quinta-feira, maio 14, 2020

Quinta, 14.
À medida que a pouco e pouco a Covid-19 é empurrada para as periferias do inferno, reinstalam-se as habituais crises políticas, somos de novo invadidos pela canga do futebol, e a vida retoma o ritmo sensaborão de outros tempos. O primeiro aviso vem do trio primeiro-ministro-ministro das Finanças-Novo Banco tendo, claro, sempre a sombra pardacenta do Chefe de Estado. Tudo a propósito de 2 milhões de euros que o banco quer dar (não sabemos a que título) a cada administrador e uma suposta auditoria que se deveria realizar antes de Centeno ter libertado um empréstimo de vários milhões ao antigo BES.  Fê-lo ao abrigo do péssimo acordo feito pelo PSD no tempo da troika, e que agora se atira com unhas e dentes ao actual ministro das Finanças, tentando derrubá-lo do poder. Mário Centeno cumpriu o que era suposto cumprir. Ponto Final. Contudo, contudo, dizem os sabichões dos senhores jornalistas, Costa anda de candeias às avessas com o amigo Centeno por este não lhe passar cartão. Vai daí, juram os funcionários jornalistas, Centeno vai ser corrido do cargo. António Costa não vê hora de se libertar do controlador financeiro, para gastar à tripa forra no embalo dos ventos de maré que o coronavírus lhe trouxe. A verdade, porém, é esta: sem os planos contidos do ministro e a mais-valia por ele alcançada, hoje estaríamos numa situação catastrófica. António Costa não deve dispensar um trabalhador incansável como Mário Centeno. E de tudo isto, quem sai bem é o ministro. Assim como dos analistas (ai os analistas, santo Deus!), o melhor por ser o mais coerente, é José Gomes Ferreira da SIC.

         - Há, todavia, uma outra reflexão a fazer: e as empresas geridas pelo Estado? Quantas são as que estão falidas como o banco, mas os seus sucessivos gestores nomeados pelos contínuos governos, não obstante o estado de falência, auferiram (e auferem) salários principescos? Que moral é esta! Dá a impressão que a gestão da nação, é feita por um punhado de gente em rotação permanente, naturalmente muito competente, mas que ao cabo de um ano e às vezes meses, são despejados com o bolso cheio e a competência arrogante pelas ruas da amargura. É por estas e por muitas outras que o dinheiro não chega para tirar o país da cauda dos mais pobres da Europa.  

         - A violência e a injustiça rasgam-me o coração. Não me calo, nem nunca me calarei. Acho que já aqui falei no caso, mas não temo repetir-me, até porque o processo trouxe mais claras culpas aos agentes selvagens que levaram à morte o ucraniano Sr. Ihor Homenyuk. O infeliz queria ficar em Portugal e entrou no nosso país por avião. A barreira do CIT (Centro de Instalação Temporária) anexa ao Serviço de Estrageiros e Fronteiras (SEF) do Aeroporto de Lisboa, travou-o manietando-o com fita-cola, algemas e ligaduras, deixando-o prostrado no chão durante 15 horas. Vários agentes, enfermeiros e até um médio, viram-no naquela situação e nada fizeram. Três agentes do SEF foram constituídos arguidos num procedimento de uma violência horrenda, onde aconteceu de tudo ao pobre imigrante, dois dias antes após a sua entrada em Portugal que, de resto, lhe fora recusada. O homem, segundo testemunhos de outros agentes, era calmo e mesmo cordato, nunca tendo sido violento. Uma das três bestas que o agrediu até à morte, gabava-se: “hoje já nem preciso de ir ao ginásio”. A sessão foi completa: socos e pontapés e com um bastão aos gritos, exigiam ao mártir que permanecesse quieto. Em consequência o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, demitiu a Direcção de Fronteira de Lisboa, incluindo o director António Sérgio Henriques.

         - Ainda mais uma observação. Eu acho que a admissão de polícias e agentes vários, não tem sido muito cuidada. Se olharmos para a quantidade de casos e os avisos da Amnistia Internacional, vemos que a Polícia não está ao serviço dos cidadãos, mas estes subordinados à sua autoridade déspota. Alguns mancebos que vejo com a farda, parecem rufias engalanados sem perfeita noção do seu dever de servir os cidadãos e os proteger. A farda dá-lhes o poder que suplanta e enroupa as suas origens maceradas na revolta e humilhação. É uma Polícia ao jeito do fascista, eu quero, posso e mando, para quem o povo é pião domesticado que cala e consente. Não digo que é tudo assim, decerto longe disso. Mas a minha experiência recente, mostrou-me uma organização que não gosta de ser afrontada pela razão e a verdade. A hierarquia comanda o bom e o mau, embora este seja muitas vezes encoberto. Em democracia a autoridade partilha-se com os cidadãos. Somos um único corpo, a justiça e a ordem emanam da Constituição. É tão simples como isto.


         - Sob o céu ameaçando chuva, meti mãos à obra e prossegui no corte do mato em torno da piscina. No escritório, tendo em fundo o ruído da Piedade limpando a cozinha. Falei com Nieto, Annie, António Carmo. São 4 horas e 17 minutos.

                                          “Oh, que c´est merveilleux les accantes en fleur! »