terça-feira, março 31, 2015

Terça, 31.
Os políticos encartados gritam vitória na Madeira, fingindo não ver o desastre para a democracia e para a sua própria credibilidade com 50,3 por cento de abstenções. Há em tudo isto uma tremenda irresponsabilidade que tarde ou cedo se irá pagar caro, muito caro.


         - Esta manhã passei na Brasileira. O meu grupo de pintores estava reduzido a dois e mais tarde a três. Durante a hora que estive com eles, falou-se apenas de doenças e velhice. Um deles que eu estimo muito, tinha sido operado à próstata há três anos, está de novo com problemas. Tem 83 e diz que fez os cálculos para só viver até aos 65, está portanto pronto para partir. Outro tem diabetes e caiu há pouco tempo e partiu umas costelas. O médico aconselhou-o a usar bengala. Até aos 65 nunca tinha tomado um medicamento. Hoje engole dez por dia, mas... parte ao meio cada um. O clínico não sabe. Tem 90 embora pareça ter sessenta e poucos. O terceiro engordou tanto que já não tem paciência para vir a uma quinta que tem aqui perto de Palmela. Diz que vai vendê-la. Eu que estou ainda longe daquelas primaveras e achaques, fugi espavorido apesar de a conversa ter sido divertida.

segunda-feira, março 30, 2015

Segunda, 30.
Os esclarecidos senhores deputados marcaram julgo por unanimidade a data em que Eusébio será transladado para o fascizante Panteão Nacional. O motivo principal, aquele que o eterniza como valor supremo da inteligência e da moral nacional, segundo as luminárias parlamentares, é o facto de ter ganho duas bolas de ouro e ter levado o bom nome de Portugal aos quatro cantos do mundo... aos pontapés. Imagino que, quando chegar o momento dos nossos políticos, cientistas, artistas, escritores não haja lugar tendo em conta que já têm sarcófago reservado um Ronaldo, um Figo  e mais não sei quantos porque eu desse ouro não percebo patavina e nem sabia que o Panteão tinha sido construído para armazenar tipos que ganham bolas de ouro...

         - A prova que Deus existe é a sua constante busca ao longo de dois mil anos e já antes de Jesus Cristo pelos Profetas. Se lermos atentamente a Bíblia através dos tempos, verificamos que ela não divergiu muito consoante foi sendo interpretada por este ou por aquele Profeta. 

         - A prova de que os franceses odeiam a política seguida pelos socialistas, está no facto de reporem pelo voto um tipo sinistro chamado Nicolas Sarkosy. É preciso detestar tão profundamente um homem e um partido, para ceder o lugar a alguém coberto de sujidade até à raiz dos cabelos. 


         - Aconselho a leitura do artigo de Vasco Pulido Valente no Público de ontem. Marca pela síntese, pela memória histórica, pela lucidez e pelo confronto que desde Marx tem oposto o sistema capitalista ao operariado para rematar no frente a frente da pequenez dos nossos capitalistas e da pobreza dos nossos funcionários e assalariados (os operários são hoje quase residuais no contexto da História que começou com Estaline).  Ele, VPV, não vai ao ponto de afirmar como eu que a estátua ao senhor todo poderoso do BES, que teve direito a um venerando aperto de mão de todos os deputados (não escapou um, o respeitinho é muito bonito), quando da última presença na Assembleia, está já a ser esculpida por um notável artista nacional.

domingo, março 29, 2015

Domingo, 29.
Não sei se acredito em tudo o que vejo atribuído ao infeliz co-piloto que matou 150 pessoas. A namorada veio dizer que ele lhe tinha dito uma vez que ainda haveriam de falar dele no mundo inteiro. Outra notícia fala de uma namorada grávida (não sei se será a mesma). Outra ainda cita uma doença psicológica grave, ao ponto de ele estar de baixa e ter escondido da companhia de aviação o seu estado. Como num romance há para todos os gostos. Do que eu não ouço falar muito é da Lufthansa e das suas responsabilidades e implicações na tragédia. O pobre tresloucado já cá não está para se defender. Estamos nas mãos de Deus. Perante um mundo tão desgraçado, uma época tão manipuladora, tão indiferente aos dramas pessoais de cada triste incógnito que passeia descontraído pelo mapa dos conflitos diários, só o aconchego divino nos reconforta e nos dá confiança em prosseguirmos o caminho que Ele nos traçou. Penso em todas as famílias que legitimamente choram os desaparecidos, e penso também na família do desditoso que está duplamente exposta à dor.


         - Imprevisto profundo abate ontem todo o dia que me levou à cama pelas dez horas. Paralisia. Sonolência. Peso medonho na cabeça. Insatisfação. Desistência. Absoluta aproximação à morte.  Um aceno de precipício. Um olhar turvo sobre os livros, os quadros, as árvores, toda esta atmosfera que me envolve e que tenho a fraqueza de estimar. Sensação de expirar no meio das ruínas de um mundo imaginário...

sexta-feira, março 27, 2015

Sexta, 27.
A falsa moral e a ignorância que ataca uma certa camada de americanos que se querem substituir a Deus, está patente no primeiro parágrafo que um iluminado advogado da Califórnia, de seu nome Matt MacLanghlin, ao pretender a pena de morte para os homossexuais. Diz ele: The abominable crime against nature known as buggery, called also sodomy, is a monstrous evil that Almighty God, giver of freedom and liberty, commands us to suppress on pain of our utter destruction even as he overthrew Sodom and Gomorrha. Mas o monstro, vasculhada a sua vida íntima, verifica-se que ela contém muito mais passagens que ofendem a Deus que toda a “imoralidade” muitas vezes difícil de carregar por aqueles que ele quer levar a pena capital. Desde o tempo de Henry Labouchère, autor da legislação anti-homossexual que não se via nada assim. De resto a palavra homossexualidade só entra no jargão diário a partir de 1880 conoctada como  perversão a tratar e não como um vício a punir como então era norma.

         - Ontem comecei a escaldeirar as figueiras para depois as adubar. Trabalho monstruoso tendo em conta que só um vetusto exemplar ocupou-me duas horas. Piedade que se pôs a dada altura a apreciar o trabalho, surpreendeu-se pela perfeição do empenho. Disse-lhe: “Ou faço as coisas bem feitas, ou não faço. – É como o meu neto. Igual.”   


         - Ainda o suicídio do co-piloto do avião alemão. Constato que as companhias falam agora em duplicar os pilotos, além de os países repensarem a segurança imposta pelos Estados Unidos. Eu continuo a pensar que tudo isto é sinistro. É ver como eu vi quando viajava na Easyjet aquele vai e vai constante, pousar e levantar, facturar e facturar, arrastar milhares de pessoas por aeroportos superlotados, horas infindas de espera, metidos numa espécie de rodilha de cansaço, sem humanização nenhuma, delicadeza ou respeito pelo passageiro individualmente. A democratização tão cara a muita gente analfabeta, leva à destruição do prazer, da aventura, e torna tudo nivelado por baixo, mas de forma a que a multidão não perceba que não vale mais do que um punhado de euros.

quinta-feira, março 26, 2015

Quinta, 26.
As dúvidas que andavam no ar relativamente ao voo da Germanwings que se estatelou nos Alpes franceses, dissiparam-se sob a forma inusitada de um crime. Ouvidas as “caixas negras” do avião, estão lá registados os momentos que antecederam a descida vertiginosa para a morte. O seu autor: o co-piloto, de 28 anos, de nacionalidade alemã. Enquanto o comandante deixou por instantes o cockpit, ele trancou a porta por dentro e com incrível sangue frio premiu o botão do precipício levando consigo 150 passageiros de várias nacionalidades. A um mistério segue-se outro: que razões o levaram àquele acto extremo, quem era ele, às ordens de quem escolheu morrer e levar para o desconhecido tanta gente inocente?


         - Muitas questões são agora objecto de análise. Sobretudo após o 11 de Setembro, sob pressão dos americanos e contra o parecer dos pilotos, as leis da aviação foram mudadas. Por exemplo a que adoptou o isolamento dos comandantes e co-pilotos na cabina. Percebeu-se por este crime que quem tinha razão em não querer adoptar tal regra, eram os profissionais da aviação. Este acto trágico só foi possível porque o co-piloto trancou o dispositivo ao seu alcance e impediu que o seu colega acede-se ao cockpit, não obstante a tentativa deste para arrombar a porta. Mais. A ganância em ganhar mais e mais aligeirou as responsabilidades. As companhias aéreas desistiram de investir nos profissionais preferindo as tecnologias que um dia levarão centenas de milhares de passageiros comandados por um simples botão. Dizia não sei quem, que o alvo dos accionistas é que siga apenas um comandante. Sai mais barato e os passageiros que se lixem, são gado que vão para abate. Razão tinha o meu saudoso amigo Jean-Paul quando me dizia do alto da sua competência, que nunca viajaria em low cost e o que via acontecer nas companhias de pedigree, não era diferente das dos comichosos. Pela minha parte, há anos que não opto pelas low cost. Prefiro pagar um pouco mais a ser tratado como ovelha tresmalhada. Dir-me-ão: uma loucura destas pode acontecer em qualquer empresa. Eu interrogo-me: pode?