quinta-feira, março 30, 2017

Quinta, 30.
Acordei com o zuir de um mosquito. Deviam ser umas quatro da manhã. Voltei a adormecer para acordar às sete e meia, quando desci de um avião num barco de borracha. A aeronave tinha tido uma avaria e durante um certo tempo rodou sobre si própria até se estatelar no Tejo. Durante o acidente, não ouvi um grito, nem sei como me encontrei na balsa, ao lado de um piloto de outra companhia que havia viajado a meu lado, são e salvo. Ao despertar sentia-me sereno, pacificado, feliz. Quando pus um pé de fora, estava no Terreiro do Paço e um sol limpíssimo cobria a praça que abre sobre o rio.


         - Não sei interpretar este sonho. Sei que antes de ser despertado pelo insecto, tinha passado por momentos angustiantes, durante os quais me debatia para encontrar um editor. Aliás estes pesadelos são cada vez mais frequentes. Faz no próximo mês um ano que aguardo respostas de dois ou três editores. Um já sei que achou o romance demasiado longo, outro de cada vez que falamos, diz-me que está a ler “com interesse”, um terceiro que o meu trabalho “é divertido”. Resta aquele que desde a primeira hora se sentiu embalado pela história de O Rés-do-Chão de Madame Juju e, de uma enfiada, me mandou quatro ou cinco contratos. Mas Simão e mais uns quantos amigos, insistem para que resista a assinar com este que foi de todos o mais cordato e por quem até sinto simpatia. Até quando? Estas minhas reservas, advêm do facto de o último editor com quem trabalhei me ter ficado a dever 72 mil euros de direitos de autor. Voilà porque questiono tudo e me tranquei na prudência talvez excessiva.   

quarta-feira, março 29, 2017

Quarta, 29.
Naquele dia Fortuna veio corrigir as pernas da mesa. Chovia e a manhã ainda dispunha de um certo espaço antes da chegada da tarde. Quando ele saiu, tive um arrepio de alegria. Sentado à minha mesa de trabalho, vendo a chuva cair lá fora e contemplando o horizonte de cinza, senti a morte vir ao meu encontro por entre os pingos da chuva. Olhei-a de frente, olhos nos olhos, e docemente entreguei-me para que ela me levasse nos seus braços translúcidos. Para trás, sem nenhuma mágoa, deixei as muralhas de livros, e ouvi distintamente cada autor murmurar: “Foi-se aquele que tanto nos amou.”

         - Os patetas entendem-se com patetas, por isso a Aeroporto da Madeira passa a ter o nome do “maior jogador do mundo”. Depois de terem posto no Panteão Nacional Eusébio, tudo se espera deste reino de patetas. O que é mais impressionante ou talvez não, é o Presidente da República e Primeiro-Ministro caucionarem aquela idiotice. Que vai de rajada com àquela outra de um casal com responsabilidades na ilha que encontrei em Viena d´Áustria, em Dezembro passado. Falou-se da mudança de nome do aeroporto e eu perguntei-lhes se estavam de acordo. A resposta veio pronta: “Não estamos, mas não podemos fazer nada.” É sempre assim neste país à beira-mar plantado.  Os idiotas são senhores absolutos de tudo. Dito isto, não creio que Passos Coelho se submetesse a uma tal bajulice. O ex-primeiro-ministro está mais próximo da dignidade de António José Seguro, o Mágico que lhe deu o encontrão, muito distante. É mais político – diz a criadagem satisfeita que o enfeita.


         - Ontem vi a entrevista de Marine Le Pen no canal 2 e percebi como o senhor Pujadas manipula com as suas perguntas mas, sobretudo, com os seus juízos pessoais a opinião pública francesa. É pelo que ouvi que ela está na frente das eleições. Tudo o que a senhora disse sobre a UE é absolutamente certo. Se cumpre, é outra conversa.
         - Esta é a última obra da minha amiga Maria José. Acompanhei a sua gestação durante pelo menos dois meses, nas tardes em que ia ao seu atelier conversar com ela. A propósito, por meu intermédio, uma outra escultora, francesa, acabou de comprar casa aqui e vai-lhe fazer companhia. Marriette escolheu este sítio para viver. Quando vem cá a casa tomar café ou almoçar, tece laudas à zona e à escolha que em boa hora a trouxe a estas divinas paragens. Resta-lhe aprender o português. 

Os Alentejanos 

segunda-feira, março 27, 2017

Segunda, 27.
Que país é este que não reconheço. A família tão querida da Igreja, do Estado, da sociedade de consumo e das televisões parece ter caído em desgraça. Os deuses omnipresentes e ensandecidos que a puseram no centro da raiz social, abandonaram-na. Não há quase dia nenhum que esta instituição tão apetecida do fisco e da base de dados dos supermercados, não se afunde no desespero e na morte. Há dias, um só homem, em Barcelos, assassinou quatro pessoas: a filha grávida e a sogra, vizinhas. Ontem, em Esmoriz, um marido marado, despachou a mulher à facada. Estes monstros são o resultado de uma sociedade que os políticos apaixonados pelos negócios de Estado e particulares, não se dão conta que existe. Para eles Portugal cumpriu o que a nossa esposa União Europeia exigiu no tocante ao défice – e isso é o mais importante.

         - Porque, em boa verdade, o país está fechado no Parlamento em discussões de lana- caprina, onde o ódio fermenta dando origem a cogumelos venenosos. Há meses que o bode expiatório é o Governador do Banco de Portugal. Outro dia, de passagem num canal de televisão, vi a crucificação do infeliz Senhor, encarcerado numa “comissão de inquérito”, pelos algozes deputados do PS e BE. Era vergonhoso ver como eles tratavam o honrado homem, o desprezo, o desrespeito, a arrogância de quem sente o poder, a jactância como se lhe dirigiam, a sede de vingança. Esta democracia que eles têm vindo a criar, assemelha-se cada vez mais a um sistema ditatorial, autoritário e medíocre que vai ser um dia julgado na praça pública.


         - Porque tudo tem um tempo. Veja-se o caso russo. Ontem, corajosamente, saíram à rua para denunciar a corrupção que mantém Putin no poder, centenas e centenas de pessoas. A polícia actuou ao modo do tirano prendendo para cima de um milhar de manifestantes. Tenho mais medo de Putin que de Trump, pela simples razão que a América vive em democracia, a Rússia, não.

domingo, março 26, 2017

Domingo, 26.
A hipocrisia não tem limites. Ontem as televisões e as senhoritas altruístas, apareceram a convidar os povos da terra inteira para um momento de reflexão, afirmando que se quiséssemos ficar por cá mais tempo e com boa saúde, tínhamos de começar por poupar o Planeta. A começar pelo consumo de energia. Logo ouvi o mandão da eléctrica chinesa, senhor António Mexia, que ganhou o ano passado a ridícula soma de 1,38 milhões de euros, a cuspir para o lado: “Já estão a lixar-nos!.” As câmaras, para não serem acusadas de esbanjadoras, desligaram a iluminação dos monumentos, alguns românticos jantaram à luz das velas, a ladroagem desceu às ruas mergulhadas no escuro, em muitas casas a marrequinha ficou a falar sozinha, coitadinha, os restaurantes viraram casas de fado e imaginem só quem vivendo noutro planeta se esteve nas tintas para o contributo de tanta gente filantropa - a nossa alegre comadre FIFA e os seus sabujos dirigentes desportivos. A selecção nacional manteve a partida com a Hungria, indiferente às questões morais e cívicas que sustentam o alerta. Num só jogo, foram gastos tantos watts como os necessários para iluminar toda a noite a Baixa lisboeta. O senhor António Mexia, mexeu-se, feliz, no sofá bordado a ouro da sua sala oval: o futebol salvou-o de perder 5,5 mil euros! Eu sei que é uma bagatela, mas, bem vistas as coisas, todas as migalhas contam.

         - Esta manhã, sob chuva implacável, fui ao mercado da Moita comprar duas macieiras, um vazo de coentros, um quilo de nozes. Um feirante surpreendeu-se por me encontrar ali num dia tenebroso. Respondi que nada nem ninguém me impede de fazer o que quero nem quando quero e acrescentei: “O senhor também aqui está, não faltou ao seu trabalho.” O homem sorriu visivelmente satisfeito pelo reconhecimento e disse: “Se não viesse quem viria por mim! É assim a nossa vida!” Recolhi o troco e adiantei: “É também a minha e não me lamento. Cada um deve responder ao seu destino sem hesitações.” Ele com o sol de súbito desenhado no rosto trigueiro: “Tem toda a razão.”

         - Quer-me parecer que a maioria dos “londrinos” que saíram ontem à rua a enaltecer a União Europeia, são indivíduos que beneficiam do gozo do Erasmus. De contrário, saberiam que o Reino Unido é uma das mais velhas democracias do mundo e, como tal, tem em consideração a vontade do povo genuíno que pelo voto expressou a sua vontade. Eu sei que se aquele resultado eleitoral tivesse acontecido em Portugal, o governo logo trataria de dar o dito pelo não dito... Entre nós o povo não tem querer e não conta para nada nas manobras partidárias.


         - A nossa fúnebre UE reunida em Roma, pretende mostrar o rosto dos domingos e de vésperas eleitorais, ostentando a florida aliança entre todos os países que a compõem. Os povos estão-se nas tintas para o patuá e os copos e almoçaradas e visitas ao Papa e passeios pedestres que ocorrem na Cidade Eterna. Eles sabem que passadas as eleições que sempre a assustam, esta Europa das finanças voltará a pôr a pata cruel, arrogante e dominadora no cachaço de cada um de nós. Se Emmanuel Macron ganhar em França e Schulz na Alemanha, então seremos todos reduzidos à escravidão. Já disse uma vez e repito: só nos libertaremos da tirania de Bruxelas, com uma guerra civil.

sexta-feira, março 24, 2017

Sexta, 24.
Já era previsível: o impropriamente denominado estado islâmico reivindicou o atentado de Londres. É a nova fórmula covarde de matar inocentes em nome de nada. Recruta um solitário que se encarrega de assassinar o máximo de pessoas e depois morre. No resumo, até hoje, estão contabilizados cinco mortos e para cima de quatro dezenas de feridos, alguns em estado grave. Londres reagiu à tragédia e prossegue a vida. Os londrinos, desde os tempos da peste de 1663 ao incêndio de 1666, parecem tocados pela chama da sobrevivência imortal. Em Londres, no final do fogo que a consumiu e fez 120 mil vítimas, ficou apenas Pepys que em páginas admiráveis e cheias de coragem e humor, nos narra a tragédia. Depois veio Christophe Wren que lhe deu a imagem que hoje conhecemos. Mas isso é outra história. 

         - O livro de Gunter Grass que acabei esta tarde, A Caixa, não tem nem de perto nem de longe, a garra daquele que li antes. Pelo contrário, é um exercício penoso centrado sobre a família, a sua, constituída por oito filhos de três ou quatro mulheres diferentes, e onde ele, o pai, não sai nada bonito na fotografia. Ainda bem que eu me separei cedo da minha, ou antes felizmente que eles me recambiaram para um colégio armado ao fino e assim pude construir-me sem os traumas dos filhos de Grass. Cito mais uma vez Gide: “Famille, je vous hais!” Eu não chego a tanto, mas que sem ela por perto pude ser quem sou, um ser livre, inteiramente votado à vida, sem os escolhos e orientações que a moral cristã e os preconceitos sociais convocam para dominar, padronizar e meter nos carris da decência o jovem que em adulto corresponda à norma, disso me livrei. Graças a Deus!

         - Em compensação, o romance em verso de Gonçalo M. Tavares Uma Viagem à Índia, não aportando ao panorama literário português nada de verdadeiramente original, é todavia um trabalho merecedor de toda a atenção. Eu havia lido, julgo, duas obras dele que não apreciei. Estava, por assim dizer, de pé atrás. A tal ponto que tinha comprado o livro há muito tempo e ia adiando a sua leitura. Mantenho-o agora sobre a mesa baixa do salão desde que acabei a sua leitura, porque não quero separar-me dele tão depressa. Gonçalo Tavares é dos poucos escritores da nova geração que eu conheço, dos mais interessantes. Se tiver tempo, farei uma apreciação da obra para Maria Estela Guedes.  


         - A Piedade hoje perguntou-me se achava que devia começar “a fazer uma despensa devido à guerra que aí vem”. Pelo que percebi, é o que andam a fazer as velhas aqui do burgo. Talvez tenham razão, mas adiantadas de meia-dúzia de anos. Os grandes países estão mais avançados: nos últimos três anos abasteceram-se de material bélico em quantidades colossais. Nunca se gastou tantos milhões com a guerra que aparentemente nenhum político deseja, mas tudo faz para a ter.