Quinta,
21.
Soltaram
o futebol e a lorpice que o acompanha. Leio nos jornais que a partir da próxima
semana vai haver um jogo todos os dias transmitido pela televisão. A overdose,
diz uma sujeita plácida e sem timbre na voz, é para compensar a falta dele
durante o confinamento. Se alguém tinha dúvidas que nada ia mudar, aí estão os
primeiros prenúncios. Vamos continuar a ser esmagados por esta associação de
ignorantes que impõe o gosto ao povo e fazem dele matéria babaca da sua
importância. Este é o país de Salazar que continua a governar-nos do alto da
sombra tenebrosa da sua autoridade. Quantas gerações são ainda necessárias
passar para que Portugal se torne um país de futebol, sim, mas também de
cultura, ciência, diverso e plural nos gostos, na curiosidade, no empenho pela
diversidade?
- O desemprego subiu para números
insustentáveis. Isto em dois meses apenas. Esta imagem do país é síncrona com a
totalidade dos políticos que o governaram. Um vírus chegou para desfazer o país
de sucesso, rico, equilibrado que a política aldrabona apregoava. Tudo é
frágil, rasteiro, humilde, pequenino, vulnerável. Grandes só os políticos, os
banqueiros, os preceptores do futebol, e pouco mais. Desde o 25 de Abril que
nenhum partido, governo ou entidade pública, conseguiu fazer um plano para o
futuro, uma programação a médio e longo prazo, andámos a apanhar bonés,
contentinhos com o transitório, o rasteiro, a felicidade banal, uma refeição,
uma oração, uma partida de futebol, um concurso televisivo, manhãs e tardes
diante da televisão a escutar o patuá culto dos apresentadores que minutos
antes se abastecem de conhecimento no Google. Enquanto povo somos pouco
exigentes, demasiado conformistas, bajuladores dos poderosos, chorosos e
alheados das responsabilidades que nos cabem no conjunto do nosso destino
comum. Não pensamos pela nossa cabeça –
somos robots capitaneados por uma plêiade de chicos-espertos com pouca ou
nenhuma formação.
- Veja-se o poder dos banqueiros. Por
exemplo: o Novo Banco aumentou em três anos os salários dos administradores setenta
e tal por cento! Um banco que dá prejuízo, que está a ser financiado pelos
contribuintes! Como é isto possível! Eu já disse e volto a repetir-me: o melhor
negócio hoje é ser dono de um banco. Nunca entra em falência, os seus gestores
ganham fortunas, mandam, querem e podem, submetem povos e políticos e ainda se
riem nas suas ventas. E não estão sós. Os senhores gestores, nomeados pelo
governo, quero dizer pelo partido, para dirigir as empresas públicas falidas,
auferem ordenados fabulosos e depois não há dinheiro para reduzir a vala entre
ricos e pobres, subir o nível de vida da classe média, dar conforto e cultura a
toda a gente. Como na canção, “eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam
nada...”
- Falei com o Paulo Santos, Carlos
Soares e João Corregedor (39 minutos imaginem de quê). Comecei a limpar o
relvado na parte sul da casa. Dia imaginativo, terno, harmonioso. Estou a ler
embevecido os ensaios críticos de T.S. Eliot. Que voz! Que expressiva
inteligência em matérias diversas! Virgínia Woolf tinha inveja de uma cabeça
assim.