segunda-feira, novembro 16, 2020

Segunda, 16. 

O encontro entre Semyon e Natacha que ontem trabalhei, quer-me parecer que é demasiado romanesco. Vou ter que o repensar e não acreditar na facilidade que agora se instalou fazendo correr a narrativa sem esforço. O romance começou incerto, titubeante, muito difícil, construído palavra a palavra, numa lentidão que me esmagava. Gide dizia: C´est l´orsqu´un livre commence a aller seul que le moment est dangereux. Tem razão. Que eu me lembre sempre destas lúcidas palavras. 

         - As pessoas morrem duplamente em pleno telejornal, diariamente. A televisão transforma a vida e a morte num episódio de telenovela, numa banalidade. Nós vemos aquele olé olé a despachar notícias dos que nos deixaram vitimados pelo coronavírus como se eles fossem ao fundo da vida e voltassem no dia seguinte. 

         - Almocei na esplanada do Corte Inglês com a Alzira. Ela sempre teve propensão para a desgraçada, mas a Covid-19 deixou-a numa depressão complicada. Falámos muito e duma forma franca pelo que, quando nos despedimos, ela disse-me que lhe tinha feito bem o nosso encontro. Antes tinha passado na Brasileira onde encontrei a Teresa e o António. Este, se habitualmente vive no sufoco das doenças, agora que está na véspera de ser operado, não há quem o acalme. Castilho, o homem das massas, quer-lhe comprar um quadro, mas exige que seja assinado. Homem de negócios não dorme em serviço. 

         - Esta coisa chamada iphone, pretende tomar conta de mim e até dos meus passos. Descobri há pouco tempo que, andando com o telefone no bolso, ele conta e espia as minhas horas e minutos. Por exemplo, a estada em Lisboa, anotou que eu andei 4 km., dei 5146 passos, subi 5 pisos e num gráfico esclarece: “A sua distância a andar e a correr é superior à de um dia normal.” Toma e embrulha.   

         - O Público mudou de roupa e esta que agora traja, é muito bonita. O número de hoje está sublime não só de aspecto como de conteúdo. Tempo de chumbo, nem frio nem chuva. Os manos Black estavam ao portão à minha espera.