Quarta,
25.
Há
muitos anos que acompanho o percurso literário de Herberto Helder. Nem de tudo
gosto. Agora o que sempre apreciei foi a sua reserva pessoal, o seu timbre
único, a sua modéstia nobre, a maneira como se entregou à sua arte sem se
servir dela como fazem hoje as centenas de “escritores” que de repente
invadiram o mercado com um produto aldrabado depressa apodrecido exalando um cheiro
nauseabundo nas bancas dos alfarrabistas de becos. Conheci-o (sem o conhecer)
na Brasileira nos tempos do reviralho. Mais tarde, topei-o muitas vezes numa
esplanada das avenidas novas, sempre só, vestido do mistério das pessoas que
escolheram a solidão para melhor aprofundarem o enigma da existência. Uma
pessoa só é de si um mundo fabuloso, um livro em paráfrases e anamneses que nos
atira e retrai. Quando nela habita um poeta é a transfiguração num ente
superior que plana nas alturas sublimes onde só a poesia reconhece os seus
cultores.
- Como Oscar Wilde que não resisto de
trazer ao meu convívio este fragmento da carta que ele escreveu da prisão ao
seu amigo Adey: Je reconnais que la
perspective d´un autre hiver en prison me remplit d´effroi. Il faut se lever
bien avant l´aurore et s´activer dans la sombre cellule froide á la lueur des
becs de gaz. Il semble que seule la tristesse puisse filtrer à travers la petit
fenêtre à barreaux et les journées se passent souvent sans qu´on ait pris une
seule bouffée d´air pur, des journées où l´on sufoque, des journées qui n´en
finissent pas dans leur lúgubre monotonie lourde d´apathie ou de désespoir.
- A pouco e pouco vão-se conhecendo
mais pormenores da tragédia ocorrida ontem em França com o avião da
Germanwings. Os destroços que as equipas da polícia descobriram nos vales
escavados da montanha, dão a imagem de uma impulsão. O que resta do choque a
1.500 metros de altitude, são fragmentos minúsculos disto e daquilo distribuídos
por vários hectares – tal o impacto do aparelho no solo. Sabe-se que seguiam a
bordo pessoas de nacionalidade espanhola, francesa e turca. Entre elas um grupo
de dezasseis adolescentes de 14 e 15 anos de uma escola alemã que tinha ido a
Espanha divertir-se na companhia de dois professores. O rei de Espanha que
começava uma visita oficial a França na altura em que o desastre foi conhecido,
abandonou o país e regressou a Madrid.
- Um frio glacial instalou-se de novo
com a ajuda do vento que salmodia sem descanso. Se isto assim continua, vou ter
de voltar a acender as lareiras. Estamos na Primavera, mas é o Inverno que não
nos larga. Toda a manhã sentado à minha mesa de trabalho com o calorífero
aceso. Ontem a Alice com quem devia estar esta semana em Caldas da Rainha,
telefonou a dizer que não fosse porque os dias estão muito desagradáveis por lá
“como não senti no Inverno”.
- Frei Hélcio aprendeu depressa os
prazeres da vida folgada. Prova disso é o seu apartamento junto à Avenida dos
Estados Unidos da América. Ouvi-lo falar é surpreender-se como uma vida pode
mudar de um dia para o outro radicalmente. O que subjaz dessa escolha, é um mistério
que Deus não gostaria de conhecer.