palavra, numa lentidão que me esmagava. Gide dizia: C´est l´orsqu´un livre commence a aller seul que le moment est dangereux. Tem razão. Que eu me lembre sempre destas lúcidas palavras. 

         - As pessoas morrem duplamente em pleno telejornal, diariamente. A televisão transforma a vida e a morte num episódio de telenovela, numa banalidade. Nós vemos aquele olé olé a despachar notícias dos que nos deixaram vitimados pelo coronavírus como se eles fossem ao fundo da vida e voltassem no dia seguinte. 

         - Almocei na esplanada do Corte Inglês com a Alzira. Ela sempre teve propensão para a desgraçada, mas a Covid-19 deixou-a numa depressão complicada. Falámos muito e duma forma franca pelo que, quando nos despedimos, ela disse-me que lhe tinha feito bem o nosso encontro. Antes tinha passado na Brasileira onde encontrei a Teresa e o António. Este, se habitualmente vive no sufoco das doenças, agora que está na véspera de ser operado, não há quem o acalme. Castilho, o homem das massas, quer-lhe comprar um quadro, mas exige que seja assinado. Homem de negócios não dorme em serviço. 

         - Esta coisa chamada iphone, pretende tomar conta de mim e até dos meus passos. Descobri há pouco tempo que, andando com o telefone no bolso, ele conta e espia as minhas horas e minutos. Por exemplo, a estada em Lisboa, anotou que eu andei 4 km., dei 5146 passos, subi 5 pisos e num gráfico esclarece: “A sua distância a andar e a correr é superior à de um dia normal.” Toma e embrulha.   

         - O Público mudou de roupa e esta que agora traja, é muito bonita. O número de hoje está sublime não só de aspecto como de conteúdo. Tempo de chumbo, nem frio nem chuva. Os manos Black estavam ao portão à minha espera. 


domingo, novembro 15, 2020

Domingo, 15.

A esmola que o Mágico deu aos empresários da restauração define bem a natureza do seu governo. Ele sempre governou nas margens de qualquer coisa que não chega a ser, mas que a propaganda acrescenta valor. Evidentemente, os donos dos restaurantes têm plena razão para se indignar com a penúria e sovinice que lhe oferecem. Calcular os míseros 20% de ajudas pela média do que facturaram este ano de confinamentos e pandemia, é tomá-los por idiotas. Os médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, heróis até mais não, passam por cálculos semelhantes. Se fossem banqueiros, donos de grandes companhias, deputados ou gestores bancários, o dinheiro era-lhes lançado aos pés como tapete de glória e reconhecimento. Mas pronto, somos governados pelos ditos socialistas e isso explica o inexplicável. 

         - O Sindicato dos Jornalistas insurgiu-se contra os manifestantes que correram com eles da manifestação. Fez mal. Primeiro, porque aquilo não são jornalistas, são empregados que fazem o que lhes mandam; segundo, eu que por lá passei, aprendi a dar a informação e não a meter buchas políticas ou criticas da minha autoria. Eu vi uma menina “jornalista” a contra-argumentar com o seu entrevistado. 

         - Marcelo afunda-se com Costa na medida em que tem de pagar o empenho do primeiro-ministro na sua reeleição.  

         - Estou que não posso de contentamento. Ao ponto de ter telefonado aos meus amigos franceses que gostam de futebol a dar-lhes os parabéns por terem ganhado à nossa selecção, perdendo esta a possibilidade de seguir em frente. O que Portugal conquistou! O Planeta agradece pela baixa de decibéis, de electricidade consumida, de palração diária, de sossego, de panegíricos cínicos dos políticos e os benefícios são infindos. 

          - Francis telefonou. Passámos uma hora e quatro minutos ao telefone; como ele é surdo, poucas vezes o interrompo. De que falámos, ou antes, de que falou ele? Grosso modo da sua relação com o petit oiseau que acabou o curso e foi admitido numa empresa americana com um salário inicial de 10 mil euros. Ambos pensam comprar um apartamento no centro de Paris onde se situa a sede da empresa. Mas a conversa foi um delírio com Francis a contar-me como têm relações sexuais, o prazer do duche em comum, entre outras intimidades de que me dispenso citar e nem me interessam (quer dizer ao romancista, sim). Pelo meio, surgiam ligações culturais e até foi chamado um arcebispo, tio do meu amigo, que celebrou Missa Pascal em Moscovo onde Francis esteve presente. Francis tem 84 anos, o petit oiseau 27 (conheceram-se há três anos). O rapaz é rico; o ancião remediado. A vida nunca se explica quando temos a tentação de a padronizar; mas quando é aventura empolgante e singular.  


sábado, novembro 14, 2020

Sábado, 14.

Ontem cheguei propositadamente cedo à Brasileira. Na véspera tinha-me telefonado a Carmo Pólvora a desafiar-me para um almoço. Sentei-me no interior do café, porque na esplanada fazia frio e a chuva caiu a dada altura. O objectivo de ter madrugado, foi fechar-me no romance e também evitar grandes enchentes no comboio. Em boa hora, Santo Deus! Das nove ao meio-dia, escrevi três páginas, três!, tendo chegado às 30 de um trabalho muito difícil. Fomos depois os dois ao encontro do João Corregedor que não anda a passar bem para o restaurante da Av. Roma onde eu agora abanco com frequência. Trata-se de um pequeno e modesto restaurante, com preços acessíveis, cozinha caseira e fica junto à estação de comboios de onde chega e parte o Fertagus. Acontece que a pintora e o nosso ex-deputado, são dois conversadores implacáveis e, por isso, a mim apenas me incumbia de atiçar a chama para que o fogo progredisse e eu pudesse descansar a língua e os miolos. Estivemos a discutir política até às quatro e meia da tarde. Frisson não podia faltar entre mim e o João, nesse campo de ninguém que separa a China e a Rússia do Ocidente e Estado Unidos democráticos. Para o João a democracia exerce-se hoje na China, Rússia, Coreia do Norte, o resto “temos de discutir o que é para ti democracia”. É sempre esta a parábola. Felizmente nutrimos estima um pelo o outro e esse facto é infinitamente mais importante que todas as catástrofes, idealizadas ou reais, que assolam a política mundial. 

          - Começaram os primeiros grandes motins atribuídos à Covid-19 e contra o “achatar da curva”. Foi no Porto (e também em Lisboa) com os patrões dos restaurantes revoltados por terem de fechar aos sábados e domingos dias de maior ganhos. Não vão passar muitos dias para Costa voltar a trás na interdição. Um desses chefes cozinheiros, aventou outra solução que me parece mais cordata e vai ao encontro daquilo que se fazia dantes: fechar aos domingos. Muito bem. O domingo era o dia do Senhor traduzido no sétimo que segundo as Escrituras Ele descansou. Depois a vermelha sociedade de consumo, retirou aos trabalhadores o repouso semanal, transformando-os em escravos ao serviço de uma dinâmica bárbara que os quer esgotados e no limite das suas condições físicas e humanas. “Amochem se querem comer”-  é o ditame imperativo da nova ordem económica.      

         - “Achatar a curva” parece que não tem produzido efeitos. Já passámos os 200 mil casos de coronavírus e as mortes não param de aumentar; só ontem 78 óbitos situando agora em 3181 vítimas. Enquanto isto, a Ordem dos Médicos produziu um parecer que praticamente confirma o que eu aqui revelei: estão já a salvar vidas por idade do paciente, os velhos saem deste mundo primeiro e depois os de meia idade e no fim os jovens. Como se na prática soubéssemos antecipadamente o dia e a hora em que morremos. Se assim fosse, não havia óbitos antes dos setenta oitenta anos. E ainda: Marcelo que está na velhice, terá mais chance de viver que o empregado do lixo da Câmara Municipal de Lisboa? Alguém me esclarece? 

         - Fui ao mercado dos pequenos agricultores. Ao contrário do que imaginava, estava às moscas. Na passagem pelo Lidl não havia filas à porta. Nas ruas corriam muitos carros e os condutores pimpões exibiam um ar de reis montados no trono. Depois do dia glorioso de ontem, a escrita adaptou-se saindo hoje cinzentona. Escrevo no salão diante da lareira a crepitar. Não foi frio que me levou a acendê-la, foi o rumorejar do lume em parceria com o silêncio opaco deste dia. Chove. Por Deus: curva achata-te. 


quinta-feira, novembro 12, 2020

Quinta, 12.

O mundo atravessa uma se não a mais complicada fase depois da Segunda Grande Guerra. Não houve tiros, prisões, campos de extermínio, cidades destruídas, mortes em massa, mas estamos numa guerra surda, destrutiva do ser humano, trágica porque nos elimina por dentro, consumindo cada célula, cada pedaço de nós onde o equilíbrio e a harmonia antes reinava, tornando-nos revoltados sem sabermos com quem, tiranos, desconfiados do nosso semelhante, fixados no nosso umbigo, numa agonia lenta que espreita a morte em cada fragmento de nós.  O mundo está suspenso, as actividades humanas ao ralenti, a economia a derrapar, imensos sectores a desaparecer, a vida nos  seus aspectos palpitantes a morrer, milhões de pessoas condenadas a ficar às janelas das suas casas minúsculas a olhar o vazio das praças, das ruas antes a fermentar de gente, por meses, por anos ninguém sabe, ninguém alvitra uma data para que o mundo volte a girar em torno do dia seguinte, com perspectivas de nos encontrarmos de frente, olhos nos olhos, sem a máscara de dor e espanto que nos modifica o semblante e nos irmana num grito angustiante que se entrepõe entre nós e nos faz ser outro na atarantação dos dias, dos caminhos que fogem dos nossos pés, da tibieza da voz, do olhar... do olhar que nos olha do fundo do receio e do medo e nos afunda nos abismos desconhecidos para onde a vida se retirou e os espectros, os cadáveres de outras pandemias se arrastam sentenciados à deriva ad eternum. As manhãs que teimam em nascer, já não abrem as suas asas cintilantes, já não trazem as preces em dias felizes, em futuros banhados das auroras boreais, não são ciclos que criem vida e renovam a criação, são horas sonâmbulas, arrastadas de mágoas, sem esperança nem concomitância, chegam nocturnas, sem forças, sem desafios, paradas no tempo incerto que banha a humanidade que na terra hoje habita à espera da morte anunciada. De súbito, encontramo-nos todos na plataforma de partida, sem bagagem nem prerrogativas sociais, olhando uns para os outros como personagens de um tempo ido, de uma terra onde apesar de tudo alguns foram felizes, e os ditadores não conseguiram quebrar os corações que armazenam a compaixão e o amor. Por sobre tanta dor, tanto luto, tanta desesperança, espreita a lepra do poder, a foice do tirano. Uns quantos, deuses de uma época descrente, estendem tentáculos para abafar as vozes que irrompem do medo e da desesperança, da agonia diária em que caiu mais de metade da população mundial, para apelar aos valores humanos que nos unem debaixo do céu comum a enfrentar o sanguinário. Que assiste, lá longe ou aqui ao lado, hirto e orgulhoso, ao espectáculo da submissão dos povos de diferentes nações. Ele dirá se é que o não o disse já: “Os dados estão lançados!” 


terça-feira, novembro 10, 2020

Terça, 10.

Trump não desarma. Instalado na Sala Oval, em vez de tratar de passar o testemunho ao seu sucessor, não reconhece Joe Biden, despede o ministro da Defesa por Twitter, contesta em tribunal os resultados do referendo de domingo e dizem as televisões vai criar a sua própria cadeia de televisão, que se encarregará de preparar as próximas eleições daqui a quatro anos onde ele chegará triunfante. Personagem de romance, este tipo. 

       Veja se reconhece a personagem,

  - As cicatrizes da Covid -19: os meus amigos Lionel e Mai-Hong (ambos médicos) e os dois filhos estão infectados com o vírus chinês. Uma praga! Eu parece que adivinhava. Cada vez que nos falávamos por WhatsApp, dizia ao Lionel para ter cuidado porque, sabendo como são os médicos, todos os cuidados com os outros e nenhuns para consigo próprios. Por cá, mais 3817 novos casos e 62 mortes. Horror!, horror! 

         - A Pflizer antecipa-se e prepara já para o mês que vem uma vacina. Outros laboratórios o anunciaram e depois recolheram o entusiasmo. Eu não costumo dar nenhum crédito ao jornalismo português sobre esta matéria e sobre tantas outras. Prefiro ouvir os especialistas nacionais e internacionais. O patuá das televisões não se recomenda a ninguém.  

         - Vi com imenso interesse a entrevista de Lídia Jorge ao canal 1 da RTP. Ela é a sua obra, a sua obra é ela. Ambas são iluminadas pela sabedoria que estende raízes além da transitoriedade desta vida. 

         - Comecei o dia lendo Green (pág. 210). O projecto era intercalar a escrita com trabalhos no campo logo às primeiras horas da manhã. O que acabou por acontecer, mas de uma forma ronceira, patinete, desmotivadora. Mesmo assim 196 caracteres acrescidos ao romance. Não tendo deixado este espaço em todo o dia, acabaram por se irmanar nele uma série de afazeres que me deixaram satisfeito e contribuíram para a minha pessoal utilidade no mundo. Porque cada um de nós com toda a sua idiossincrasia é o centro do mundo. Recolha da vinha virgem, queima do segundo monte de detritos assim. Tempo lindo. Janelas abertas em cima e em baixo. Silêncio. Aquele silêncio especial e puro de que me falava ontem o Carlos Soares desejoso de aqui tornar. 


segunda-feira, novembro 09, 2020

Segunda, 9. 

À parte a compaixão e o respeito que me merecem todas e todos quantos nos hospitais ou em casa sofrem do vírus chinês, têm os de mais de trabalhar para “achatar” a curva da incompetência governamental. 

O gato que achata coronavírus 


         - Os socialistas estão revoltados com o PSD por ter feito a “geringonça” à direita na Madeira. Não deviam. Primeiro, porque o Chega é um partido com assento na Assembleia Nacional; segundo, porque Mário Soares não teve pejo em se coligar com o CDS que na altura todos apelidavam de extrema-direita. 

         - Não quis ficar em casa a achatar a curva do dito cujo, e disparei para Lisboa onde vários assuntos me esperavam. Comboios com passageiros normais, idem no Chiado, Brasileira com os habitués. Mas o bicho persegue-nos para todo o lado. Só ontem tivemos mais 6640 novos casos de coronavírus, com 2848 óbitos ao todo. Estamos praticamente com o mesmo número de mortos por gripe do ano passado que foi de 3000 mil. Escrevo estas linhas num restaurante da Av. de Roma onde abanquei para almoçar. Uma bátega de água está a cair lá fora. O tinto que acabei de ingerir, parece que me toldou a cabeça pois sinto um peso que me verga para a soneca que não posso fazer. Esta manhã, na esplanada, adiantei no romance. Poucas linhas que não estou certo irei conservar. Abriu o sol; vou tomar o Fertagus de regresso ao sossego. Uma freguesa na mesa ao lado, sozinha, bebeu uma garrafa de vinho branco. Com a pandemia estamos todos chonés. A uns dá-lhes para a bebida; a outros para falar sozinhos, a alguns bater nas mulheres, a muitos a se desqualificarem-se enquanto humanos de plenitude humana. 


domingo, novembro 08, 2020

Domingo, 8. 

Mais uma nota que diz muito do declínio de António Costa: o Partido Socialista não ter no seu seio um candidato a Belém. Isto prova a divisão que devasta o partido, onde a maioria irá votar em Ana Gomes. Óptimo. Só ele e os mais chegados apoiarão Marcelo. 

         - A América tem, enfim, Presidente: Joe Biden. Por agora talvez tenha escapado à ditadura que espraiava os seus tentáculos por todo o lado. Mas eu esperava que Trump tivesse menos votos; os mais de 70 milhões de americanos que têm confiança nele, são a marca expressiva de uma nação dividida. Veremos como vai ele capitalizar tão estrondosa  vitória. Biden parece um homem profundamente humano, depois de um bronco que só dava valor ao dinheiro é uma benção para os EUA como para o mundo. 

         - Transcrevo do Público de hoje: “A directora (do célebre e noutros tempos apreciado Lar do Comércio) chamava aos idosos `caquécticos`, não tinha respeito. Quando calhava morrer alguém, a reacção dela era do género: `Há por aí sacos pretos para despachar a encomenda?` Isto são coisas que eu ouvi, porque antes da pandemia as visitas podiam entrar e sair sem marcação e eu costumava ir lá ao domingo almoçar com a minha mãe.” Quem assim fala, é Dona Manuela Costa e Almeida. Que os políticos, todos, leiam e meditem nestas palavras, porque todos, repito, todos são cúmplices desta afronta miserável àqueles que trabalharam e descontaram uma vida inteira e vêem-se depositados em casernas lúgubres e à beira de uma morte sem dignidade. Eu peço a Deus que não me dê vida suficiente para terminar naquelas casas mortuárias. 

         - Apanhei as romãs que restaram destes dias de tempestade. As árvores estavam carregadas e eu, fazendo jus aos conhecimentos da Piedade que dizia só as devia colher depois do S. Martinho, acabei no desgosto de as ver às dezenas podres na terra. Igualmente os medronhos que atapetam o chão sem que eu possa aproveitar apenas uma mínima parte. Acendi pela primeira vez este Outono a salamandra da sala de jantar, não porque houvesse frio, mas por medo da humidade.


sábado, novembro 07, 2020

Sábado, 7.

Quando sintonizei a TV5Monde, apanhei o anúncio de um programa musical ao gosto dos tempos presentes chamado live - significado que se presta a uma série de interpretações. O homem que o apresenta não tem a simpatia do Robert que, quando o vê no ecrã, muda de canal como aconteceu o ano passado por esta altura. Eu disse: “Tem graça eu também não nutro nenhuma atração por esta figura. Tem um ar libidinoso que me desagrada.” Diz a Annie: “É isso! Vocês os que escrevem encontram sempre a palavra certa. Nós sabíamos que não o apreciávamos, mas não sabíamos dizer  porquê.” 

         - A mãe dos Black que eu detesto, não sei como, dormiu na cozinha. Esta manhã, mal entrei, levei uma chapada de horrível cheiro. Na cozinha e casa de banho, encontrei a razão. Abri então as janelas e porta e limpei de mola no nariz a sujidade. Se até aqui lhe ia dando de comer, agora dou-lhe com o cabo da vassoira. Furibundo, não autorizei que os filhos entrassem em casa durante todo o dia, farto de gataria! 

         - Às vezes pergunto-me o que restará destes milhares de palavras quando um dia fechar os olhos. Depois, reflectindo um segundo, digo: “se ficar uma só ideia ou sentimento, já valeu o esforço, até porque comigo o que há para saber está e sempre esteve à vista. Não faço fretes a ninguém e muito menos a mim próprio”.  

         - E vão cinco dias depois das eleições nos Estados Unidos sem conhecermos o vencedor. As tricas entre os dois candidatos e clãs associados, não param enquanto os votos são contados tombando ora para um lado ora para outro. A ambos esta máxima: Where there´s life there´s hope.

         - Tempo incerto. Terminei a poda das hortênsias no terraço em frente à casa e com o carro de mão depositei-as no último monte próximo do portão. De manhã fui aos pequenos agricultores, em Pinhal Novo. Folguei da escrita e leituras, o cérebro já me agradeceu. Está para chover, anuncia o vento que por aqui passa num sufoco. São 15 horas e 24 minutos. 


sexta-feira, novembro 06, 2020

Sexta, 6. 

Trump não deixou ninguém indiferente. A prova? Os EUA habituados a elevados abstencionismos, desta vez parece que se empenharam em votar. 

         - Eu estou sempre a confrontar o primeiro-ministro com a realidade que se sobrepõe à propaganda que foi sempre o seu modo de governar. Olhe-se o caso das vacinas preventivas da gripe. A propaganda falou de cobertura geral sobretudo para os cidadãos a partir dos 65 anos. Pura mentira. Quem o diz são os utentes do SNS às televisões quando, dirigindo-se às farmácias, estas os informam nunca terem tido o suficiente para acudir à procura. 

         - Eu também estou de acordo com Jerónimo de Sousa que não aprova mais um confinamento para segunda-feira. Como aqui disse, conhecendo-se os focos de infecção e onde eles se propagam e atingem percentagens mais elevadas, era aí que o Governo se devia preocupar, para além de testes, toma de temperatura em massa, lavagem de mãos frequentes, distanciamento, núcleos de gente agrupada em lugares fechados e assim. Não vai ser com confinamentos e recolher obrigatório que o coronavírus volta as costas às preocupações eleitorais de Costa. A tragédia do SNS é o retrato da sua gestão, isso os portugueses não irão esquecer chegado o momento. Assim como as prisões em que estão transformados os lares, os dois milhões de pobres, a classe média a patinar, o país pobre e analfabeto como ele o encontrou e irá deixar. Marcelo é também o grande culpado, nem as selfis o safam.   

         - Os irmãos Black com o tempo sorna de hoje, dormiram todo o santo dia. Ainda por cima, comprei-lhes um cobertor quentinho e levei-lhes o pequeno-almoço à cama. Vida de gato... que maravilha! 


quinta-feira, novembro 05, 2020

Quinta, 5.

“Achatar a curva de contaminação por coronavírus” - dizem eles, os que bem falam a língua portuguesa e com bom gosto. Ou seja um grande número de diplomados que parece tiraram cursos superiores e são por isso doutores. 

         - Fui ao dentista. Tomei o Fertagus à hora máxima de ponta: oito da manhã. Pensava que era desta que tinha todos os vírus da época - incluindo o chinês -, às minhas costas, e afinal a carruagem em que seguia ia quase vazia. Chegado a Sete Rios (ou será Jardim Zoológico?, ainda não perguntei ao bebé Nestlé) o metro que apareceu ia a abarrotar. Deixei passar e meti-me no seguinte, vazio. Bom. Quando saí do SAMS, estando perto do Corte Inglês, entrei para uma refeição rápida. Apesar das restrições impostas pelo Mágico, o movimento na cidade era como se a pandemia não existisse. A vida indolente no centro só era diferente porque os cidadãos andavam ensalmados. 

         - A mim dá-me para pôr a seguinte questão acerca do Presidente da República: devia Costa convidá-lo para ingressar no PS ou Rui Rio demiti-lo do PSD?  

         - Enquanto esperava para ser atendido pela minha estomatologista, li trinta páginas do livro La princesse de Clèves, a obra-prima de Madame de La Fayette. Há muito que queria ler o romance de fio a pavio, mais a mais porque a obra é obrigatória nos liceus em França e a Annie enquanto professora teve que a dissecar e muitas vezes me leu excertos. Esta madame de La Fayette deve ter sido fresca! Mal começamos o livro, do início à página trinta, a exposição da turba monárquica na corte de Henri II, é visceralmente um convite à orgia; todo o pessoal que fazia parte da Casa ou andava por lá, é posto a nu com tal pormenor sensual que, se eu tivesse vinte anos hoje, teria de ir ao wc aliviar-me numa urgência solitária... Os físicos das princesas e, sobretudo, dos príncipes na puberdade, são duma precisão erótica que nos leva a crer que na corte francesa no séc. XVI, do rei à rainha e desta à cauda dos próximos, vivia-se num permanente deboche. Aliás, segundo Madame, o próprio rei trabalhava na cama de todos modos, gestos e reboliços, como ninguém. A seguir sem excitações. 


quarta-feira, novembro 04, 2020

Quarta, 4.

As presidenciais nos Estados Unidos deixam o mundo em suspenso. Estive a seguir os acontecimentos a noite passada pela ARTE e canal 2 francês. Claro que gostava que fosse Joe Biden a ganhar, mas, por vezes, dou comigo a pensar que nem tudo foi mau no mandato de Trump. Evidentemente, o homem é um monstro sem educação, arrogante, mal preparado em todos os sentidos, boçal, prepotente, tratando tudo e todos sob o olho do vendedor de imóveis, que especula, ludibria, mas... Houve na sua forma de governar um tal desassossego, uma tal anarquia nos princípios estabelecidos, uma desordem nos tratados, nas acções, na maneira como exerceu o cargo de Presidente, negou acordos, insultou este e aquele, durante quatro anos sem falhar um só dia, que deixou de rastos os incrédulos presidentes das nações, a ONU e outras respeitáveis organizações, o Ocidente e o Oriente, baralhou as consciências, travou convenções com anos e passo. Uma tal personalidade, com uma extraordinária dinâmica e força apesar da sua proveta idade, deixou-me o sentimento que foi útil a uma Europa adormecida, a bocejar noite e dia, arrumadinha no protocolo, onde todos pensam arregimentados aos seus interesses mesquinhos, a corrupção rasteira, passo a passo como o caracol, muito dignos e respeitados nos seus títulos, decadentes e satisfeitos com as suas minúsculas obras, tudo sem ondas excessivas, governando sem mexer uma palha, os povos amansados pela pobreza, o analfabetismo, o pensamento de esquerda como absoluto, de par com o da direita, ambos apregoando filosofias construídas nos partidos que apenas defendem os seus negócios. Foi por todas estas razões que no início dos inícios eu acreditei em Donald Trump. Não fui de todo enganado, afinal. Se ele foi interesseiro, os demais não são menos. O que lhe interessou e preocupou foi a economia, o lucro; e os outros de direita ou esquerda? A consciencialização do povo para toda esta dinâmica, é coisa que não interessa a quem quer o poder. Pelo contrário, desejam o analfabetismo que traz adormecido o povinho com injecções de futebol, telenovelas, um pouco de religião, amarrados à TV a receber em doses maciças toda a merda com que alimentam as mentes e distraem as vidas pobres e simples, sem horizontes nem amanhã.  

         - Confirma-se que o autor dos atentados em Viena pertencia aos jihadistas e foram executados sob o seu comando. O resultado foram quatro mortos e 22 feridos. O esquema foi pensado na véspera da entrada em vigor do recolher obrigatório devido à Covid-19. 

         - Nós estamos também confinados, o que não impede que os senhores do SEF tenham realizado uma festa na sede da organização, em Oeiras, com dezenas de foliões. Resultado: quatro casos de contaminação por coronavírus.   

         - Ontem, depois de ter posto online o que acima se acha, fui tomar um chá acompanhado de fatia de bolo-rei. De seguida voltei a sentar-me, naquela de espreitar o romance como quem avista um amigo e lhe pisca o olho, comecei a ler o que tinha escrito há um mês precisamente na esplanada da Brasileira. Fiz uma pequena emenda e continuei sem grande vontade nem inspiração. Mas depois... mistério: o resto da tarde saldou-se por página e meia. Que felicidade! Hoje, depois das compras no Auchan de Setúbal, a seguir ao almoço, comecei a queimar os montes de entulho que se estendem ao longo da quinta até ao portão. A Blacka e o Botas, surpreendidos com as chamas, doidos com a novidade, não paravam de se fazer ao fogo, tendo eu tomado a iniciativa de os fechar na cozinha enquanto as chamas passavam a cinzas. Tempo moche, cinzentão, azarento. Vou tentar a proeza de ontem, e dar uma olhadela ao Matricida a ver o que sai. 


terça-feira, novembro 03, 2020

Terça, 3.

Comecei o dia lendo dez páginas de Green. A sucessão de coisas a fazer deslizaram através das horas como um rosário de contas irregulares. O vento fez-se ouvir em rajadas fortes, o frio instalou-se. Evito acender a lareira porque sei que esse pequeno conforto exerce sobre mim habituação. Um sol fraco e de rosto risonho, espreitou às janelas. Uma parte de mim puxa-me para a promenade, a outra parte para o estudo atento das Cartas de S. Paulo. Gosto das manhãs longas, porque me dão o sentimento de ter vivido em pleno todo o dia. Quando tal acontece, o trabalho, melhor dizendo, os trabalhos decorrem um após outro com intensidade e concentração, como se cada um de per si iniciasse e findasse uma longa jornada. 

         - Os amigos testemunham-me o medo de contrair a Covid -19. Outro dia o Guilherme (por quem ontem fui à Brasileira) dizia-me que vive numa constante inquietação. Perguntei-lhe se à sua volta alguém havia contraído a doença, disse-me que apenas o genro em dose mínima, ele que era de todos o mais cuidadoso. Aconselhei-o a ver a temperatura todos os dias (é isso que eu faço desde Março), ter os cuidados habituais e a acalmar, porque ele insistia em ir fazer o teste. “Isso foi o que me disse a minha médica.” Empenha-te na exposição que vais fazer no Museu do Carmo – isso é mais importante. 

         - Perguntam-me se ouvi no canal 1 a entrevista de Marcelo, respondo como os rappers: weird flex, but ok! Ou à portuguesa: “rio fle felx fla”. O meu tempo é precioso e só o troco por coisas sérias. 

         - Se não vejamos. Ontem o primeiro-ministro anunciou que as feiras estavam suspensas, hoje autorizou-as. Porquê? Porque os feirantes ameaçaram avançar sobre Lisboa de todos os pontos do país. A gestão de Costa tem sido sempre esta: governar ao sabor dos ventos, sem coisas pensadas, acudindo ao imediato, ao populismo. E no entanto, eu dou razão aos feirantes quando dizem: “São mais perigosos os centros comerciais (que continuam abertos, embora em horário reduzido) que o nosso negócio ao ar livre.” O Mágico deixou de ter espaço para a magia, o que tem pela frente é a realidade de um país que desconhecia, ele e os senhores deputados.  

         - Cada vez mais cresce em mim a certeza que há um ataque concertado contra os valores europeus e democráticos. Em grande parte por culpa dos nossos governantes, que lançam a desordem e a exclusão; doutra parte porque os nossos valores radicam no convívio colectivo que regimes fortes e manipuladores da liberdade individual querem eliminar, torcendo-nos o pescoço de forma a tornar-nos seus escravos e impondo-nos as suas ideologias e perversidades religiosas. Agora não passa um dia, sem que sejamos atacados. Ontem foi Viena. Um homem de 20 anos que decerto não agiu só, atacou com arma de fogo e faca as pessoas que encontrou numa zona que eu conheço bem e da última vez que estive na cidade por ali passeei com frequência – Seitenstettengasse. O ataque deu-se perto da sinagoga e morreram quatro pessoas e pelo menos 17 ficaram feridas. Aquela artéria, no centro de Viena, é muito concorrida e imagino o pavor que foi. Merece consenso que a motivação é islâmica, o jovem atacante foi abatido pela polícia. Quem se segue? 


segunda-feira, novembro 02, 2020

Segunda, 2.
Ao que a democracia chegou! Os comerciantes de certas cidades americanas, começaram a entaipar as suas lojas com medo do que poderá acontecer quando se conhecer os resultados da campanha eleitoral à presidência. Todos temem a reacção de Trump se os votos não chegarem para o reeleger. 

         - Fui a Lisboa. Comboios no limite de passageiros, metro às moscas, povo nas ruas como é hábito. Depois de uma hora a gramar os fanáticos de Costa – Teresa e Carmo -, despachei-me para casa com passagem no Celeiro. O que constato, é que aqui no “deserto” (como dizia o outro de bochechas vermelhas rematando: “jamais”, “jamais”) as pessoas são conscienciosas e muito raramente vejo alguém sem máscara e muitas a desinfectar as mãos. Talvez isso ajude aos poucos casos de coronavírus por estas terras inóspitas de areia. 

domingo, novembro 01, 2020

Domingo, 1 de Novembro.

O ano passado elegi As Aventuras de Augie March de Saul Bellow como o melhor livro que li; este ano São Paulo – N. T. Wright. Evidentemente, aconselho estas duas obras aos meus caros leitores.  

         - Em França outro atentado, desta vez em Lyon, na pessoa de um padre ortodoxo. O sacerdote está hospitalizado em estado grave, o possível assassino foi apanhado. Dois tiros com caçadeira de canos cortados – inabitual até aqui. 

         - Costa tirou da cartola mais uns arrufos contra a pandemia. O que lhe interessa são os negócios e, como ninguém o leva a sério, eis que cenas como aquela na Nazaré ontem, com centenas de espectadores colados no areal a ver as ondas gigantes e os surfistas de ocasião. Para não falar daquela centena de adolescentes reunidos em festas em Cascais e Lisboa a semana passada. E, contudo, os focos de infecção estão mais que estudados: lares, perdão, residências com 40% e aglomerações de pessoas à noite em bares, restaurantes, discotecas e casas particulares. O necessário para além de testar o máximo de gente, era fechar o comércio entre as oito da noite e as sete da manhã, vigiar os lares, e multas aos meninos e meninas egoístas que pensam que o vírus só se interessa por pulmões cansados. Quanto às vacinas que o Mágico não vê hora aparecer, é melhor dar a palavra ao presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Dr. Jorge Soares, ele que mais sabe sobre o assunto e não faz política barata. É fácil confinar, impor uma afronta aos direitos dos cidadãos, à liberdade, ao direito à vida corrente, mais difícil é resistir aos interesses económicos, ao futebol, aos acontecimentos que eles chamam culturais, e a uma quantidade de excepções que têm na base nos negócios. Senhor primeiro-ministro, a arrogância e o poder discricionário, pode pô-lo nos píncaros, mas mais próximos dos prepotentes ditadores. Recordo-lhe que ainda vivemos em democracia.  

         - Comecei e acabei a poda na vinha virgem, utilizando depois os caules que replantei ao longo do caminho principal. Comecei a cortar as hortênsias (só as flores murchas pelo sol de verão). Aspirei a piscina para esgoto, esvaziando deste modo uma parte da água das chuvas. Pela tarde fora, entreguei-me à cozinha - tarte de medronhos, maçãs assadas, um prato de peixe no forno...- que intervalei para ir tomar café num instante a casa da Glória de onde vim com um bolo de frutos e marmelada, nada a ver com a outra, saborosíssima, feita pela Zitó, anos a fio, dos marmelos aqui da quinta.