quarta-feira, março 11, 2015

Quarta, 11.
Oscar Wilde. À medida que vou conhecendo ao pormenor o destino de um ser original e de um escritor talentoso, mas também do homem que usava e abusava dos seus dotes pessoais e oratórios, mais me convenço que tudo isso que o destino lhe trouxe às mãos cheias, não lhe deu maiores defesas para a vida. Depois impera na sua vida aquele ditado que diz quanto mais uma pessoa sobe maior é o trambolhão. No fundo, Wilde é arrastado para a desgraça, o precipício e a humilhação, porque simplesmente se deixou enredar com uma figura vulgar, Lord Alfred Douglas, filho de um crápula, o marquês de Queensberry, que tinha de particular que tanto endoidecia o escritor, o facto de ser loiro, uma juventude efervescente e, talvez, digo eu, uma atracção pelo vício que é em alguns seres mais inebriante que um físico agradável e sensual. Wilde, sem se dar conta, era um escravo nas mãos do that little horror como ele diz em De Profundis, que lhe extorquia somas astronómicas, o empurrava para o lodaçal londrino onde a prostituição masculina brotava das pensões baratas, num aviar rápido onde só contava o prazer desmesurado, com os seus cheiros ad nauseam a esperma, a corpos suados a vazio... Na prisão para onde o conduziu o pai do monstro loiro, Oscar repetia, e repetia: “Eu amava-o.” Após dois anos de trabalhos forçados na prisão, o seu coração não endureceu e na página (uma só por dia) que o carrasco lhe levava à célula, ele desabafava: “You are ruiming my life.” Bosie escarnecia, gozava a situação, pedia mais e mais dinheiro. Wilde cedia, cedeu sempre. Em liberdade, o libertino prosseguia nos seus encontros ocasionais e nunca visitou o preso nº C.3.3 nem lhe escreveu uma só carta. Um amor assim só pode ser sagrado.


         - Difícil, muito penoso o trabalho deste último capítulo, feito e refeito mil vezes, esgotante a solicitar um esforço hercúleo da minha parte. Saio arrasado todas as manhãs, os nervos em franja, o cérebro numa poalha. Que a arte, a inspiração, ou seja lá o que for me leve onde me pede o dia em que ao fim de oitenta anos os dois personagens se reencontram num revérbero que une os extremos das suas vidas atravessadas pelas memórias do momento primeiro quando se encontraram num puro acto de amor.