Quinta,
7.
Não
há pachorra. Ou antes eu não tenho. É deprimente ver-se os noticiários das
estações de televisão, aquela lengalenga, sempre os mesmos a debitar as mesmas
notícias, cada uma mais atroz que a outra, num espectáculo depressivo, sádico, que
eles dizem ser serviço púbico e eu digo ser a feira de vaidades de uns quantos
políticos e jornalistas, comentadores e oportunistas. Ainda por cima estou à
espera de um técnico há três dias que venha consertar a antena parabólica que
deposita aqui no salão coisas bem mais vivificantes que as que nos impingem as
TVs nacionais com blandícia especial para falar “em família” ou “lá para casa”.
Se o ridículo pagasse imposto, esta gentinha estava toda depenada.
- Desde domingo que não saio e quase
esqueci que o mundo existe na sua mundanidade febril, ocupado com a minha
pequena vida e a grande vida de Semyon. O mundo inteiro vai da janela onde
estou a escrever à secretária ao muro de verdura lá longe onde o meu olhar bate
entontecido e por vezes desfocado. É aqui o centro do mundo como dizia o meu
vizinho Agostinho da Silva quando se sentava no jardim do Príncipe Real. É
também aqui que o silêncio aberto redopia, sobe e desce, num ternurento
movimento que abraça o universo inteiro e enche as horas do seu rumor embalador
e lava as fissuras da alma e me serve de âncora. Possuir este silêncio, é ser o
humano mais bafejado pela antecipação da eternidade. É de lá que vem o aceno
deste elemento livre e inteiro, que revolta os ditadores e protege os
oprimidos, reconstitui a vida e projecta a prece. Ouço por entre o seu
sussurro, a litania dos que vão a enterrar na solidão mais completa e inumana
que a hora tece. Paz às suas almas.
- A mim não me interessa escrever bem
– interessa-me ter ideias.
- Com a Piedade que decidiu voltar de
confinamento, iniciámos e terminámos um grande trabalho de limpeza nos dois
telheiros e na casa das máquinas. Ficou tudo num brinco e a maior parte do que
eu fui acumulando foi para o lixo, desimpedindo assim espaços e tornando tudo
mais acessível. Resta terminar de cortar o mato e, se tudo correr bem, acordar
a água no início do próximo mês e tratá-la.
- Ontem andei numa roda-viva devido à
morte súbita da Cristina. Estava há anos imobilizada num sofrimento atroz e foi
um alívio para ela e para todos nós o seu fim. Com este tempo sinistro sob
muitos aspectos, não haverá reunião da família e amigos. O corpo foi depositado
numa câmara frigorífica mas o Nuno, através da igreja, conseguisse que visse a
mãe. Ele representará a família nas exíguas exéquias.