quinta-feira, novembro 05, 2020

Quinta, 5.

“Achatar a curva de contaminação por coronavírus” - dizem eles, os que bem falam a língua portuguesa e com bom gosto. Ou seja um grande número de diplomados que parece tiraram cursos superiores e são por isso doutores. 

         - Fui ao dentista. Tomei o Fertagus à hora máxima de ponta: oito da manhã. Pensava que era desta que tinha todos os vírus da época - incluindo o chinês -, às minhas costas, e afinal a carruagem em que seguia ia quase vazia. Chegado a Sete Rios (ou será Jardim Zoológico?, ainda não perguntei ao bebé Nestlé) o metro que apareceu ia a abarrotar. Deixei passar e meti-me no seguinte, vazio. Bom. Quando saí do SAMS, estando perto do Corte Inglês, entrei para uma refeição rápida. Apesar das restrições impostas pelo Mágico, o movimento na cidade era como se a pandemia não existisse. A vida indolente no centro só era diferente porque os cidadãos andavam ensalmados. 

         - A mim dá-me para pôr a seguinte questão acerca do Presidente da República: devia Costa convidá-lo para ingressar no PS ou Rui Rio demiti-lo do PSD?  

         - Enquanto esperava para ser atendido pela minha estomatologista, li trinta páginas do livro La princesse de Clèves, a obra-prima de Madame de La Fayette. Há muito que queria ler o romance de fio a pavio, mais a mais porque a obra é obrigatória nos liceus em França e a Annie enquanto professora teve que a dissecar e muitas vezes me leu excertos. Esta madame de La Fayette deve ter sido fresca! Mal começamos o livro, do início à página trinta, a exposição da turba monárquica na corte de Henri II, é visceralmente um convite à orgia; todo o pessoal que fazia parte da Casa ou andava por lá, é posto a nu com tal pormenor sensual que, se eu tivesse vinte anos hoje, teria de ir ao wc aliviar-me numa urgência solitária... Os físicos das princesas e, sobretudo, dos príncipes na puberdade, são duma precisão erótica que nos leva a crer que na corte francesa no séc. XVI, do rei à rainha e desta à cauda dos próximos, vivia-se num permanente deboche. Aliás, segundo Madame, o próprio rei trabalhava na cama de todos modos, gestos e reboliços, como ninguém. A seguir sem excitações.