terça-feira, dezembro 31, 2019

Terça, 31.
Esta frase de Ingres que eu conhecia, mas não sabia ser dele e vem citada no Diário de Green (enfim, nem tudo é pouca vergonha...): “Avec le talent on fait ce qu´on veut. Avec le génie, on fait ce qu´on peut.”

         - A propósito. Findo o ano com 510 páginas lidas desde o início do mês do desconcertante Diário de Julien Green. Nada mau. Sobretudo se a isto somar mais 215 do livro sapiencial do AT.  

         - Donald Trump, goste-se ou não da personagem, eu não gosto, embora não reprove tudo o que o homem faz ou diz à sua maneira alarve, tem tanta importância que o Público de domingo oferece-lhe nada mais nada menos que 6 páginas de maldizer.

         - Marcelo, no afã de ultrapassar Mário Soares em popularidade, corre a todas sem se perceber qual é o critério. Agora acaba de condecorar um homem do futebol que fala um português que eu me vejo grego para entender, com a Ordem do Infante D. Henrique - du n´importe quoi. 

         - A pouco e pouco, aos olhos de toda a gente, os países concentracionários – Rússia, Coreia do Norte, China – vão implementando a estratégia da guerra. Dominados pela força e autoridade os seus povos, com liberdade de expressão suprimida ou vigiada, voltaram-se para a arma mais bélica dos nossos dias: as redes sociais. Assim, a Rússia, juntando-se aos regimes ditatoriais, construiu também uma rede de Internet, a RuNet, exclusiva que lhe autoriza espiar e controlar os seus compatriotas, em circuito fechado, quero dizer uma rede que não permite aos cidadãos entrar em contacto com os habitantes e amigos de outros países, com servidores próprios e técnica bastante para garantir aquilo a que chamam “a segurança das infra-estruturas do país em caso de ciber-ataque”. Mais: os fornecedores de Internet russos são obrigados a adquirir tecnologia bastante que possibilite desligar os tráfegos globais, reencaminhando toda a informação para o servidor estatal denominado Roskomnadzor.

         - A Austrália, como se o fogo fosse uma brincadeira e as inúmeras mortes e casas destruídas e árvores comidas pelas chamas e ainda ontem terem morrido mais duas pessoas, decidiu comemorar a entrada no Novo Ano com fogo de artifício monumental. Já antes, em pleno desastre, o primeiro-ministro tinha deixado o país para férias. Que dizer? Os governantes são tão assassinos como os governados.

         - Hoje todo o santo dia brumoso. Tempo típico de Paris – moche, moche.

         - A imagem do mundo tal como o vejo neste dobrar do ano. Há tanta tragédia a desenhar-se diante dos nossos olhos distraídos, que o confronto com a realidade só pode terminar num banho de sangue e no desaparecimento dos valores de liberdade que nos elevaram desde a Segunda Grande Guerra. Apesar disso, teimo em ser optimista, não quero deixar de desejar aos meus leitores um 2020 barrado às desgraças e iluminado pela fraternidade como valor originário da humanidade.  

 
Foto dos despojos de Notre-Dame, paradigma eloquente que as palavras não ousam  revelar 

sábado, dezembro 28, 2019

Sábado, 28.
Chou Chou deu uma de sério o incorrupto, como se houvesse hoje políticos talhados como diamantes. Que eu saiba, lá no país dele só De Gaulle que até as viagens de casa para o Eliseu pagava do seu bolso ou Salazar que nem a esquerda ousou pôr em causa a sua honestidade. O homem quer convencer os trabalhadores que a sua proposta de reforma é baseada na equidade e, por isso, vai ao ponto de rejeitar o direito à reforma de Presidente quando deixar o cargo. Eu se fosse banqueiro, também não me importava com a gorjeta de Presidente da República. Dito isto, o sujeito até tem feito coisas acertadas para acabar com as mordomias dos deputados e senadores, sabendo que a populaça está mais atenta e menos inclinada a deixar passar os exageros das leis sobre o assunto que eles próprios fizeram ou fazem. Por cá ninguém percebe porque razão temos de pagar reformas vitalícias aos deputados, suplementos chocantes aos ex-chefes de Estado.  A que propósito? Grandes manifestações hoje nas ruas de Paris e por todo o país.

         - Grabriel Matzneff está de novo em maus lençóis. Com mais de 80 anos vê-se nas bocas do mundo por causa de um livro que acaba de sair escrito por uma sua ex-amante.  Ela conta que ele a seduziu quando tinha catorze anos à saída do liceu. Ele ia nos cinquenta e poucos. Eu que continuo a ler o outro Green, e riu-me quando penso na evolução ou retorno destes princípios morais. Se o autor de Épave fizesse a hoje vida que levou entre os 20 e 40 anos, a sodomizar miúdos de 14 e 15 anos, estava nos calaboiços. Ele e Gide, Montherlant, Cocteau, Jouhandeau, Max Jacob, Lacretelle assim como a corte imensa de pintores, coreógrafos, rapazes da dança, da moda e passo, sem esquecer o seu “bobby” cherri Robert de Saint-Jean.  


         - Dia resplandecente, claro, quente qb.  

sexta-feira, dezembro 27, 2019

Sexta, 27.
Um provérbio que se encaixa às mil maravilhas no remediado José Sócrates: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem.”

         - Não sei o que deu aos meus amigos casados e com filhos: parece que viraram borboletas. Suponho ser da época porque o Carlos com quem almocei no domingo, fazia-me avanços e promessas e ainda não tinha bebido um copo. Hoje enviou-me um sms tratando-me por amor. O Simão, quando ia a caminho do Porto com a Conceição, telefonou a desejar-me o costume nesta altura. Assim que premi o botão: “Amor como tás?” Se o bebé Nestlé não pôs nada nas águas de Lisboa, a que se deve esta súbita reviravolta das libidos até aqui voltadas para Vénus? Ainda o Simão tenho a quem o enviar se o comportamento se mantiver, mas o Carlos... Até porque este só fica operacional com dois comprimidos azuis; enquanto aquele devem-lhe chegar duas cervejas loiras... Digo eu que destas coisas nada sei.

         - Preguei esta manhã na Brasileira onde estava o grande educador da classe operária. Disse eu: “Os povos hoje, graças às redes sociais, não lutam por ideologias, mas contra os corruptos que os governam. Unidos num projecto comum, progressivamente, vêm tomando o seu destino em mãos.

         - Borbulha no meu cérebro há algum tempo a história do matricida, mas ainda não encontrei o final que deve guardar a chave de todo o romance – sem final, impossível começar.


         - Um elogio ao Mágico. Desde há três semanas a Fertagus acrescentou mais duas carruagens o que tornou a viagem mais humanizada. As bestas agradecem.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

Quinta, 26.
Há tantas provas que os partidos, à excepção do BE, Verdes e pouco mais, se estão nas tintas para o buraco de ozono, alterações climatéricas e saúde pública, que uma simples proibição do glifosato hoje reconhecido como causador de vários tipos de cancro, não passou a semana passada na Assembleia. Os interesses das grandes empresas são mais importantes que as pessoas e as suas vidas. Cambada de hipócritas.

         - Este e-mail que Brito me mandou e revela o homem lúcido e o jornalista exemplar que ele foi.

“Estimado amigo Helder
Registo com agrado as suas palavras votivas de esperança por um ano melhor e retribuo com os votos chineses: SABEDORIA, LONGA VIDA E ABUNDÂNCIA.
Goze a vida o melhor que puder e souber, o resto são sonhos desfeitos e circunstâncias que nos escapam.
Abraços neste período de CARNAVAL...
Dias Brito”

         - Há em Portugal muito poucas pessoas capazes de manter a autêntica liberdade que é  dizer o que pensam e fazê-lo de mente aberta e espírito livre. Cito duas: Ana Gomes e Francisco Teixeira da Mota. Portugal e a democracia devem-lhe muito, porque ambos assentam as lutas na ética que comanda o raciocínio, a razão e a objectividade. Os partidos, as pessoas como Isabel dos Santos, os políticos como José Sócrates fogem deles. Estão sempre certos? Longe disso. Como todos os intelectuais que se expõem em favor da verdade e da justiça e correm riscos com isso, devem merecer o nosso reconhecimento. Os outros, os que se calam, têm medo, são covardes, imbecis, concordam com statu quo, merecem simplesmente o nosso desprezo.

         - Na Missa do Galo a que assisti, o Papa Francisco, lançou: “independentemente dos nossos pecados, Deus ama-nos”. É uma admirável mudança da Igreja na relação de Deus connosco, muito distante daquela imagem do Deus vingativo e tirânico, vinda através dos séculos, empurrada por S. Paulo e Santo Agostinho, que afugentaram milhares de católicos. Quando Deus é amor desde o princípio dos tempos.

         - A impressão que tenho é que se não houvesse pobreza disparava o número de desempregados. Esta sensação é mais clara para mim nesta altura do ano. Porque ao ver a quantidade de almas caridosas que se dedicam a levar ao estômago dos infelizes a consoada de Natal, sei de fonte segura que, atrás de todo este movimento, estão interesses de muita ordem, a começar pelos salários gordos dos presidentes, directores, gestores das instituições que deviam existir voluntariamente ou não existir de todo se o Estado fosse mais equitativo. E quando eu ouço na televisão - que é o lugar certo para a grandeza destes franciscanos -, dizer que o pobre não tem dinheiro para dar uma prenda ao filho, para uma ceia digna da quadra, o problema não é ter meios para dar o que as crianças desejam - é ter dinheiro para comer o ano inteiro. Enfim, já D. Dinis acusava os conventos de manterem milhares de pobres às costas da caridade que não queriam trabalhar.

         - O que quero reflectir é sobre o país que somos. Dizem-nos que a democracia mudou muito quem somos e como somos. Talvez aqui e acolá, mas para pior. O baixo nível cultural é enorme, há uma razia de abaixamento da qualidade em quase todos os sectores,  a aridez da vida que vivemos, feita de coisa nenhuma, montada sobre valores efémeros que nos democratizam na mediocridade, no egoísmo, longe de qualquer valor moral, ético, educacional. E no entanto, sou dos que acredito que os valores essenciais da nossa raiz estão por aí ofuscados pela imposição do dinheiro, do ter, da importância em linha com os novos-ricos diplomados na arrogância, no provincianismo, na bazófia. Tombámos todos para um lado só: futebol, o enriquecimento, o quotidiano árido, à manjedoura da televisão, a grande culpada da rifa 0. Está tudo padronizado pelos Trumps, Bolsonaros, Xi Jinpings e assim. Um exemplo: na véspera de Natal cheguei a casa e liguei a televisão. Na RTP1 deparei com um pacóvio a cantar balouçando-se todo: “Maria tchá tchá tchá”, um horror de mau-gosto, de sargeta, de; zarpei para Viena onde à mesma hora, no velho teatro onde tinha estado há dois anos nesta altura, à cunha, acontecia um espectáculo maravilhoso de canções de Natal. É isto que o povo quer ou é isto que lhe dão?

         - Sobra deste tempo a descoberta histórica feita por uns cómicos brasileiros travestidos de eruditos, segundo os quais Jesus Cristo era homossexual. Bom. Sabemos como são os nossos cómicos, imaginem os seus confrades brasileiros. Ambos sabichões de muita cultura, de língua afiada e sexo mal vivido, amantes do dinheiro e fama porque a vida de cómico é difícil, servem-se de tudo e de todos em nome da liberdade de expressão. Os seus patrícios de além-mar não gostaram e meteram-lhes umas bombas no edifício onde foi produzida a obra de arte. Se o grosseiro ataque fosse contra Alá, liquidavam-nos um a um. Mas Jesus Cristo é bom e está habituado a estas investidas idiotas e oportunistas.  


         - E com esta me vou: quando é que o Mágico deixa a propaganda e passa a governar?

terça-feira, dezembro 24, 2019

Terça, 24.  
A Alice referia-se ontem às toneladas de “amigos” que não têm uma palavra durante todo o ano, mas apressam-se a saudá-la e a desejar-lhe com a mais pura falsidade tudo e mais alguma coisa no próximo ano. Eu já me livrei disso. Foi a pouco e pouco de modo a rejubilar com os votos dos autênticos amigos, aqueles que sabem criar amizade e mantê-la na mais sublime reciprocidade e sinceridade.

         - A televisão onde tudo é cinismo e hipocrisia, fala do “espírito natalício”. Quer dizer do princípio cristão da quadra. Mas onde é que isso já vai! E mesmo quanto à família, que os cómicos apresentadores se esforçam por alimentar, empurrados pelas marcas que não dispensam a fantasia, também estamos conversados. As estatísticas sobre a instituição são o melhor paradigma, assim como o número de mulheres mortas às mãos dos maridos, os casais em união de facto, as toneladas de divórcios, as vidinhas de fachada e os milhares de infelizes a representar o papel doloroso e confrangedor do faz-de-conta.

         - Em França, apesar da época natalícia, contra os pedidos para que suspendessem a greve, os bravos maquinistas dos comboios não cederam um milímetro e reafirmam que estão ali para mais um mês se Chou Chou não mudar de intenções quanto à reforma por pontos.

         - Avanço, enfim, devia dizer antes arrasto-me na leitura dos salmos atribuídos a David (livro sapiencial, vol. IV, tomo 2, tradução de Frederico Lourenço). A beleza deste versículo (39:18): “Meu auxiliador e meu protector és Tu. Meu Deus, não demores.”


         - Dois dias simplesmente radiosos. Aproveito-os, lendo, lá fora, um chapéu de palha na cabeça, em calções, gozando do privilégio que me coube de viver num lugar representativo do Paraíso. Glória in excélsis Deo.