Quarta,18.
Este derradeiro capítulo que me desmorona,
tive de o suspender quando senti que a alucinação estava a apoderar-se de mim e
as rédeas da narrativa iam por ali fora sem controlo. Então pensei compensar-me
e peguei no corta-relva e fui aparar os relvados frente à casa e o que rodeia a
piscina. Mas não larguei o pensamento do trabalho. Enquanto ia de um lado ao
outro do espaço, pensava nas minhas personagens e no modo como resumir uma vida
– em verdade três vidas – a da personagem principal, do filho e a minha até
aqui tida nem achada. Eu acredito que a arte só é digna desse nome, quando
atinge os limites do desconcerto e plana acima da realidade para fazer dela
algo credível a partir do qual a simulação se transforma em adstrito. O homem
só é determinante quando pela vivência adquiriu experiências capazes de
traduzirem numa simbiose toda a dor do mundo. Heidegger falava na natureza
humana como estrutura sintética, como completude dotada de essência. A verdade
porém, é que não há ideias sem pensamento, não há pensamento sem palavras. O
imprevisto é muitas vezes aquilo que tanto enaltece como conduz à morte. A vida
no final fica liquidificada no suspiro que a interrompe. Contudo, mesmo morto,
o homem deixa um passado e é desse passado que se compõe as quinhentas páginas
do livro. Ou seja de história: política, religiosa, amorosa, quotidiana...
- Putin andou afastado duas semanas dos palcos políticos e logo um
chorrilho de razões vieram de todos os quadrantes. Um deles dizia que ele tinha
ido fazer um botox – é talvez o mais certeiro tendo em conta o actor que há em
cada político.
- Ontem todo o dia choveu. Bendita água que nos mandou o céu. Estive em
Lisboa e fui ver o pequeno apartamento que o Príncipe comprou na Rua da
Madalena. Eu que ajudei decorá-lo de longe, quero dizer, através da internet.
Príncipe, cada peça que encontrava no OLX ou no ibay, pedia-me que espreitasse
e lhe desse opinião. Como pied a terre
seria o ideal para mim, para viver nem por isso.
- Imprevistas recordações de Viena d´Áustria: a pastelaria Demel onde
gostava de ir comer uns saborosos doces de frutas e chocolate, o mercado
principal, um mundo fabuloso onde me perdia em deambulações, os olhos e o
olfato atentos ao que as bancadas ofereciam de melhor, a fauna dos seus
frequentadores às primeiras horas do dia, as esplanadas para dois dedos de
conversa e uma chávena de café, o carrego da tradição e bom-gosto da cidade. O
mesmo que encontrei em Estrasburgo há uns anos quando lá fui pela primeira vez.
- Regresso a casa debaixo de chuva já a noite se estatelara sobre a
cidade e o Tejo. O barco que me trouxe, àquela hora pela primeira vez, cheio de
gente cansada que procurava avidamente um lugar para se atirar literalmente
exausta para a cadeira.
- Começo a ter pena do Sócrates. Às vezes ainda o vejo em imagens
passadas na TV de peito inchado a inaugurar porcarias com a mesma parecença da
sua cara-de-pau. Agora o achincalhamento veio através de umas tristes almas que
compuseram um hino em sua defesa. Que tristeza! Que pelintrice! Por duas vezes seguidas o Tribunal da Relação rejeitou
o habeas corpus para a sua libertação.
As medidas de coação vão continuar pelo menos mais três meses. O ditado
cumpre-se às mil maravilhas: quanto mais alto sobes, maior é o tombo.