quarta-feira, março 31, 2021

Quarta, 31.

Ontem refugiei-me o dia todo na leitura e no trabalho da escrita. É daqui que eu sou e colho o equilíbrio e me reinvento levantando-me do fosso para onde o desânimo e a melancolia me atira. Terminei Green. 


terça-feira, março 30, 2021

Terça, 30.

Há qualquer coisa que se vai modificando em mim, como se o tempo constitui-se um estorvo e se entrepusesse entre a melopeia dos anos e o presente com o instável futuro a espreitar para fora da esperança. Há um cansaço, uma agonia branda a tombar para o lado da indiferença, um murmúrio esgotado que se rende à mais pequena contrariedade, um sopro fluido que tece nas horas um impressionante grito de revolta e indiferença e desmaio e lassitude. Abraço a decadência com alguma altivez, ciente do percurso que finda do outro lado do rio que corre abrejado e perigoso. Tenho tendência a deixar para trás tudo o que me obriga a empenhar-me: uma ordem, um pensamento, um simples gesto, o pagamento da água e luz, todos esses acessíveis e rotineiros gestos me alongam a empreender a obrigação. Parece que este mundo já não me pertence e eu estou a mais nele, não encontrando refúgio em parte alguma, não o sentindo meu, partido em mil pedaços onde vejo com apatia os cacos do que fui. Até as árvores, o azul profundo do céu, o horizonte dos fins de tarde, o silêncio que se expande aos limites da eternidade, me alucina, me demora a entrever, pasmado, absorto, pusilânime e lasso... lasso... lasso...


domingo, março 28, 2021

Domingo, 28.

Aos ombros da pandemia as liberdades colectivas e individuais vão recuando a passos largos. A Covid-19 não deu só a conhecer as fragilidades e as mentiras de sistemas económicos-financeiros, mas também descobriu imensos ditadores e autocratas que, sob os regimes democráticos, já não escondem ao que vêm e mostram às claras as suas garras. Veja-se o caso da Rússia, China, Coreia do Norte, Birmânia, Bielorrússia, Turquia e passo. Mas se me detivesse nos regimes democráticos, onde o ataque às liberdades dos cidadãos se faz duma forma mais soft, encontraríamos muitos dirigentes com laivos arrogantes e acessos de autoritarismo na condução do poder e na maneira como tomam o povo por manada do seu rebanho. À custa desta desgraça que ninguém se atreve a dizer quando termina, o vão entre ricos e pobres cresceu. Os governos que deviam agradecer o esforço de empresários, médicos e enfermeiros, pessoal auxiliar nos diferentes sectores da actividade económica conquanto, contra temores e algumas mortes, tudo têm feito para não deixar cair na lama o tão apregoado progresso, em vez de lhes agradecer a generosidade, começam a rejeitá-los como peças gastas de uma engrenagem que já deu o que tinha para dar. Já está a acontecer entre nós, com um partido dito socialista acossado pela esquerda: uma marxista-leninista, outra não se sabe onde tem os pés de secia assentes. Ambos com a ambição do poder, ainda que para isso trabalhem do lado fanfarrão das falsas liberdades. A querida UE que se mistura e mexe a caldeirada em que se transformou a Europa, tem a parte umas vezes de leão, outras de cordeiro – de todo o modo não acerta uma. 

         - Faltam-me umas 150 páginas para terminar o longo Journal Intégral de Julien Green (vol. 1) com 1400. Comecei a relê-lo em Dezembro do ano passado, dez páginas de cada vez, e há pouco subi à biblioteca para trazer os volumes da Poche publicados em vida do escritor. Que diferença! Em cada um pelo menos o dobro foi ocultado em vida pelo autor. É impressionante! Eu descobri-o (já há anos aqui narrei) no início dos anos Setenta e quem mo assinalou foi o Tó Fonseca, éramos então jovenzinhos. Desde aí nunca mais o larguei e até o poderia ter conhecido pessoalmente se tivesse aceitado o convite que o Francis me fez para nos apresentar. Não quis. Embora me lembre das sábias palavras de Yourcenar quando diz que devemos tudo fazer para conhecer os autores que admiramos. Talvez eu pressentisse justamente o que hoje descubro, vinte e três anos após a sua morte, e passada a estupefacção da primeira leitura. Com o conhecimento que tenho hoje, mais admiro o homem e a sua obra que marcou o século XX em França e na América. Mas o pequeno livro da Poche, trouxe-me à lembrança o tempo maravilhoso que foi o meu. Comprava esses exemplares na Buchholz a livraria que tinha tudo o que um pequeno intelectual desejava. Recordo-me até que a gestora alemã, Katharina Braun, que toda a gente detestava e eu tinha por ela uma simpatia sem limites, gostando da minha curiosidade e frequência nas suas instalações, me ofereceu o Album Green hoje de grande valor e esgotadíssimo, que o autor de Le Voyageur sur la terre criou para a Pléiade, em colaboração com o seu filho adoptivo Jean Eric Jourdan, decerto seu amante, sendo o seu grande amor traduzido em milhares de palavras e afectos ao longo do Diário póstumo, o jornalista e escritor Robert de Saint-Jean. 


sábado, março 27, 2021

Sábado, 27.

Os socialistas (soi disant) têm lata para tudo e nem se dão conta de quanto são ridículos. Diz o senhor todo poderoso da TAP na forma de pergunta referindo-se ao empresário Alfredo Casimiro que seguiu a norma de há muito instalada de pedir dinheiro aos bancos para comprar acções de empresas: “Deve o Estado comportar-se como se fosse o Estado multibanco ao seu dispor? Com este Governo, não.” Por supuesto! Então não é precisamente isso que o nosso anafado ministro das Infra-estruturas faz? Quantos milhões foi ele buscar aos cofres do Estado, quero dizer, tirar ao nosso bolso para custear o seu delírio nacionalista? Eu digo: a até à data cerca de um milhão e setecentos mil euros. Mas no final deve andar pelos 3 mil milhões e meio. É um multibanco óptimo e ainda por cima para o senhor ministro sem código e sempre aberto. Mas que tremendo embuste é a política! Que feira de vaidades! Somos pobres, mas erguemos a voz como se fôssemos dos países mais afortunados.  

         - A Piedade foi ontem vacinada com a droga da Pfizer contra o SARS-Cov-2. Do alto dos seus 84 anos portou-se com dignidade. A organização esteve perfeita, sem esperas longas, espaços abertos, pessoal simpático. Enfim! 

         - Este é para mim o melhor e mais abençoado tempo. Dias abertos de luz, calor que não fere, o campo a despertar para a Primavera, as flores a invadirem o solo, o ar rarefeito, a brisa ao fim da tarde, o céu espantado a olhar a terra que nele espelha os campos verdejantes das muitas cores que chegam lá acima na forma encantada de um poema. Lavei o carro da poeira dos caminhos como um qualquer pequeno-burguês que tem orgulho no seu trono. Falei com a Alice, António, Carmo Pólvora. 16 horas e 28 minutos. 


sexta-feira, março 26, 2021

Sexta, 26.

Eu não suporto ouvir e ver aquela figura arrogante e convencida que dá pelo nome de Pedro Nuno Santos o socialista dito de esquerda. O homem pensa que é o Dono Disto Tudo, afastado Ricardo Salgado. E todavia, é verdade que já esteve mais longe, com uma diferença substancial: enquanto o banqueiro dispunha de fundos próprios, aquele possui o dinheiro dos contribuintes. A TAP é a imagem do que pode a esquerda e como funciona em termos ideológicos e práticos. Tudo o que o sujeito condenou aos privados antigos proprietários da companhia, foi o que ele aplicou com rigor, indiferente a tudo e a todos, servindo-se do saco sem fundo dos impostos dos cidadãos: despedimentos em massa, técnicas de pressão, redução dos salários, reformas compulsivas, manobras pessoais, a não devolução das viagens que a Covid impediu de fazer, a par de ter criado ao Estado, isto é, a todos nós um rombo monstruoso que nos vai obrigar de despender somas astronómicas por uma patetice socialista que não lembra ao tinhoso. Graças a esta figura insignificante e ambiciosa, o SNS não vai ter verba para pagar melhor a médicos e enfermeiros, equipar-se com material moderno; o ensino vai derrapar; a vida das pessoas vai descer uns bons pontos mais; o país ficar para trás, a pelintrice crónica agravar-se-á e assim miseráveis seremos mais facilmente domesticáveis. A este propósito, dou a palavra a Rui Ramos no Observador: “Uma sociedade reduzida a funcionários públicos, pensionistas e subsidiados é, agora como sempre, meio caminho para a servidão. Se, a esse respeito, alguma coisa os confinamentos fizeram, ao destruir empregos e negócios, foi tornar essa sociedade mais próxima." Coloco a minha assinatura por baixo destas lúcidas palavras.  

         - Entretanto a propaganda não pára. Há um mês foi anunciada a testagem à Covid-19 em massa. Pois foi, mas só hoje vai começar... se começar. Estamos entregues à bicharada, a gente irresponsável, cada vez mais prepotente porque lhes falta inteligência, bom senso, reflecção cuidada, independência social e cultural. 

         - Mas há muitas técnicas de propaganda criadas por este governo. Uma delas consiste em dar um valor ao PIB ou à divida pública, normalmente mais elevado ou baixo consoante o que estiver em jogo. Por exemplo, agora a divida pública foi calculada pelo actual ministro das Finanças por alto para que, quando se conhecesse o número definitivo como foi o caso, ele pudesse dizer “graças ao esforço dos portugueses o país aguentou-se bem”. Em nosso nome porque ainda não têm a lata para dizer que foi mercê dos cérebros socialistas que são superlativos, mas está subentendido. 

         - Há duas semanas que as minhas noites são atravessadas por sonhos eróticos. Não me lembro de tanta orgia num espaço largo de tempo. A mon âge! Que reinação! O tropel era tal que uma noite, rente à aurora, entrando no dilúvio de nudezas qual delas a mais excitante, enfiadas nos meus lençóis, eu ... (interrompido) 

         - Continuo o trabalho do corte da relva que este ano, devido à chuva, é mais que muita. Capinei os canteiros dos acantos que estão giríssimos. Avancei com esforço no romance. Prossigo na leitura de Bowles. Depois de três dias sem sair, fui de manhã ao super comprar o jornal e outras produtos. Falei com a Annie, António, Fortuna, Virgílio. 


quarta-feira, março 24, 2021

Quarta, 24. 

A prova que a falta de respeito e humilhação praticada nos velhos deste miserável país, foi mais uma vez dupla ou quintuplicada. Desta vez, em Oeiras, a testemunhar que o desinteresse pelos idosos atravessa o país de Norte a Sul. Estamos com a praga do coronavírus há mais de um ano e nem por isso a DGS e o ministério da Saúde se organizam para fazer trabalho à altura das suas responsabilidades. Pregam a merdelhice (nem isso) de milhão de pessoas vacinadas, atirando postas de propaganda para cada minúsculo e insignificante acontecimento ou programa, e vai-se a ver tudo vem com o selo da incompetência, do desrespeito pelo cidadão, do salve-se-quem-puder porque a culpa é da União Europeia, dos laboratórios, deste e daquele porque os nossos serviços e políticos e funcionalismo público é o melhor do mundo a par da sermos o país com a árvore de Natal mais gigante do globo terrestre, entre outras aberrações que constam no livro do Guinness. Fazemos obra de fachada para ganhar votos, inclusivamente, até em breve uma nova ponte sobre o Douro, mas a pobreza, a mendicidade, o desemprego, a saúde e instrução e cultura continua tudo na lama e até o patuá de chinelo virou pronúncia sinistra em inglês. 

         - Não sei o que me deu. Depois de ter feito hora e meia de roçadora, sentei-me à secretária a despachar serviço. Sempre detestei perder o meu precioso tempo com as coisas práticas do dia a dia. Já quando dirigia a empresa de publicidade, tinha falta de paciência para números, mapas, análises contabilísticas, tricas entre empregados, questões bancárias, fisco e assim. Então avancei e num ápice acertei o passo com o atraso e a falta de apetite para o expediente pessoal. Logo entrou aqui um técnico para se ocupar da box e da parabólica, falei ao estomatologista para acertar o orçamento, com três ou quatro pessoas ao telefone para encontrar um podador e um canalizador, fiz contas e telefonei à minha gestora bancária. Tudo isto durante a manhã porque as tardes são consagradas à leitura e até consegui avançar uma página no romance. Não te queixes desta vez homem de Deus! Que os dias do resto da tua vida pudessem sair inteiros deste exemplo redentor.  


segunda-feira, março 22, 2021

Segunda, 22.

A ministra da Justiça diz que é difícil julgar e condenar aquelas e aqueles que abusaram dos cargos para se vacinarem. Não sei se é porque no número vasto se contam muitos socialistas. Seja como for, pela minha parte, considero que em Portugal o crime sempre compensou. E quando me vêm falar dos direitos humanos, eu atiro-lhes com a vergonha da nossa Justiça.

         - Assim o que se passa com a lei do enriquecimento ilegítimo. Os juízes dizem que não vão desistir de punir quem enriquece à custa dos cargos públicos e da corrupção que entre nós está associada. Bem podem esperar sentados. Enquanto o PS for governo não terão essa mais que legitima pretensão. A ministra atira-lhes com a lei aprovada na Assembleia da República, em 2019, como comportando toda a matéria que permite condenar os corruptos. Acontece que essa norma só faz menção aos bens antes da posse do cargo e o que pretendem os juízes é outra coisa. Dou a palavra Manuel Ramos Soares, eleito recentemente para dirigir a associação de juízes. Pretende ele acrescentar aos actuais processos legais algo que “regule a fiscalização dos rendimentos dos titulares de cargos públicos o dever de justificar a aquisição de património durante o exercício do cargo (...) e não apenas declarar a sua aquisição, como agora acontece.” E vai mais longe: “Se durante o exercício do cargo houver aquisição de património que não tenha sido declarado e justificado, o fundamento da punição será a prova efectiva da violação do dever de sujeição à fiscalização, e não uma ilicitude presumida a partir do comportamento do acusado.” É aqui que o gato vai às filhoses! A ministra esconde-se atrás da lei que os senhores deputados do PS (ou talvez outros) aprovaram no seu próprio interesse. Ora a ministra não está no cargo para tornar a Justiça mais transparente, está porque o partido lá a colocou.    

         - Ó tempo volta pra trás... É caso para se dizer quando o Chega, em pleno século XXI, discute o retorno à pena de morte! Que seita de energúmenos! 

          - “Ou mudamos ou acabamos numa Suécia fiscal implantada numa Albânia económica.” Sérgio Sousa Pinto, membro do Grupo Socialista no Parlamento Europeu, que se demitiu, em 2015, por discordar da “geringonça”. 

          - “O Estado deixou de promover directamente habitação pública desde 1982, com a extinção do Fundo de Fomento da Habitação, e foi-se desfazendo da habitação pública que havia promovido. Foi assim que chegámos aqui, com apenas 2% de habitação pública face a 98% de habitação privada.” Sábias palavras de Helena Roseta. 

         - Uma hora ao telefone com a Carmo Pólvora, vacinada a semana passada com a AstraZeneca. Em consequência: fortes dores de cabeça, garganta, aumento de tensão, dores no corpo, falta de ar. Foi às urgências do hospital. Está nisto há três dias. 

         - Pela manhã aparei os espaços em torno na piscina, os muros, os rebordos da tijoleira e assim. A roçadora pegou logo à primeira depois de meses de descanso. Será que, enfim, a maquinaria me toma como técnico competente? À tarde fui ao dentista. Tomei o Fertagus que tinha suspendido desde Dezembro. Lá encontrei as africanas que devem ser atraídas pelo vermelho dos bancos reservados a deficientes, grávidas e velhos e, embora haja bancos vagos por toda a carruagem, elas abancam na sua reserva exclusiva. Pouco movimento à hora que fui e voltei. Ruas ainda com pouca gente. 


domingo, março 21, 2021

Domingo, 21.

Que entre pela porta larga mais uma vez o meu caro António Barreto que eu conheci em tempos quando ele e o Roger Delraux viviam na Iorque House. “Pasme-se! Em plena pandemia, de confinamento em confinamento, entre mortos e infectados, com boas e más notícias sobre as vacinas, num raro clima de incerteza e fragilidade, os deputados dedicaram muitas das suas atenções, algum trabalho, uma boa reserva de energia e muita polémica para aprovar uma lei sobre a eutanásia e o suicídio medicamente assistido. Não havia tempo menos indicado, momento mais desajustado e oportunidade mais perversa do que esta. Eles não percebem o mal que fazem. Eles não percebem o mal que fazem. Eles não entendem o mau exemplo que dão. Eles não se interessam pelos resultados morais de uma tal atitude de brutalidade chocante. É quase obsceno. Provocatório de qualquer modo.” O texto publicado no Público de ontem e que merece leitura atenta dos meus leitores, uns períodos adiante, continua: “Eles não sabem o que fizeram. Eles não se dão conta das consequências dos seus gestos.” Pois é. Por outras palavras e sob a mesmíssima repulsa já aqui derramada em indignação e nojo. Mas é esta classe de gente que temos e a democracia, tal como nós, não merecia tantos obtusos. 

         - Centro de vacinação no Porto: aglomeração de pessoas, velhos a subirem de bengala a escadaria íngreme, filhos com os pais às costas, longas filas, a imagem mostrada na TV é o retrato do país, daquele que nunca mudou, para nossa desgraça.  A miséria nacional da organização, do desprezo pelos cidadãos sobretudo os mais frágeis, cola com a do fascismo de antigamente, quando o cidadão não contava para coisa nenhuma.  Hoje está presente nos discursos de uns e outros, os políticos que nos governam - não são gente, são monstros. É a humilhação dos velhos, dos deficientes, dos mais fracos, dos pobres (no dizer do socialista François Holland “os desdentados”). A isto chamam eles democracia. Pela minha parte, não tenho por esta gente respeito nenhum. A mágoa que originam àquela facha da sociedade, atinge-me também a mim. E os direitos humanos que Costa tanto propaga, estão à vista – não passam a barreira da propaganda. E falam eles da Hungria e  Polónia. Estive há dois anos neste último país e o que observei foi equilibro, não vi nenhum pobre a pedir nas ruas, cidades e vilas um encanto, as pessoas civilizadas e a vida a decorrer em comedimento.   

         - A Blacka que me adotou, vigia a casa e o seu inquino. Ainda não estou certo que ela não vá acabar por seguir a irmã – com os gatos habituei-me a conservar o coração ao largo. 

         - Paul Bowles é o mais talentoso da Beat Generation. Quando calha volto a ele desta vez lendo A Casa da Aranha escrito, em 1955, na mítica Taprobana que o escritor tinha comprado havia pouco tempo. 

         - A temperatura desceu, frio e termómetro a marcar negativo para o norte. Telefonou a Annie, Carlos Soares, António Segurado (longa conversa de mais de meia hora), Gi e Francis (quando eu almoçava e sendo surdo debitava chalaças homo que duraram o tempo da refeição. Eu praticamente não abri a boca e quando abri ele não me escutou). 


sexta-feira, março 19, 2021

Sexta, 19.

A nossa liberdade vai estreitando de dia para dia. A democracia distancia-se para dar lugar a um regime controlado onde avançam já os militares. A mentira descarada está por todo o lado, a propaganda não nos larga, os políticos sem capacidade nem credibilidade, elevam a voz e ameaçam: são fortes com os fracos e humildes com os fortes. O senhor almirante Gouveia e Melo decretou que quem recusar a vacina da AstraZeneca vai para o fim da vacinação – assim sem mais, despotismo de caserna. Como estamos sob a alçada militar e a democracia esvai-se, portugueses amochem. Tão cedo não haverá outro 25 de Abril. 

         E no entanto, não podemos ceder, pela nossa honra, pela democracia e pela nossa saúde. Volto a repetir-me: andam a enganar-nos. Basta ouvir ou ler o que dizem os diferentes elementos da saúde mundial: a Agência Europeia de Medicamentos, a Agência Reguladora dos Medicamentos e Produtos de Saúde e influentes cientistas. A EMA é clara ao afirmar que “não conseguiu afastar a possibilidade de que exista uma relação causa-efeito nos casos de formação de coágulos sanguíneos com diminuição de plaquetas registados em vários países”; já Sabine Straus, que lidera uma equipa de especialistas, declara: “Não foi provada uma relação causa-efeito com a vacina (da AstraZeneca), mas é possível e merece ser mais analisado.” O curioso e surpreendente de todo este embuste, que mostra muito do que está em jogo, é a revelação que entre os mais velhos há menos casos de hemorragias e coágulos sanguíneos quando, ainda há semanas, desaconselhavam a vacina a este grupo etário. Costa sempre teve tiques autoritários, agora expande-os apoiado no Exército. 

         - Tempo admirável embora com céu baço e um fino vento dedilhando nas árvores. As mulheres de Zuckerberg são agora muitas, um rancho tagarela que não pára um minuto. Andam cá desde o início da semana e foram abastecidas de alguns homens. O John desistiu de compreender o receptor que capta o sinal da parabólica. Aquilo só tem canais em alemão e ele sabe inglês, sua língua-mãe. Quando aparecem legendas ou indicações em francês pede-me que traduza. Conclusão: uma algraviada parecida com a ONU.  Falei com o Corregedor, Carmo, Fr. Hélcio, Nieto. 

         - Comecei o curso de Latim, orientado pelo insigne Mestre Frederico Lourenço. 


quinta-feira, março 18, 2021

Quinta, 18.

Aqui vai mais uma ponta de propaganda que tanto me irrita em António Costa: anuncia intenções muito antes delas estarem estudadas e prontas a serem concretizadas. O caso dos valorosos profissionais de saúde é um entre tantos factos propagandísticos. O subsídio de risco prometido pelo Governo e orçamentado, dois meses depois ainda não foi concretizado. O mesmo tenho ouvido a empresários da restauração, a pessoas desempregadas e assim. 

         - Vai por aí um grande alarido por causa da vacina da AstraZeneca que já perigou a vida de uns quantos que a tomaram. Desde o princípio que sinto que nos escondem qualquer coisa. Os lucros envolvidos na venda das diferentes vacinas são astronómicos. Entre nós o desnorte é impressionante; eu que pensava com um militar a comandar a operação seria uma mais-valia, começo a achar que o pobre oficial pouco pode fazer de corrrecto ante um batalhão de oportunistas políticos e vedetas vindas não se sabe de onde que se servem da pandemia para chegar ao poder ou saírem da penumbra das suas vidas medianas. Cada cabeça sua sentença. As excepções à regra pensada desde o início (os mais velhos em primeiro e assim sucessivamente), foi largamente abalroada a tal ponto que neste momento é a anarquia total. A propósito, nunca mais se soube que foi feito daqueles chico-espertos, socialistas e outros, que se aproveitaram do poder para se inocularem em primeiro. Ouvi falar que a justiça não ia ser branda... (No Reino-Unido com a democracia consolidada e respeito pelos mais velhos, Boris Johnson só agora vai ser vacinado.) Segue-se que na tremenda salada entretanto servida, argumenta-se que o número de infelizes com embolias e coágulos e outras consequências da toma da vacina, é residual. Até pode ser. Mas nessa insignificância posso vir a estar eu ou alguma/algum dos meus caros leitores. Aí é que está o busílis. Enfim bref.  

         - A impressão que me dá, é que os chineses sabem mais disto a dormir que o Ocidente e os EUA acordados. Um mundo novo vem de lá, naturalmente coberto pelo negrume da liberdade amordaçada. A China acaba de ordenar que só entra no país quem possuir a vacina por eles criada. Dito de outro modo, as vossas vacinas não valem nada comparadas com a nossa. Portanto, fiquem à porta. Mas a nossa querida UE que neste item só fez asneiras, quer agora criar um passaporte virtual para quem quiser atravessar as suas fronteiras. Good bye Schengen. 

         - Espreitei com pudor e vi que os gatos são duas fêmeas. O Botas que é a Botas desapareceu; a Blacka que sempre foi muito ligada a mim, está aí. Anda doente e fui comprar-lhe o comprido para os intestinos – cinco euros! Espero que agora não fuja também.   

         - Dia agitado. Falei com o António, John, Gordilho, Guilherme.  


quarta-feira, março 17, 2021

Quarta, 17.

Um pequeno acréscimo ao que ontem reflecti a propósito dos queridos trabalhadores. Basta estarmos atentos e pensarmos um pouco pela nossa cabeça para nos percebermos do jogo jogado entre sindicados e partidos. Tomemos o exemplo da “geringonça”. Eu não conheço nada de verdadeiramente concreto tenha acontecido no país e aos trabalhadores à parte uma certa paz social e disciplina imposta no sentido de acabar com manifestações, greves e paralisações laborais, vindo da aliança entre comunistas e socialistas. O PCP através da Intersindical, manietou os trabalhadores, surripiou-lhes as reivindicações, utilizou-os como provisão para as suas ambições, interesses e manobras. Para que o sonho persista, os sindicalistas e o PCP saem a terreiro reivindicando sempre a mesma coisa: salários mais altos. Quem é que não quer ganhar sempre mais? Comunistas ou filiados no Chega, pretendem auferir bons salários. Essa arma serve aos demagogos de todas as latitudes partidárias. E quando dizem que Costa aumentou salários, esquecem-se que ele limitou-se a restituir aquilo que o anterior governo pegou por tempo limitado, o dinheiro não era do Estado. Se Passos Coelho continuasse a governar, tê-lo-ia retornado a cada um e a todos. Portanto, a paz social foi simplesmente a manobra que o PCP utilizou contra a inocência dos trabalhadores e a seu próprio proveito. Cativo dos comunistas, António Costa, querendo manter-se no poder, rendeu-se e tendo ou não capacidade para aturar todas as reivindicações, vai aguentando como pode. E pode cada vez menos. 

         - Ontem, João Miguel Tavares, escrevia um artigo como sempre aquentado sobre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Já aqui disse que gosto duma maneira geral do articulista.  O benjamim de Costa a mim nunca me enganou. Tem a mesma escola do seu mestre e, sob aquele ar angélico e remansoso, utilizando a propaganda no máximo que lhe permite o posto, não desdenha de aparentar uma coisa sendo absolutamente o seu contrário. Ele aprendeu com os professores socialistas, que é na televisão que os altos cargos oficiais se alcançam. É nessas redes de maldizer, servindo-se da ignorância popular, que tende a aceitar o derradeiro senhor que aparece nos ecrãs, que ele debate os desastres dos outros esquecendo-se da sua total incapacidade técnica e profissional. Lisboa está parada há mais de cinco anos, está moribunda, os velhos foram dela corridos, as rendas subiram para valores superiores aos de Madrid ou Paris, uma parte da capital está nas mãos de redes sem nome que compram e vendem os imóveis a preço tão alto que poucos ou nenhuns portugueses conseguem pagar. Ao seu comando, os lisboetas foram corridos, os pobres acumulam-se debaixo das pontes e alpendres, o cidadão normal que tem trabalho dorme na rua porque o que ganha não chega sequer para pagar um quarto. A anarquia comercial instalou-se, o centro está um enorme fantasma que apela ao passado, as pessoas parecem zumbis, o humanismo foi varrido das suas ruas com história. O homem vive num mundo irreal com acólitos pagos de acordo com a serventia. Com o tempo refinou na intriga e corre os seus adversários à vassourada abrindo caminho para voos mais altos. É frouxo, mediano, propagandista, não fez nada por Lisboa, mas tem a confiança do seu patrão que ambiciona dar-lhe um dia no seu posto. 


terça-feira, março 16, 2021

Terça, 16.

Tenho estado para aqui a remoer. Espero que os “especialistas em comunicação”, que vão dar assistência a António Costa e companhia, o levem a aprender a conter-se na propaganda desenfreada que tem sido o seu único modo eficaz de governar. 

         - Congratulo-me com a anulação da lei da eutanásia pelo TC, embora saiba que vivendo numa República das Bananas, onde os mais fracos submetem os mais fortes, a minoria a maioria, a esquerda com o apêndice bizarro do PSD, não descansará enquanto não pôr em lei a condenação à morte dos infelizes que forem acometidos de doenças graves. Fazer uso de paliativos nem pensar; são muito caros e a vida humana uma ninharia face aos custos para o Estado. Neste particular conto com médicos e enfermeiros que por tradição louvam a vida e têm profundo respeito pelo sofrimento. São eles em última medida que vão aplicar a sentença de morte. Olhemos para eles com confiança. 

         - Porque com esta gente obcecada pelo poder, sem ter de ganhar a vida produzindo bens essenciais – no campo, nas fábricas, nos escritórios, nas universidades, nos laboratórios, na limpeza das ruas, no risco dos hospitais -, entretêm-se a fazer leis que lixam a vida à maioria que não votou neles. É uma gente que não acredita em nada; para eles somos sacos de batatas condenados à podridão da terra. Não são éticos nem crentes nem humanos – olham-nos como derrotados sobre a vitória dos seus idealismos delirantes. Mesmo que muita da teoria social de Karl Marx se tenha alimentado dos Evangelhos, eles, ignorantes da Bíblia, aproveitam a filosofia do ódio que no Séc. XIX se instalou para a aplicar no séc. XXI. Ainda que em nenhuma parte do mundo o marxista-leninista tenha vingado, eles continuam a sonhar sob a bandeira do partido dos trabalhadores. Pobres trabalhadores que estão sujeitos às centrais sindicais que por sua vez dependem dos partidos. Tantos exemplos já tivemos! Os trabalhadores servem os sindicatos e estes a nomenclatura do partido. 

         - Veja o caso onde o comunismo oprime, mata, suprime a liberdade, impõe a teoria de um só homem. Lau Chi-pang, autor da reorganização curricular das escolas de Hong Kong: “Os estudantes têm de saber que, desde 1997, Hong Kong faz parte da China. Só precisam de saber isso. Não queremos que analisem nada mais para além disso.” Este senhor que é também professor de História da Universidade de Lingnan, traça com a sua autoridade e despotismo o pensamento único de Xi Xinping ping ping. O PCP adora o sistema e o João Corregedor decerto venera o catedrático Lau Chi-pang pang pang. Esperemos que nem um nem outro um dia governe o nosso pobre país. 

         - Gide, em 1935, andou de amores pelo comunismo, chegou mesmo a visitar a URSS. Mais tarde arrependeu-se e numa conversa com Julien Green, disparou: “Vous êtes apolitique, c´est três bien. Je voudrais pouvoir écrire comme vous des livres qui n´ont pas trait aux événements du jour. Restez-le.” Noutra altura diz interessar-se apenas pelo “communisme chrétien” (seja isso o que for, acrescento eu), sem deixar de afirmar que comunismo e fascismo são a mesma coisa. (pp. 1065, 1066 vol. 1  Journal Intégral, ed. Bouquins). No seu livro Retour de l´URSS, publicado em 1936,  já não tem ilusões e fala de “désindividualisation” que encontrou no país. Seria o mesmo que encontraria hoje na China e Coreia do Norte. 

         - Inverti o meu ritmo de trabalho e comecei de manhã a cortar a relva em torno da piscina. Iniciei e terminei. Um dia que se fôssemos agradecidos, começaríamos de joelhos em acção de graça ao Criador, porque tudo de bom e luminoso entrou nele: sol a jorros, luz em resplandecência, pessegueiros em flor, assim como ameixieiras e a maioria das árvores e espigar em plenitude. Este amor à natureza, assentou arraiais no livro de John Steinbeck que acabei de ler. O silêncio é o amante da Natureza e eu o seu servo agradecido.   

Os jardins do Sacré-Coeur na Primavera


segunda-feira, março 15, 2021

Segunda, 15.

Talvez por ter dormido demais, comecei o dia sonâmbulo, sem energia, murcho. Às nove e meia veio aí o John e levou-me na sua carripana a Setúbal. Apostou que me há-de pôr a parabólica a funcionar, sabendo que eu não gosto do trabalho das nossas televisões. Tudo em vão. As poucas lojas encontradas ou não percebem do assunto ou deixaram de comercializar o produto. Valeu, todavia, a deambulação por uma cidade que não conhecia, cercada de velharia arquitectural, ruas, sombrias rectaguardas, um mundo fechado nas traseiras de outro mundo onde nenhuma alma se salva. Andámos toda a manhã nisto. Depois, rente à uma da tarde, ficámos a fazer tempo à conversa dentro do carro. Ele é um grande conversador, as histórias pegam-se umas nas outras, o presente evapora-se, torna-se irreal, submetesse à memória que por sua vez reinventa o passado tornando-o outro presente. 

         - Houve uma espécie de largada com o de confinamento. As criaturas pareciam figuras de almanaque experimentando as ruas como se acabassem de ser construídas. Na televisão não houve protectora dos meninos que não viesse carpir, muito emproada,  o seu futuro encharcado de apreensões e atrasos devido aos dois meses fechados em casa. Constroem um mundo fantasmagórico, feito de atrasos e dores psicológicas, dificilmente reabilitadoras, onde as crianças passarão a viver subjugadas às memórias de um tempo de reclusão que traduz mais a inconformidade da família que a dos miúdos. Os pais não estavam preparados para os aturar a tempo inteiro, não só aos filhos, como um ao outro. Daí ter subido a violência doméstica, as discussões, o confronto entre casais, a descoberta que o namoro apressado não deu para aprofundar, o sexo na dianteira e depois logo se vê se dá, o trik trik trik; ai que bom, que bom que durou um ou dois anos e murchou de vez. Todas estas psicólogas, pomposamente produzidas para a televisão, botam ideias a exemplo das meninas do BE, imitam-lhes os tiques, e são por natureza, naturalmente, imprescindíveis ao país angustiado, stressado, morto. A mim, não querendo ser desmancha de confinamento, pelo que vejo, não tarda estará tudo entre muros a folhear de novo os mestres da psicopatologia da vida quotidiana. 

         - Carpe diem Helder, carpe


domingo, março 14, 2021

Domingo, 14. 

A vida de George Floyd, morto por um polícia, vale 22 milhões de dólares; a do ucraniano Ihgor Homenyuk, assassinado no aeroporto de Lisboa por três polícias, 800 mil euros, a das mulheres mortas pelos maridos pouco mais que uns anos de prisão dos mesmos. 

         - A França está num estado miserável relativamente a Covid-19. Os hospitais estão entupidos, o número de mortos subiu, os infectados aumentaram consideravelmente. Chou Chou parece atarantado e é Marine Le Pen que toma a dianteira posicionando-se nas intenções de voto dos gauleses. Francamente, acho injusto. A oposição julgo que não faria melhor, ainda que as asneiras tenham sido muitas cá como por todo o lado. A mim o que me chateia na governação de Costa, é a sua constante tendência para nos enganar, a propaganda de feira, a sofreguidão do poder, isso custa mais do que aquilo que ele fez de errado. Dá-se muitas vezes o exemplo de Churchill que perdeu o poder depois da guerra. Mas Churchill foi em grande parte uma fantasia, um companheiro das circunstâncias, o pobre homem era uma coisa na frente, outra nas traseiras.   

         - A China quer apurar a raça. Para isso propõe que todo o cidadão seja viril, patriótico e inabalável. Hitler idem, Salazar não ousou a tanto. 

         - Fui a Lisboa numa de passeio. Em meia hora estava no Corte Inglês a fazer algumas compras. Com a auto-estrada vazia, nunca parei ou apenas um minuto na portagem. Dali segui para o Hospital dos Capuchos. Muita gente para minha surpresa, mas tudo devidamente estruturado para que nos sentíssemos seguros. A gentil médica que me observou (fiquei preso de simpatia por ela), detectou uma pequena catarata no olho esquerdo e quer-me operar. Aceitei. O pior é o precioso tempo que vou ter de perder em exames preliminares. Um horror! Eu que acho todo o tempo fora da escrita uma inutilidade. 

         - Dia maravilhoso de sol. A vida respirava em torno de mim e eu a pensar num olho e nas preciosas horas que ele irá roubar ao meu trabalho.   


sexta-feira, março 12, 2021

Sexta, 12.

O PCP está absolutamente fora da realidade. Dois exemplos: insistir em votar ao lado do Chega nas medidas contra o confinamento; pedir a nacionalização da Groundforce não investindo o dinheiro do partido na operação, mas o dos nossos impostos. A propósito, grosso modo, estou de acordo com o plano de de confinamento apresentado pelo primeiro-ministro. Assim os portugueses que ele conhece mal, cumpram. Marcelo é mais prudente e neste aspecto mostra que aprendeu a lição do Natal e Ano Novo. Repito-me: a economia recupera-se num ano; uma vida que se perda, é para sempre. 

         - Fui ao dentista. Vou ter de me despedir de uns milhares, sendo certo que a especialidade de estomatologia está nas mãos dos privados que não têm a concorrência do SNS e assim praticam preços em cartel. Tem que ser e o que tem que ser tem muita força. De contrário, posso esbarrar com o socialista François Holland que tratava os pobres de “desdentados” quando foi presidente da França. 

         - O que arreia as calças entrou aí com o gado. Havia-me telefonado ontem a pedir autorização. Foi quando, utilizando a linguagem próxima da dele, lhe disse que o proibia de fazer da quinta o seu urinol. Mas custou-me não sabendo como me exprimir ante um problema tão delicado e tão distante das minhas preocupações. 

         - Tempo de chuva, algum frio e humidade desagradável. Ontem ao serão acendi a lareira do salão. Falei com a Annie, Robert, Carmo, John. A Annie diz que não me fala mais se eu não lhe enviar o meu número de conta bancário – quer ajudar-me nas despesas de um sorriso hollywoodesco. Recusei. Dezassete horas e quatro minutos. 


quinta-feira, março 11, 2021

Quinta, 11.

Tenho mantido à mão de consultar o romance de Manuel Vilas, Ordesa, não o tendo arrumado de imediato na biblioteca de cima. A história é não só actual como abrange quatro gerações de uma família que sofria do mal dos tempos presentes: a incomunicabilidade. Com uma particularidade: apesar dessa característica comum a milhares de seres humanos, uma espécie de interregno, entre o tempo e o lugar, leva Vilas a reconstruir o passado tornando-o palpável num país chamado Espanha. Através de uma obra desempoeirada e corajosa, o autor reinventa o diálogo com os mortos de forma a dar sentido à sua existência e tentar compreender o que obstou em vida dos pais e avós a esse estreitamento que desaguava, contudo, no amor profundo entre pai e filho. Setenta anos interpuseram-se e hoje o escritor em quatrocentos páginas de um texto vivo, criativo, corajoso, chama à coadura não apenas a manta familiar como a Espanha enquanto cúmplice do destino colectivo e do seu em particular. Como se não pudéssemos escapar ao lugar e às raízes que nos deram os alicerces de identidade, e neles sepultam também desgraças e alegrias, sofrimentos grémios e íntimos silêncios. A escrita de Manuel Vilas, sem entrar no murmúrio de Proust de que vi proximidade em Frederico Pereira no seu fabuloso livro A Lição do Sonâmbulo, penetra profundamente na pele da recordação para a trazer à luz incandescente dos dias. Ordesa é o lugar onde tudo começou e onde tudo ficará sepultado. Situa-se num vale pirenaico irmanado com a montanha chamada Monte Perdido. Toda a narrativa dimana daí, como se um fio condutor orientasse as personagens que povoaram a vida do escritor, particularmente o pai, vendedor ambulante de tecidos, que mais tarde se separaria da mulher e dos seus dois filhos. Era um homem fechado, mas capaz de expansão fora da família, secreto e reservado, que nunca teve um afecto para os filhos. “Não me dizendo quem era, o meu pai estava a forjar este livro.” (pág. 217) Por isso esta obra comovente, descarnada e luminosa, torneia à volta da descoberta do outro, de forma a dar sentido à vida que sobrou dos seus progenitores. Diria que não se trata de um romance, porque nela não há ficção – autor e narrador, pai e filho, fundem-se, confrontam-se de algum modo, dialogam atravessadamente na busca da ressurreição que a memória enquanto força de verdade comovente e poética, permite. Todas as debilidades humanas, os devaneios que a vaidade e a sobranceria enquanto máscaras escondem, forjando a liberdade e a identidade de cada um, estão neste livro e são por assim dizer não apenas o relato de uma perda como a reinvenção do amor. Livro repositório de uma parte de todos nós, símbolo do amor e das mágoas, do que ficou por dizer, da solidão e da continuidade da vida. Manuel Vilas selou com os seus leitores um pacto de verdade, de ousadia, de beleza e encanto. A moderna literatura espanhola reabre provavelmente a escola dos grandes autores, deixando para trás o lixo que se acumula nos armazéns das editoras. A Arte está, enfim, de volta.    

Façam confiança em mim : leiam este livro.  

         - O Governo vai nomear uma task force (eles deviam preocupar-se com o uso da língua portuguesa; mas, enfim, não é Costa o autor da “bazuca”?!) de cientistas comportamentais (imagine-se!) que o ajudarão a saber transmitir mensagens ao povo no combate à pandemia. Surpreendidos, caros leitores? Eu nem um pouco. Que este governo é formado por analfabetos, já todos sabíamos; mas que não soubessem articular meia dúzia de palavras em português de forma a fazerem-se compreender, é um triste espanto. Mas isto cheira-me a esturro. Deve ser uma forma moderna socialista de controlar e orientar as ovelhas, a exemplo do que faz Xi Xinping ping ping com os uigures, uma minoria muçulmana que fala o turco, privada dos direitos humanos, encurralada no noroeste da China, na província de Xianjiang. Em vez de darem ensino correcto e cultura ao povo, atiram-lhe com métodos pidescos de controlo e sobrevivência no poder. Em Portugal, no Portugal democrático, há um entendimento político para que o povo se realize na mediocridade de modo a que a política e os políticos imperem magnanimamente. Basta ver o que oferecem as noites, dias, meses, anos a manjedoura da televisão. Tudo aquilo é elaborado por baixo, cheira ao bodum que emana dos apresentadores chicoteados pelos governantes. Querem-nos felizes porque a felicidade não tem história, não traz que pensar, é admitida e condimentada pelo egoísmo, dando a sensação que eles tomam contam de nós. No tempo do fascismo, muitos destes que nos pastoreiam, diziam que o futebol, a Igreja, o fado e os concursos de televisão e telenovelas, eram o ópio do povo, a sua alienação. E agora?  

         - Ontem e hoje, bom trabalho no romance: duas páginas com algum esforço. Aparei a relva. A Piedade esteve aí só para mudar a cama devido a dores num braço. Há dois dias que não saio, empregando o tempo no muito que há sempre aqui para fazer. Falei ao Francis de novo, Filipe, António, Carmo Pólvora, Fr. Hélcio. Amanhã vou a Lisboa ao dentista e domingo ao oftalmologista. Que virote!  


terça-feira, março 09, 2021

Terça, 9.

Não há meio de me poder libertar da mediocridade dos programas televisivos nacionais. Ando em bolandas para encontrar quem me arranje a parabólica e, neste período de confinamento, não tem sido fácil. Daí que por vezes recorra à Internet. Foi o caso ontem ao serão. Encontrei a entrevista de Campos Ferreira ao Meiquinho. Estão os dois na sala da casa do segundo para os lados de Sintra, mais o lírio de quem Mec diz estar apaixonado. Que perguntas tão vácuas, Santo Deus! E que cabeça tão baralhada a de Miguel Esteves Cardoso! Meia hora escoou sob a forma de um caudal fala-barato, lançado ao tempo que tudo recolhe e selecciona. Valha-nos isso. Depois queixam-se que o povo seja ignorante – ele é a cópia dos seus mentores. 

         - Marcelo Rebelo de Sousa inicia hoje novo mandato. O seu antecessor, há dias, botou discurso. Foi como se um enorme trovão tivesse ecoado sobre o território nacional. Que horror! Fujam! As diferenças entre um e outro são abismais. Que têm a ver com as suas origens e actividades extra política. Marcelo é culto, desempoeirado, indiferente à importância do cargo; o outro é recalcado, contabilista, raivoso, carregando títulos honoríficos como os reis carregam a coroa. Um não se leva a sério a perder tempo a escrevinhar as suas memórias; o outro já vai em não sei quantos volumes de ódios e hidrofobias mal digeridas. Não sei quem lê aquelas litanias; o que sei é que elas são um atentado à nossa inteligência e à destruição de tantas árvores indispensáveis à nossa saúde mental. Neste particular, só neste, Sócrates e Cavaco, são campeões a vender papel... higiénico. 

         - Andei numa roda-viva esta manhã. Indicaram-me uma loja, em Setúbal, que poderia ter a solução para o desarranjo da parabólica. Não a encontrei e estando na cidade sadina, fui ao mercado do Livramento. À entrada havia uma senhora que media a temperatura. A minha foi de 34,5º. Disse: “Se morrer lá dentro, encomende a minha alma ao Criador rezando um padre-nosso.” Riu-se. Depois, tendo precisão de executar a receita médica, corri pelo menos cinco farmácias – todas tinham o anti-inflamatório do Tó, mas o prazo de validade era de três meses. Não fui na ganância dos laboratórios e recusei adquirir o medicamento para não ter que pôr no lixo 55 dos sessenta comprimidos da embalagem. Esta pouca vergonha, não há governo que consiga acabar com ela. A sociedade de consumo a que o PS rende loas, impera sobre o equilíbrio e a perpetuidade do planeta. Depois vêm cinicamente dizer que lutam pela nossa sobrevivência. As multinacionais fartam-se de rir às claras e nas ventas dos governantes e dos inocentes dos jovens guiados pela senhorita Greta Thunberg. Eu estou farto de dizer que é ao nível caseiro e familiar que se deve começar a olhar para o nosso mundo e fazer as economias que levem a indústria a desistir de produzir aos milhões. Deste modo, somos nós que controlamos os delírios daqueles e daquelas que nos querem obrigar a gastar o que temos e não temos. Elas, as grandes empresas, devem estar nas nossas mãos e não nós nas delas.  

         - Por todo o lado, o que vejo é que já ninguém liga ao confinamento. As pessoas pura e simplesmente de confinaram. Setúbal era uma cidade em movimento e este movimento circulava em torno dos polícias que nada podiam fazer. O dia luminoso a tanto obrigava. Ante o Sol que nos banha e connosco se identifica, é a saúde que se solta e os vírus que partem às arrecuas. Até eu pus de parte a minha vida espartana – leituras, escrita, meditação, dissecar as palavras, os sentidos – e lancei-me a cortar a relva. Foi uma hora em pleno, o joelho sem qualquer entravo porque no segundo dia da toma do anti-inflamatório já não sentia nenhuma dor, embora o senhor Baker não me tenha largado a tíbia. A parte aqui perto ficou concluída e logo o dia se abriu em gratidão. O trabalho em mim é uma bênção, um talismã que me revigora. Não sei nem compreendo porque há tantos jovens e velhos que nada fazem, quando a vida nos chama de todos os quadrantes, impondo as suas regras, os seus lenitivos que se misturam no sangue e soltam as torrentes de energia e satisfação. Apetece gritar: Hosana! Hosana! Desmorone-se o Céu, rebente a Terra inteira sobre a minha cabeça, derramem-se trovões e  saraiva e fogo e silvas de esperma, e tudo o que o mundo despreze posto que eu fiquei encandeado da beleza dos dias traçados em comunhão com todos os seres que aqui estiveram, estão e estarão sob esta luz grandiosa rasgada em jucundidade e arrebatamento... 


segunda-feira, março 08, 2021

Segunda, 8. 

A China é paciente, recolhida e atenta. Tem a questão de Hong Kong atravessada e não desiste de aprisionar os habitantes do país (sim, do país) de forma a reduzi-los como Salazar fez nas ex-colónias. Impôs uma nova lei de segurança nacional à sua imagem, quero dizer, obstruindo a liberdade de expressão e a participação dos cidadãos na política. Assim, é Pequim que se encarrega da triagem dos candidatos, velando que todos e cada um sejam “patriotas”. Vê-se. Ainda a semana passada a polícia carregou sobre os manifestantes pró-democracia e deteve 47 acusando-os de conspiração contra o Estado. Em que é que o comunismo difere das técnicas que nós conhecemos no tempo da ditadura salazarenta? Festejar 100 anos do PCP, sim. Sobretudo pelo muito que fez para correr com o regime obstrutivo da liberdade. Aceitá-lo no conjunto de uma democracia participativa, sim. Tê-lo a governar sozinho Portugal, não. 

         - Estou a ler A Um Deus Desconhecido e logo nos primeiros 10 capítulos, apercebo-me que as personagens com os seus nomes e vidas me são familiares. Devo ter lido este romance extraordinário de John Steinbeck na adolescência. Todavia, a narrativa da chegada de Joseph Wayne à costa Oeste dos Estados Unidos, é magistral na medida em que o escritor nos dá a força do corpo em comunhão com a terra, a natureza e um e outra possuem qualquer coisa de sensual, de excitante, de poderoso que só o talento de um grande escritor consegue traduzir. Voltar àquilo que eu um dia fiz layout para a editora Difel – “A grande literatura.” 


domingo, março 07, 2021

Domingo, 7.

Aquela de Jerónimo de Sousa chamar “velho” a Cavaco Silva, dá a impressão que ele tem vinte anos. Se os tem, está demasiado enrugado. Esta é a classe política portuguesa no seu melhor. Aprenderam com Trump. 

         - Cheguei ao ano 1934 ou seja a página 1020 do Diário de Julien Green. Tudo o que vou relembro, já não me surpreende nem indigna. Todos temos um caminho a fazer para chegar a Deus e Ele é quem nos conduz. Pode ser perfeitamente através da nossa natureza sexual, por muito debochada que seja, que nos purificamos. Jesus escolheu Madalena e por ela tinha estima.  

         - O Papa prossegue a sua histórica visita pontifical por terras do Iraque. Foi a Mossul o baluarte do Daech onde os católicos sofreram horrores. E a Ur onde diz-se nasceu Abraão, recebido pelo ayatollah Ali Sistani o grande líder dos xiitas muçulmanos. Por todo o lado, é o diálogo inter-religioso que prega. 

Francisco recebido por Ali Sistani na sua modestíssima casa. (Foto Público) 


         - Depois os desvarios ou insanidades da vida desaparecem perante o sumptuosidade do Sol. Assim, imprevistamente, hoje, a seguir a duas horas de leitura, quando nada estava programado e julgava que o Baker não me autorizaria tão cedo a pegar em máquinas, eis que consigo sem dificuldade pôr a trabalhar o corta-relva apesar de não o fazer desde o verão passado. Duma  assentada, fiz metade do vasto relvado próximo do salão. Transpirava em bica, pedindo ao Baker fosse indulgente comigo e me deixasse pelo menos fazer aquela parte do jardim – obrigado Mr. Baker. Falei com o Francis (pelo menos uma hora de Paris), António, Alain, Carlos Soares (interessante conversa sobre Bernini e Caravaggio os artistas que não deixo de ver de cada vez que vou a Roma e que ele também venera), Glória e Raul com quem estive a tomar chá. Portas e janelas ficaram abertas em cima e em baixo todo o dia. É Verão, enfim, Santo Deus!  


sábado, março 06, 2021

Sábado, 6.

O dia de ontem foi perfeito, pleno. Fui a Lisboa no carro com uma estratégica acertada: deixar o cangalho no parque do Corte Inglês e fazer as muitas voltas pela cidade em táxi. Fui ao Centro de Saúde levar as radiografias ao joelho, observadas umas e outro pela médica de serviço assistida por uma estagiária acabada de se formar, ambas concluíram que a máquina está perfeita e a inflamação quase curada. Resta o Baker que deve abalar também por sua alta recreação; se assim não for, extraem-mo. Falei no anti-inflamatório do Tó que a médica experiente concordou e receitou. Acresce que devo ver um fisioterapeuta, circunstância que desde sempre me seduziu conhecer. Montei outro táxi para ir ao laboratório levantar a tac que fiz aos maxilares e rumar à Rua da Beneficência depositá-la na recepção do meu dentista. De seguida, de regresso ao Corte Inglês onde não fui a traído por nada e, já ao volante do automóvel, disparei para o Vitta Roma a comprar o almoço e a correr a velocidade moderada para casa. Moderada? Sim. Havia na atmosfera um retardamento do inverno rigoroso, com salpicos de chuva, o Tejo manchado de escuro, e toda a sombra da nostalgia que me embriaga, cercando-me. Pena não ter música no carro há mais de dois anos, simplesmente porque não sei como aquela porcaria funciona. Perdeu-se esse prazer quando o carro esteve sem bateria. Agora canto eu através da paisagem que me acolhe com reconhecimento da escolha que fiz deixando a cidade onde nasci para mergulhar no campo onde tudo se harmoniza com a minha maneira de ser. Há uma Lisboa a norte do rio; outra a sul no deserto que o outro inventou enquanto político desgraçado que nem o povo e o país conhece.  Adoptei esse “deserto”, qual Lawrence de Arrábida em busca de sensações fortes que se escondem nos interstícios proibidos do meu corpo. Não lanço olhares melados aos rapazinhos que por aqui vivem como a conhecida personagem de D. H. Lawrence; mas invento para mim uma multitude de sensações que cobre o universo complexo de cada um de nós. Ao portão fui recebido pelo pastor que arreia as calças neste lugar (tornou a fazê-lo ontem aqui dentro da quinta) e uma centena de ovelhas. Aberta a cancela, elas entraram, esbaforidas, e nem o seu guia nem o cão que o acompanhava, puderam evitar a invasão desordenada. Num ápice a terra virou um campo de futebol que nem os milhões do Ronaldo que o Herman inveja, dariam para que eu o autorizasse a fazer os seus tradicionais malabarismo com a bola neste tapete viçoso.  

O pastor está de vermelho vestido, o gado vai sair. (toque na foto) 


         - Para que não digam que estou sempre do contra, afirmação bem portuguesa onde todos estão de acordo com todos, aqui vão algumas afirmações que assino de cruz: 

“Nem André Ventura nem Mamadou Ba (que eu não sei quem é, mas gosto do nome) representam aquilo que é o sentimento generalizado do país. Felizmente.” António Costa dixit. 

“Esta crise (referia-se à pandemia) foi o maior atestado de falhanço das visões neoliberais.” António Costa. 

“O PS é muito permeável ao poder económico.” Catarina Martins.  

         - Excelente o Público Especial 31º Aniversário, sob a batuta, e que batuta!, de Manuel Sobrinho Simões um médico como antigamente, sem nada a ver com muitos dos seus colegas de hoje, que nem olham ou falam com o doente, perguntado ao computador que pensa ele do estafermo que está na sua frente. 


quinta-feira, março 04, 2021

Quinta, 4.

Vinte anos após a tragédia da queda da ponte de Entre-os-Rios, o Governo capitaneado pelo Presidente da República, está a comemorar o funesto acontecimento sob o eufemismo de recordar os que desapareceram. E foram ao todo 59 pessoas e destas ainda não apareceram 23. De facto, esta maneira de chefiar à socialista (eles estavam no poder na altura), é sem vergonha nenhuma. Em vez de se penitenciarem pela falta de fiscalização às infra-estruturas estatais, sacodem a água do capote com a misericórdia piegas de lembrar os que o rio levou. É ludibriar as pessoas e a memória dos falecidos! Então o ministro responsável demitiu-se e daí a tempos estava a administrar o reduto socialista da Mota e Engil. Não houve culpados, nunca há culpados neste desgraçado e triste país.  

         - Claro que apoio todo o tipo de revolta. Desfilo ao lado daqueles que em Madrid e por toda a Espanha gritam contra a monarquia corrupta e arrogante e defendem a República com a prisão. Refiro-me às ininterruptas manifestações de suporte ao rapper Pablo Hasél. Em favor das suas justas revoltas, está o facto de o rei de Espanha ter recebido na sua residência de luxo, em Abu Dhabi, as duas filhas. Estas deslocaram-se ao país mais corrupto do mundo, como outros o estão a fazer de resto, para serem vacinadas contra o SARS-CoV2. Aliás, esperta e ditatorial como é a monarquia lá, logo criou um turismo para ricos que desembarcam na capital, vacinam-se e partem no avião seguinte. Os pobres, os deficientes, os que têm doenças graves, os velhos ficam para trás. Entre nós, miseráveis como somos, basta alguém ir carpir para qualquer canal televisivo, para conseguir tudo o que o Governo devia dar por direito e boa governação. 

         - Um festival da natureza acontece no momento em que escrevo estas linhas. Chuva forte, vento e trovões varrem o espaço onde de manhã havia suavidade e beleza e as mulheres de Zuckerberg, de Facebook debaixo da língua, discutiam a vida maravilhosa dos seus relacionamentos virtuais. Terminei as 400 páginas de Ordesa que li nuns escassos dias. A ele tornarei para algumas palavras. Faz frio. Não posso ir lá fora buscar lenha e é uma pena voltar a sujar a lareira que a Piedade esta manhã deixou num brinco. Confinados, limito-me a registar com quem falei: Robert (foi hoje vacinado), Annie, António, Carlos Soares. São 16 horas e 4 minutos. 

quarta-feira, março 03, 2021

Quarta, 3.

Pelo que vi ontem em Lisboa e pelo que ouço aos políticos, temos o caldo entornado não tarda. Todos com as suas razões e interesses, reclamam a abertura da vida tal qual a levávamos antes da chegada do coronavírus. Falam dos queridos meninos e meninas que estão em stresse, coitadinhos, da economia que definha, dos estudantes doidinhos por voltar à escola e de outras fantasias que não pode haver tantas. Uma coisa é certa: não tarda a tragédia voltará com mais mortes e sofrimento. E de nada servirá a António Costa e a Marcelo de Sousa penitenciarem-se com a desgraça do Natal e fim de ano - os mortos estão mortos e os infectados têm ainda um longo calvário de mais de um ano para se recompor. Costa fala agora em civismo como se este povo soubesse o que isso é; devia começar por lhe explicar o que quer dizer esse chavão. A asneira que a loucura da ambição pelo poder os levara, assim como a todos os deputados. a praticar está em linha com o que se exercita nesta democracia onde ninguém é culpado de coisa nenhuma, ninguém é despedido, todos estendem uma larga capa protectora de onde em onde emergem em candura e inocência. Na realidade, se fôssemos um povo decente, devíamos estar de joelhos a agradecer a Deus ter-nos dado políticos tão honestos, desinteressados, competentes, que em quase 50 anos de democracia transformaram Portugal num país sem pobreza, culto, solidário, equilibrado, com Justiça a chegar a toda a gente e saúde também, e onde todos os outros habitantes da Terra fariam fila para aqui habitar. Assim sendo, francamente, não somos dignos desta classe política abençoada pela inteligência e dignidade e lisura que as suas raízes nobres lhe outorgaram – simplesmente não a merecemos.  


terça-feira, março 02, 2021

Terça, 2. 

O ex-Presidente Nicolas Sarkosy foi condenado por corrupção e tráfico de influência a três anos de prisão sendo um efetivo, os outros dois em domicílio. O caso arrastou-se desde 2014 quando se soube de pagamentos da multimilionária dona da L´Oréal Liliane Bettencourt para financiar a campanha eleitoral de sua excelência. Recordo que este senhor, assim que foi eleito, sentindo-se dono da França, aumentou o seu salário para o dobro. Mais: é com ele que começa o descalabro na política, a vulgaridade, o desrespeito das pessoas, a aldrabice e a impunidade; ele antecipa a chegada de Trump. Foi também com ele no poder que a Líbia depois de ter sido endeusada pelo pacóvio, o seu Presidente acaba assassinado. É um homem complexado, para quem as honras e, sobretudo, a riqueza subiram-lhe à cabeça e pensava chegavam para anular as suas origens magrebinas. 

         - Já não volto a Lisboa de automóvel. Quando antes, saindo daqui de casa em 20/25 minutos estava no Amoreiras, hoje levei 35. Muito trânsito, muita gente por todo o lado, a cidade em retoma nítida contra o que o Governo decretou. Fui ao lado do buraco do João levantar as radiografias ao joelho, segui depois para o laboratório a fazer uma tac ao maxilar superior e inferior, de seguida ao Centro de Saúde onde não pude estacionar não obstante várias tentativas até ao Jardim da Estrela; tudo em vão tendo voltado para trás e ido ao Vitta Roma comprar o jantar e meter pé no acelerador de retorno ao meu convento, para junto das minhas queridas zuckerberguianas. Por lá deixei 140 euros, fora o que irei despender no tratamento integral dos dentes. Bref. A crédito do dia saltimbanco, o estímulo cognitivo que tudo isto provoca tendo em conta os meses de confinamento. 

         - Ontem ao serão, estando madraço, após a entrevista à maestrina Joana Carneiro com algum interesse, fui espreitar outro guru cá do sítio que muito prezo, o arquitecto Siza Vieira. Não achei a entrevista e vi a do Herman José. Vi é uma forma de falar: saltei sobre ela como o diabo sobre a cruz. Que desinteressante! Que vulgaridade! Que falso humor que encobre tanta pobreza franciscana! Vou ali buscar uma vez mais Manuel Vilas e o seu Ordesa (a editora deu-lhe o subtítulo Em tudo havia beleza saído de uma passagem do romance) para o parafrasear: “Que Deus dê uma boa dose de miséria a todos esses pirosos que dizem que o dinheiro não traz a felicidade.” 

         - Nunca dormi tanto e com tanta paixão. Desde aquela noite de insónia, parece que o meu cérebro e corpo não param de se desforrar. Durmo desalmadamente. Adoro a minha cama, o edredão de penas de ganso onde me enrolo, o quarto silencioso onde todos os fantasmas desembocam, assim como os anjos e os arcanjos, uma comunidade que vela por mim, sem ruído, como bênção celestial, um modo silencioso de me embalar. Assim que me afago entre lençóis - depois dos gritinhos que os arrepios de frio provocam -, a minha tensão deve descer abruptamente (ontem medi-a antes de subir: 13-6,5) que em minutos passo-me para o outro lado onde a vida reinventa-se e o tempo imobiliza-se. Às vezes luto contra essa urgência biológica, quero ficar a escutar o murmúrio do silêncio que se despega dos livros que estão em meu redor, companheiros queridos, a quem me amparo nos momentos difíceis, nas horas de descrença. Fecho um olho e pestana o outro, numa luta pela sobrevivência do dia que teima em se irmanar à noite profunda. Não vejo o firmamento inundado de miríades de estrelas, não espreito a Lua que tem por hábito ficar estática à minha janela, porque durmo de portadas cerradas, no escuro-claro do interior onde o ciclorama da comédia diurna acontece por etapas nos sonhos que o reproduzem. Durmo no vagar apressado das horas e quando acordo do longo lençol quedo da noite, um frisson de encanto e felicidade obriga-me a um suspiro de conforto e volto a virar-me para o outro lado e readormeço. Passadas mais de oito horas, não obstante o corpo me pedir que não saia onde se sente como num céu de penas perdoadas, começo a ouvir o miar dos irmãos Black que dormem por baixo, no telheiro. Mesmo eles são ternos na fome que nunca os larga. Usam expressões felinas de meiguice, a pedir docemente que desça a dar-lhes os cagalhotos de que tanto gostam. Só então, depois das preces matutinas, me ergo daquele vale de sussurros lucífugos para me reinventar nos picos translúcidos da manhã que desdobra o seu rastro luminoso e se acomoda em mim e eu a saúdo genuflexo para receber a sua bênção...  


segunda-feira, março 01, 2021

Segunda, 1 de Março. 

Glória, sexta-feira passada, num fórum na Internet, juntou-se a mais uns quantos benfeitores e abalou a meio da noite para o Montijo a levar tudo o que pôde recolher na despensa e capoeira a uma família que se encontrava na mais extrema pobreza. O que me contou do que viu, deixou-me perturbado para o resto do dia. Foi como se o quadro entrasse dentro de mim e aí ficasse alojado até a noite. 

         - Katherine Mansfield tinha uma personalidade forte e frágil a um tempo. Numa carta enviada a Virginia Woolf, em Agosto de 1917, portanto, em plena Primeira Grande Guerra, desabafava: “Não deixe que ninguém a convença de que gasto o meu precioso tempo a comprar e vender chapéus e a cometer adultério.” Virginia que era muito desaforada, publicou-lhe Prelude,  mas nem por isso deixou de anotar no seu Diário, em 11 de Outubro de 1917: “O jantar de ontem passou: as tais coisas melindrosas foram discutidas. Ambas gostávamos que a primeira impressão com que se fica da K. M. não fosse que ela cheira a... bom, é como se ela fosse um gato almiscareiro que se pusesse a andar pelas ruas. Fico na verdade um pouco chocada com a vulgaridade que ela tem, à primeira vista; as feições são duras e tão banais. Mas, quando esta impressão diminui, ela é tão inteligente e tão insondável que corresponde à amizade (...) 

         - Novos tumultos em Pequim, assim como em Moscovo. Cada povo à sua maneira unidos no mesmo princípio: lutar contra a ditadura e pela defesa dos direitos humanos e democracia. Na Birmânia, o Exército atacou os manifestantes, desta feita mostrando a sua força e dando satisfação ao “imperador” chinês, morreram 18 pessoas. 

         - As mulheres de Zuckerberg tinham desaparecido. Voltaram esta manhã envoltas no nevoeiro cerrado. Quando eu saí para o Auchan pelas sete e meia, já elas tosquiavam as videiras junto ao meu terreno. Eram muitas mais e havia no grupo três velhotes. Talvez por isso, o mundo barulhento do Facebook não se fazia ouvir ou a atmosfera pesada dissipasse os enredos sinistros das vidas zuckerberguianas.   

         - Entra Sr. Manuel Vilas, é a segunda vez que assaltas estas páginas e decerto não será a última. Porque me surpreendes ao dobrar de cada página das 400 que compõem o teu rio imenso. “O capitalismo baseia-se na diversidade da nossa cobiça. A cobiça humana é inenarrável. Andamos há séculos a narrar a cobiça, e nunca a alcançamos. O capitalismo atávico acaba por ser uma forma de comunismo.” (pág. 242).