domingo, maio 31, 2020

Domingo, 31.
Não é só o Minneapolis que está a ferro e fogo há quase uma semana, mas também outras grandes cidades em memória de George Floyd, o africano morto sufocado por um polícia com o joelho. Este acontecimento ocorre quando se preparam viagens espaciais para ricaços mais ricaços do mundo, naturalmente, que eu saiba, onde não se inclui nenhum e negro. O que é impressionante e revelador, é o país que apregoa o estatuto de mais opulento, ter tanto desprezo pelos pobres, os negros, aqueles que compõem uma América de mentira onde a pobreza é escondida e atirada para a valeta para que não desmistifique o sonho americano. O exemplo desta América, está inteiro em Donald Trump.  

         - O artigo que não consegui publicar anteontem, aqui vai mostrando o que muitos se recusam a ver:
LISBONNE, ÂME EN PEINE
«Ne prenez pas des photos des enfants s'il vous plaît, ce sont les mêmes que dans vos pays», exhorte une affiche sur le portail d'une école dans le centre historique de Lisbonne. Toute l'année, celle-ci subit des flots de touristes braquant leurs objectifs sur la cour de récré. Le quartier de l'Alfama est devenu un parc d'attractions désincarné: tel est le constat du documentaire d'Aurélien Caillaux pour Le Labo (RTS). Les chif- fres sont éloquents: en 2014, près de 2 ooo appartements étaient en location sur Airbnb; début 2019, plus de 17 ooo, dont l-es trois quarts destinés exclusivement à la location touristique tempo- raire, plus lucrative. Le producteur donne la parole aux responsables de cette gentrification prédatrice et à ceux qui la subissent, désormais soumis à des loyers prohibitifs ou expulsés pour faciliter la réhabilitation et la location d'immeubles entiers. Ici comme ail- leurs, les capitales européennes per- dent leur âme. -Carole Lefrançois From Lisboa

         - Estou instalado no ritmo de Verão: duas horas de trabalho – regas, roçar mato que não pára de crescer, pequenos trabalhos domésticos – logo de manhã antes do calor apertar. Depois confino-me a casa ocupado a escrever, leituras, telefonemas, um ou outro programa de televisão, uma ou outra saída para compras. Falei com o Carlos Soares que um cliente foi buscar e levá-lo de retorno a casa para que o artista acabasse uma escultura o que aconteceu em três dias.  A propósito, deixou aqui estes dois magníficos desenhos que ele me ofereceu e provam que não é só bom escultor como um genial desenhador.

O mundo daqui a 2 milhões de anos. 

O marido do Goucha. 

sexta-feira, maio 29, 2020

Sexta, 29.
António Costa está tão receoso como qualquer português e pensa fechar uma parte da Grande Lisboa onde os novos casos de coronavírus não param de crescer. Sou dos que pensam que o de confinamento foi precipitado e para acalmar os homens de negócios que vêem os lucros a cair. A verdade, porém, está inteira nos números: desde que começou a liberalização do comércio (3 de Maio), segundo as minhas contas, há mais  6.383 novos casos e mais 346 mortes. Deve ser por isto que as ruas, transportes públicos, restaurantes, lojas e escolas estão vazias. Os portugueses têm medo de retomar a vida normal.

         - Há uma cena horrenda e criminosa e impossível de me sair da mente: a morte de um afro-americano por um polícia nas ruas de Minneapolis, no Minnesota. A técnica é simples e eficaz e foi mostrada para todo o mundo por uma cadeia de televisão: o infeliz está no chão e sobre o pescoço tem o joelho do agente da autoridade. O pobre grita que não pode respirar, o polícia não se comove. É preto deve ser assassino e ladrão e tem de morrer. Transportado ao hospital, chega já sem vida. O que se seguiu e acontece desde quarta-feira, foi a revolta: casas incendiadas, mais uma morte, pilhagens, o caos. A Guarda Nacional é chamada a intervir. Trump ameaça com balas reais e chama aos manifestantes nomes inqualificáveis para um Presidente de todos os americanos. Dir-me-ão pobre América. Sim. Sobretudo, pobres cidadãos abandonados à pobreza, ao desemprego, à vida miserável. Mas quem pôs no pedestal da importância Trump? Naturalmente o dinheiro, a ignorância popular, o populismo – tudo isto de costas voltadas à democracia.

         - Noutro continente, utilizando métodos idênticos, está Xi Ximping ping ping, o autocrático senhor da China. Adeus ao acordo entre o Reino Unido e a China, um país, dois sistemas. A partir de agora a manápula tirânica da China sobre Hong Kong é absoluta e a liberdade foi esmagada para sempre. De nada serve a vitória recente da pró-democracia, a autonomia do país está posta em causa, a Constituição do território fechada na gaveta. Resta-nos o apoio – se este vier a acontecer – das principais democracias ocidentais, norte-americanas e outras mais à causa dos jovens que durante seis meses se bateram nas ruas. Ou a coragem, o denodo, do povo de Hong Kong que, estou certo, tem na liberdade a essência suprema da sua existência.  


         - Regas. Carros de erva daninha levados para o fundo da quinta para queimar no inverno. Falei com o António Carmo, a Alzira. 35 graus. Impossível estar na rua depois das dez da manhã. Estou de novo sem parabólica, aguardo a vinda do técnico. A Annie mandou-me esta triste imagem do Portugal que reclama com avidez pela vinda dos turistas.

quinta-feira, maio 28, 2020

Quinta, 28.
A Maya anda há uma semana a prever-me um grande amor que enfeitiçará os meus sentidos. Mas nada. Absolutamente rien de rien. A menos que fosse a abordagem outro dia no Chiado, recheada de sorrisos alvos, voz melodiosa, alguma timidez, desafiando-me para um passo de dança. O problema é que não sei dançar o tango e para aprender preciso de tempo que não tenho. De modo que...

         - Ficou do dia de anteontem, o afago de prazer do café com um babá embebido em rum no Vitta Roma enquanto fazia horas para embarcar de volta a casa

         - As mulheres de Zuckerberg voltaram. Acordaram-me pelas seis da manhã como se estivessem debaixo da minha janela. De facto, estavam junto à vedação que separa as duas propriedades, a uns dez metros. Não percebi o que andavam a fazer nesta altura do ano, com a vinha feita, o manto verde belíssimo a perder de vista. Ouvi-as tagarelar sobre a vida alheia que alimenta milhões no Facebook. Chegam sempre com um homem que quase não se ouve, talvez porque não tenha Facebook e quem não usa esta ferramenta não existe, ou antes, nunca chegou a nascer. Só se foram pelo meio-dia. Suportaram o calor abafadiço que se instalou desde as primeiras horas do dia.

         - É da costumança. Não me sai da cabeça o romance. Seja no Auchan de onde acabei de entrar, ao volante, quando almoço, mesmo quando leio, Semyon atravessa-se no meu pensar. No exercício obsessivo de arquitectar a história, encontrei o modo como o rapaz vai desfazer-se da mãe, a senhora Nataya Yuliova. As pontas começam a juntar-se, ansiando eu pela disciplina quotidiana da escrita.  

         - Reuniram “os mais altos magistrados da nação” para analisar o andamento da Covid-19. Contudo, o que esteve em cima da mesa não parece ter sido a pandemia, mas a economia. Porque se estivesse nas preocupações dos governantes os novos infectados que não param de aumentar, teríamos outro discurso na boca no nosso impagável Presidente da República. Sua excelência está em todas, uma vez que se recusa a confinar-se com eleições no próximo ano. O que ele quer não é vencer as eleições que essas estão-lhe no papo; deseja ser o Presidente mais popular desde a chegada da democracia. Não deixa obra palpável neste seu primeiro mandato, mas isso pouco importa para a populaça das selfis e dos afectos húmidos.   

Estas bombas que aqui abundam, são inimigas do coronavírus  

         - 36 graus. Andei de enxada a capinar no pequeno espaço de hortências junto à piscina. Queria inaugurar a época estival, mas não há produtos para a água em parte nenhuma. Como as fronteiras abrem na próxima semana, vou fazer como de costume e fazem os comerciantes que inflacionam os preços logo à saída das lojas de Badajoz, e vou lá buscar o que necessito por metade do preço. O João e a mulher já se adiantaram para o passeio.

quarta-feira, maio 27, 2020

Quarta, 27.
Ontem no Fertagus, como seguimento do sonho de segunda-feira, o meu cérebro não cessou de efabular durante toda a viagem. Acho que, enfim, estou pronto para me lançar de olhos fechados no Matricida. Mantenho os três capítulos, mas no derradeiro faço a desconstrução da vida que a criança criou para si própria como forma de responder às falsidades e hipocrisias e se defender das acritudes do destino. Nesse capitulo, é revelado o mistério que acompanhou Semyon dos confins da Crimeia até ao Alentejo - lençol de solidão e, talvez, princípio de liberdade conquistada palmo a palmo. O laborioso trabalho da escrita que me aguarda, quero desempenhar-me dele com a leveza formal e narrativa, de forma a que o leitor não sinta dificuldades e a leitura se faça sem empanques. Vou escrevê-lo na primeira pessoa, dando a entender ao leitor como, de resto, já acontece com todos os meus romances publicados, que a história é minha, quero dizer, fui eu que a vivi para agora a contar. Claro que o sudário temático – como desde a Ruptura que teve o prémio revelação do Dário Popular para o romance em 1978, e foi muito bem analisado por Maria Estela Guedes – o estuário narrativo ocupar-se-á das questões sociais e desta vez psicológicas. 

         - João disse-me ontem repetidas vezes que estava magríssimo e devia consultar o médico. Pesei-me esta manhã: 64 kg. – o meu peso ideal. Com o de confinamento fica exposta nos homens e algumas mulheres a gordura acumulada em dois meses de prisão. Que elas e eles deviam ter tido atenção e reduzido para metade o que habitualmente comem e na característica do português é sempre exagerada.  

         - A máscara pode até ter a assinatura de Paula Rego, mas não deixa de ser a insígnia do crime vindo da China. 



         - Nas ruas e estações de comboio, este cartaz da Swatch. “Vai ficar tudo bem” desde que a marca registe a hora de cada óbito... bem entendido. 

terça-feira, maio 26, 2020

Terça, 26.
Pois lá estivemos manhã cedo no café dos nossos felizes encontros. Presentes o Mário (advogado), Paulo Santos (estes telefonaram-me a desafiar), João Corregedor, Teresa, António Carmo, o nosso capitalista de estimação. Como a semana passada, clientes escassos, pouca gente a viajar no Fertagus, metro, nas ruas. Quis ir à hora de ponta e verifiquei que os portugueses temem uma nova onda de coronavírus e conservam-se em casa. João apareceu na forma de um vagabundo, cópia de um sem-abrigo, com uma barba alva, rala num rosto cheio a que a máscara acentuava um toque horripilante de miserável mendigo. Todos nós obrigámo-lo a ir cortar aquela coisa horrorosa à barbearia em frente da Brasileira. Dali, a convite do Paulo, fomos a penates ao Cais do Sodré para um almoço numa esplanada vazia. Momentos simpáticos onde a qualidade e quantidade de temas afloraram naturalmente e constituíram um afecto que não cabe nos afectos do Presidente Marcelo. Paulo que conhece bem a Grécia, contou que por lá os velhos não foram muito atingidos pela Covid-19, devido ao facto de não haver praticamente lares para onde os filhos atiram pais e avós. Os gregos tratam dos seus familiares até ao fim. Recordou também na sequência de um comentário meu sobre a economia e a mentalidade dos holandeses, que foram eles que criaram o Apartheid Só não concordei com o meu amigo quando vagamente percebi que elogiava os jesuítas condenando Pombal. Aí falei grosso. Atirei-me ao séc. XVIII que foi um período sinistro da nossa história.

         - Deixei-o à porta do Museu da Marinha - a sua segunda casa. Continuei a pé até ao Rossio, sob um sol de chumbo, as ruas atravessadas por solitários, restaurantes a oferecer aos passantes pratos a pataco, lojas fechadas. Havia, contudo, um ar de festa que a luz de Lisboa acrescentava o seu quê metafísico, um véu apercebido, uma sombra vadia, um matraquear das horas no relógio de uma igreja., como se o passado tivesse regressado ao presente irreal que aviva as recordações e instala uma miríade do instante o regresso dos mortos queridos que ali deixaram em passos lassos o seu cariz. Os jacarandás em flor na praça D. Pedro IV, sob o fundo do Teatro Nacional, a fachada pombalina que fecha no desenho que o excelente Presidente de Câmara que foi João Soares levantou, transformando o Rossio numa cena teatral de uma beleza imorredoura.



         - Voltei no fim da tarde num comboio de almas pardas. À chegada fui recebido por uma tromba de água de uma violência temível como poucas vezes vi. Durou a coisa uma meia hora. Quando, enfim, me pus ao volante e entrei ao portão, tinha o terraço  ontem aberto ao Verão, com almofadas e equipamento de jardim completamente encharcadas. A quinta, vista dos momentos invernosos, parecia um campo triste renascendo de um momento triste regado das lágrimas que do céu correram para nos afagar da nostalgia do Inverno. De manhã, antes de partir, tinha estado a regar.


         - 100 mil mortos de Covid-19 nos Estados Unidos. O Brasil segue-lhe os passos. Dois países governados por loucos varridos que não sei como foi possível chegarem ao cargo que ocupam. Isto prova que a democracia é um sistema muito frágil que já no século passado elegeu um louco como Hitler. Eles chegam do nada – os salvadores.