terça-feira, maio 26, 2020

Terça, 26.
Pois lá estivemos manhã cedo no café dos nossos felizes encontros. Presentes o Mário (advogado), Paulo Santos (estes telefonaram-me a desafiar), João Corregedor, Teresa, António Carmo, o nosso capitalista de estimação. Como a semana passada, clientes escassos, pouca gente a viajar no Fertagus, metro, nas ruas. Quis ir à hora de ponta e verifiquei que os portugueses temem uma nova onda de coronavírus e conservam-se em casa. João apareceu na forma de um vagabundo, cópia de um sem-abrigo, com uma barba alva, rala num rosto cheio a que a máscara acentuava um toque horripilante de miserável mendigo. Todos nós obrigámo-lo a ir cortar aquela coisa horrorosa à barbearia em frente da Brasileira. Dali, a convite do Paulo, fomos a penates ao Cais do Sodré para um almoço numa esplanada vazia. Momentos simpáticos onde a qualidade e quantidade de temas afloraram naturalmente e constituíram um afecto que não cabe nos afectos do Presidente Marcelo. Paulo que conhece bem a Grécia, contou que por lá os velhos não foram muito atingidos pela Covid-19, devido ao facto de não haver praticamente lares para onde os filhos atiram pais e avós. Os gregos tratam dos seus familiares até ao fim. Recordou também na sequência de um comentário meu sobre a economia e a mentalidade dos holandeses, que foram eles que criaram o Apartheid Só não concordei com o meu amigo quando vagamente percebi que elogiava os jesuítas condenando Pombal. Aí falei grosso. Atirei-me ao séc. XVIII que foi um período sinistro da nossa história.

         - Deixei-o à porta do Museu da Marinha - a sua segunda casa. Continuei a pé até ao Rossio, sob um sol de chumbo, as ruas atravessadas por solitários, restaurantes a oferecer aos passantes pratos a pataco, lojas fechadas. Havia, contudo, um ar de festa que a luz de Lisboa acrescentava o seu quê metafísico, um véu apercebido, uma sombra vadia, um matraquear das horas no relógio de uma igreja., como se o passado tivesse regressado ao presente irreal que aviva as recordações e instala uma miríade do instante o regresso dos mortos queridos que ali deixaram em passos lassos o seu cariz. Os jacarandás em flor na praça D. Pedro IV, sob o fundo do Teatro Nacional, a fachada pombalina que fecha no desenho que o excelente Presidente de Câmara que foi João Soares levantou, transformando o Rossio numa cena teatral de uma beleza imorredoura.



         - Voltei no fim da tarde num comboio de almas pardas. À chegada fui recebido por uma tromba de água de uma violência temível como poucas vezes vi. Durou a coisa uma meia hora. Quando, enfim, me pus ao volante e entrei ao portão, tinha o terraço  ontem aberto ao Verão, com almofadas e equipamento de jardim completamente encharcadas. A quinta, vista dos momentos invernosos, parecia um campo triste renascendo de um momento triste regado das lágrimas que do céu correram para nos afagar da nostalgia do Inverno. De manhã, antes de partir, tinha estado a regar.


         - 100 mil mortos de Covid-19 nos Estados Unidos. O Brasil segue-lhe os passos. Dois países governados por loucos varridos que não sei como foi possível chegarem ao cargo que ocupam. Isto prova que a democracia é um sistema muito frágil que já no século passado elegeu um louco como Hitler. Eles chegam do nada – os salvadores.