segunda-feira, março 01, 2021

Segunda, 1 de Março. 

Glória, sexta-feira passada, num fórum na Internet, juntou-se a mais uns quantos benfeitores e abalou a meio da noite para o Montijo a levar tudo o que pôde recolher na despensa e capoeira a uma família que se encontrava na mais extrema pobreza. O que me contou do que viu, deixou-me perturbado para o resto do dia. Foi como se o quadro entrasse dentro de mim e aí ficasse alojado até a noite. 

         - Katherine Mansfield tinha uma personalidade forte e frágil a um tempo. Numa carta enviada a Virginia Woolf, em Agosto de 1917, portanto, em plena Primeira Grande Guerra, desabafava: “Não deixe que ninguém a convença de que gasto o meu precioso tempo a comprar e vender chapéus e a cometer adultério.” Virginia que era muito desaforada, publicou-lhe Prelude,  mas nem por isso deixou de anotar no seu Diário, em 11 de Outubro de 1917: “O jantar de ontem passou: as tais coisas melindrosas foram discutidas. Ambas gostávamos que a primeira impressão com que se fica da K. M. não fosse que ela cheira a... bom, é como se ela fosse um gato almiscareiro que se pusesse a andar pelas ruas. Fico na verdade um pouco chocada com a vulgaridade que ela tem, à primeira vista; as feições são duras e tão banais. Mas, quando esta impressão diminui, ela é tão inteligente e tão insondável que corresponde à amizade (...) 

         - Novos tumultos em Pequim, assim como em Moscovo. Cada povo à sua maneira unidos no mesmo princípio: lutar contra a ditadura e pela defesa dos direitos humanos e democracia. Na Birmânia, o Exército atacou os manifestantes, desta feita mostrando a sua força e dando satisfação ao “imperador” chinês, morreram 18 pessoas. 

         - As mulheres de Zuckerberg tinham desaparecido. Voltaram esta manhã envoltas no nevoeiro cerrado. Quando eu saí para o Auchan pelas sete e meia, já elas tosquiavam as videiras junto ao meu terreno. Eram muitas mais e havia no grupo três velhotes. Talvez por isso, o mundo barulhento do Facebook não se fazia ouvir ou a atmosfera pesada dissipasse os enredos sinistros das vidas zuckerberguianas.   

         - Entra Sr. Manuel Vilas, é a segunda vez que assaltas estas páginas e decerto não será a última. Porque me surpreendes ao dobrar de cada página das 400 que compõem o teu rio imenso. “O capitalismo baseia-se na diversidade da nossa cobiça. A cobiça humana é inenarrável. Andamos há séculos a narrar a cobiça, e nunca a alcançamos. O capitalismo atávico acaba por ser uma forma de comunismo.” (pág. 242).