Quinta,
14.
À
medida que a pouco e pouco a Covid-19 é empurrada para as periferias do inferno,
reinstalam-se as habituais crises políticas, somos de novo invadidos pela canga
do futebol, e a vida retoma o ritmo sensaborão de outros tempos. O primeiro
aviso vem do trio primeiro-ministro-ministro das Finanças-Novo Banco tendo,
claro, sempre a sombra pardacenta do Chefe de Estado. Tudo a propósito de 2
milhões de euros que o banco quer dar (não sabemos a que título) a cada
administrador e uma suposta auditoria que se deveria realizar antes de Centeno
ter libertado um empréstimo de vários milhões ao antigo BES. Fê-lo ao abrigo do péssimo acordo feito pelo
PSD no tempo da troika, e que agora se atira com unhas e dentes ao actual
ministro das Finanças, tentando derrubá-lo do poder. Mário Centeno cumpriu o
que era suposto cumprir. Ponto Final. Contudo, contudo, dizem os sabichões dos
senhores jornalistas, Costa anda de candeias às avessas com o amigo Centeno por
este não lhe passar cartão. Vai daí, juram os funcionários jornalistas, Centeno
vai ser corrido do cargo. António Costa não vê hora de se libertar do controlador
financeiro, para gastar à tripa forra no embalo dos ventos de maré que o
coronavírus lhe trouxe. A verdade, porém, é esta: sem os planos contidos do
ministro e a mais-valia por ele alcançada, hoje estaríamos numa situação
catastrófica. António Costa não deve dispensar um trabalhador incansável como
Mário Centeno. E de tudo isto, quem sai bem é o ministro. Assim como dos
analistas (ai os analistas, santo Deus!), o melhor por ser o mais coerente, é
José Gomes Ferreira da SIC.
- Há, todavia, uma outra reflexão a
fazer: e as empresas geridas pelo Estado? Quantas são as que estão falidas como
o banco, mas os seus sucessivos gestores nomeados pelos contínuos governos, não
obstante o estado de falência, auferiram (e auferem) salários principescos? Que
moral é esta! Dá a impressão que a gestão da nação, é feita por um punhado de
gente em rotação permanente, naturalmente muito competente, mas que ao cabo de
um ano e às vezes meses, são despejados com o bolso cheio e a competência arrogante
pelas ruas da amargura. É por estas e por muitas outras que o dinheiro não
chega para tirar o país da cauda dos mais pobres da Europa.
- A violência e a injustiça rasgam-me
o coração. Não me calo, nem nunca me calarei. Acho que já aqui falei no caso,
mas não temo repetir-me, até porque o processo trouxe mais claras culpas aos
agentes selvagens que levaram à morte o ucraniano Sr. Ihor Homenyuk. O infeliz
queria ficar em Portugal e entrou no nosso país por avião. A barreira do CIT
(Centro de Instalação Temporária) anexa ao Serviço de Estrageiros e Fronteiras
(SEF) do Aeroporto de Lisboa, travou-o manietando-o com fita-cola, algemas e
ligaduras, deixando-o prostrado no chão durante 15 horas. Vários agentes,
enfermeiros e até um médio, viram-no naquela situação e nada fizeram. Três
agentes do SEF foram constituídos arguidos num procedimento de uma violência
horrenda, onde aconteceu de tudo ao pobre imigrante, dois dias antes após a sua
entrada em Portugal que, de resto, lhe fora recusada. O homem, segundo
testemunhos de outros agentes, era calmo e mesmo cordato, nunca tendo sido
violento. Uma das três bestas que o agrediu até à morte, gabava-se: “hoje já
nem preciso de ir ao ginásio”. A sessão foi completa: socos e pontapés e com um
bastão aos gritos, exigiam ao mártir que permanecesse quieto. Em consequência o
ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, demitiu a Direcção de
Fronteira de Lisboa, incluindo o director António Sérgio Henriques.
- Ainda mais uma observação. Eu acho
que a admissão de polícias e agentes vários, não tem sido muito cuidada. Se
olharmos para a quantidade de casos e os avisos da Amnistia Internacional, vemos
que a Polícia não está ao serviço dos cidadãos, mas estes subordinados à sua
autoridade déspota. Alguns mancebos que vejo com a farda, parecem rufias
engalanados sem perfeita noção do seu dever de servir os cidadãos e os
proteger. A farda dá-lhes o poder que suplanta e enroupa as suas origens maceradas
na revolta e humilhação. É uma Polícia ao jeito do fascista, eu quero, posso e
mando, para quem o povo é pião domesticado que cala e consente. Não digo que é
tudo assim, decerto longe disso. Mas a minha experiência recente, mostrou-me
uma organização que não gosta de ser afrontada pela razão e a verdade. A
hierarquia comanda o bom e o mau, embora este seja muitas vezes encoberto. Em
democracia a autoridade partilha-se com os cidadãos. Somos um único corpo, a
justiça e a ordem emanam da Constituição. É tão simples como isto.
- Sob o céu ameaçando chuva, meti mãos
à obra e prossegui no corte do mato em torno da piscina. No escritório, tendo
em fundo o ruído da Piedade limpando a cozinha. Falei com Nieto, Annie, António
Carmo. São 4 horas e 17 minutos.
“Oh, que c´est merveilleux les accantes en
fleur! »