Terça,
26.
Pois
lá estivemos manhã cedo no café dos nossos felizes encontros. Presentes o Mário
(advogado), Paulo Santos (estes telefonaram-me a desafiar), João Corregedor,
Teresa, António Carmo, o nosso capitalista de estimação. Como a semana passada,
clientes escassos, pouca gente a viajar no Fertagus, metro, nas ruas. Quis ir à
hora de ponta e verifiquei que os portugueses temem uma nova onda de
coronavírus e conservam-se em casa. João apareceu na forma de um vagabundo,
cópia de um sem-abrigo, com uma barba alva, rala num rosto cheio a que a
máscara acentuava um toque horripilante de miserável mendigo. Todos nós
obrigámo-lo a ir cortar aquela coisa horrorosa à barbearia em frente da
Brasileira. Dali, a convite do Paulo, fomos a penates ao Cais do Sodré para um
almoço numa esplanada vazia. Momentos simpáticos onde a qualidade e quantidade
de temas afloraram naturalmente e constituíram um afecto que não cabe nos
afectos do Presidente Marcelo. Paulo que conhece bem a Grécia, contou que por
lá os velhos não foram muito atingidos pela Covid-19, devido ao facto de não
haver praticamente lares para onde os filhos atiram pais e avós. Os gregos
tratam dos seus familiares até ao fim. Recordou também na sequência de um
comentário meu sobre a economia e a mentalidade dos holandeses, que foram eles
que criaram o Apartheid Só não concordei com o meu amigo quando vagamente
percebi que elogiava os jesuítas condenando Pombal. Aí falei grosso. Atirei-me
ao séc. XVIII que foi um período sinistro da nossa história.
- Deixei-o à porta do Museu da Marinha - a
sua segunda casa. Continuei a pé até ao Rossio, sob um sol de chumbo, as ruas
atravessadas por solitários, restaurantes a oferecer aos passantes pratos a
pataco, lojas fechadas. Havia, contudo, um ar de festa que a luz de Lisboa
acrescentava o seu quê metafísico, um véu apercebido, uma sombra vadia, um
matraquear das horas no relógio de uma igreja., como se o passado tivesse
regressado ao presente irreal que aviva as recordações e instala uma miríade do
instante o regresso dos mortos queridos que ali deixaram em passos lassos o seu
cariz. Os jacarandás em flor na praça D. Pedro IV, sob o fundo do Teatro
Nacional, a fachada pombalina que fecha no desenho que o excelente Presidente
de Câmara que foi João Soares levantou, transformando o Rossio numa cena
teatral de uma beleza imorredoura.
- Voltei no fim da tarde num comboio de
almas pardas. À chegada fui recebido por uma tromba de água de uma violência temível
como poucas vezes vi. Durou a coisa uma meia hora. Quando, enfim, me pus ao
volante e entrei ao portão, tinha o terraço ontem aberto ao Verão, com
almofadas e equipamento de jardim completamente encharcadas. A quinta, vista
dos momentos invernosos, parecia um campo triste renascendo de um momento
triste regado das lágrimas que do céu correram para nos afagar da nostalgia do
Inverno. De manhã, antes de partir, tinha estado a regar.
- 100 mil mortos de Covid-19 nos
Estados Unidos. O Brasil segue-lhe os passos. Dois países governados por loucos
varridos que não sei como foi possível chegarem ao cargo que ocupam. Isto prova
que a democracia é um sistema muito frágil que já no século passado elegeu um
louco como Hitler. Eles chegam do nada – os salvadores.