terça-feira, novembro 03, 2020

Terça, 3.

Comecei o dia lendo dez páginas de Green. A sucessão de coisas a fazer deslizaram através das horas como um rosário de contas irregulares. O vento fez-se ouvir em rajadas fortes, o frio instalou-se. Evito acender a lareira porque sei que esse pequeno conforto exerce sobre mim habituação. Um sol fraco e de rosto risonho, espreitou às janelas. Uma parte de mim puxa-me para a promenade, a outra parte para o estudo atento das Cartas de S. Paulo. Gosto das manhãs longas, porque me dão o sentimento de ter vivido em pleno todo o dia. Quando tal acontece, o trabalho, melhor dizendo, os trabalhos decorrem um após outro com intensidade e concentração, como se cada um de per si iniciasse e findasse uma longa jornada. 

         - Os amigos testemunham-me o medo de contrair a Covid -19. Outro dia o Guilherme (por quem ontem fui à Brasileira) dizia-me que vive numa constante inquietação. Perguntei-lhe se à sua volta alguém havia contraído a doença, disse-me que apenas o genro em dose mínima, ele que era de todos o mais cuidadoso. Aconselhei-o a ver a temperatura todos os dias (é isso que eu faço desde Março), ter os cuidados habituais e a acalmar, porque ele insistia em ir fazer o teste. “Isso foi o que me disse a minha médica.” Empenha-te na exposição que vais fazer no Museu do Carmo – isso é mais importante. 

         - Perguntam-me se ouvi no canal 1 a entrevista de Marcelo, respondo como os rappers: weird flex, but ok! Ou à portuguesa: “rio fle felx fla”. O meu tempo é precioso e só o troco por coisas sérias. 

         - Se não vejamos. Ontem o primeiro-ministro anunciou que as feiras estavam suspensas, hoje autorizou-as. Porquê? Porque os feirantes ameaçaram avançar sobre Lisboa de todos os pontos do país. A gestão de Costa tem sido sempre esta: governar ao sabor dos ventos, sem coisas pensadas, acudindo ao imediato, ao populismo. E no entanto, eu dou razão aos feirantes quando dizem: “São mais perigosos os centros comerciais (que continuam abertos, embora em horário reduzido) que o nosso negócio ao ar livre.” O Mágico deixou de ter espaço para a magia, o que tem pela frente é a realidade de um país que desconhecia, ele e os senhores deputados.  

         - Cada vez mais cresce em mim a certeza que há um ataque concertado contra os valores europeus e democráticos. Em grande parte por culpa dos nossos governantes, que lançam a desordem e a exclusão; doutra parte porque os nossos valores radicam no convívio colectivo que regimes fortes e manipuladores da liberdade individual querem eliminar, torcendo-nos o pescoço de forma a tornar-nos seus escravos e impondo-nos as suas ideologias e perversidades religiosas. Agora não passa um dia, sem que sejamos atacados. Ontem foi Viena. Um homem de 20 anos que decerto não agiu só, atacou com arma de fogo e faca as pessoas que encontrou numa zona que eu conheço bem e da última vez que estive na cidade por ali passeei com frequência – Seitenstettengasse. O ataque deu-se perto da sinagoga e morreram quatro pessoas e pelo menos 17 ficaram feridas. Aquela artéria, no centro de Viena, é muito concorrida e imagino o pavor que foi. Merece consenso que a motivação é islâmica, o jovem atacante foi abatido pela polícia. Quem se segue?