Terça, 3.
Ontem vi com interesse Prós & Contras dedicado ao tema do
cérebro e do futuro que nos espera quando o desarrumamos. Algumas intervenções
com informação curiosa, nomeadamente, quanto às novas drogas que podem ampliar
e até introduzir aptidões de vária ordem no ser humano. O tema interessou-me
sobremaneira porque veio na sequência da exposição de que aqui falei a semana
passada. Pena que nenhum dos cientistas, médicos ou filósofos que antes da menina
Judite puseram pés ao caminho para nos alertar para o futuro não muito distante
que nos espera, tivesse sido convidado. Normalmente aquele programa que
pretende encher o serão das segundas-feiras da RTP1, peca por demasiado
extenso. Eu desligo à meia-noite e meia hora porque a partir daí os cérebros
dos excelentíssimos cientistas, convidados e público presente fecham,
embrulham-se no cansaço e não debitam nada de novo. Estive para intervir por
mail, porque achei que o importante que me preocupa não foi ali sequer
abordado: a ectogénese, o biformismo, a chamada boa eugenia, a possibilidade de
um dia podermos ser descaracterizados para dar lugar a todas as loucuras que formarão
a nova ética à medida dos manipuladores, do mercado, dos ditadores e da ciência exuberante
que entrará na disputa entre nações ricas, dado que as pobres serão as cobaias
da loucura dos cérebros inteligentes soprados como balões por génios
construídos em laboratório.
- A Natureza interfere já com os humanos, dá-lhe safanões para os acordar
da letargia do Inverno demasiado longo, pica-os com a seiva que derrama,
perfuma-os com os bálsamos das flores, das árvores decoradas de muitos cambiantes,
trava-lhes o passo para os plantar de olhos pasmados diante do esplendor que chega
com a Primavera, obriga-os a abrir os pulmões ante o ar rarefeito das manhãs
luminosas, das tardes embrulhadas nas primeiras poeiras do sol, do chilreio
dos pássaros vindos de longe numa alegria estonteante que nos toca, nos sacode,
nos extasia, o próprio timbre do silêncio é mais aberto, expande-se mais alto
ou desce abrupto sobre o campo num murmúrio santo, espécie de liturgia
sossegada, sem palavras, num vibrante quedo à hora de a noite se fechar e com
ela todo o mistério que em cada ano transuda sobre a terra um hino ao Criador
de todas estas maravilhas.