Sexta, 20.
Há algo de misterioso no
relacionamento-amizade que construímos na adolescência e depois a vida se
encarrega de suspender com a morte ou o afastamento sem causa aparente. A
quantidade de amigos que, graças a este registo, me descobriram e se
aproximaram de mim depois de anos de ausência em que nos perdemos de vista, é
impressionante. Outro dia em Paris Christian, Rui, Zé, Luís, Ana, Werner... O
mais curioso é que todos levaram aquilo a que os moralistas chamam uma vida
normal, quero dizer, casaram e tiveram (alguns) filhos. No caso do meu amigo
suíço, a carta que esta manhã me chegou, deixou-me paralisado. Leio a seguir a
exposição da sua vida corrente: “Seulement la grande amitié me manque, une
solitude permanente...” É de dilacerar o coração mais empedernido. O curioso
porém, é que o tema central do romance que há dias dei por terminado, O Juiz Apostolatos, é deste sentimento
que trata: a história de dois amigos que se conhecem na infância, caminham
juntos nos bancos da escola, na universidade, na vida profissional, enfrentando
uma porção de situações muito difíceis que só uma grande união edificada na
adolescência pôde suportar. Metafisicamente falando é nesses laços onde tudo
ocorre, as maiores descobertas ocorrem, se misturam os sentimentos, nada está
definido e tudo congrega para que ao longo dos anos eles sejam o suporte de
sonho e fantasia, realidade e fabulação, que vai permitir a realização do ser
protegido pelo amor descomplexado e puro. Vergílio Ferreira dizia que a
verdadeira amizade é a que se constrói na juventude. Não concordo, mas
compreendo.
- Esta manhã, apesar da Elsa (agora deu-lhes para dar nomes às desgraças),
cheguei cedo a Lisboa. Passei no Corte Inglês para pagar a conta do mês de
Outubro e, ante a resposta da empregada que não havia nada a liquidar, me
lembrei que tinha passado todo mês em Paris. Já que ali estava, comprei o
jantar e um Bolo Rainha, muito mais barato que aqueloutro da Nacional. O que eu
não sabia, é que o que se compra convencido que é feito no dia, vem congelado
de várias partes do país, sobretudo salgados e assim, e posto no forno de
manhã. Bom. Dali passei na Brasileira e desci de seguida à fnac à procura do
Routard Hungria-Budapest aonde conto chegar no próximo ano. A rapariga que me
atendeu desconhecia o que eu procurava e o colega que estava a seu lado ajudou,
desajudando-a. À despedida tive direito a um piscar de olho da parte do rapaz e
como fiquei em deambulações pela tentação dos livros, quando ia a sair voltei a
ter direito a nova piscadela acompanhada de um sorriso. Aquilo
pareceu-me um convite à dança ou talvez fosse só simpatia. Este meu interior vê
bailes nas pernas de quem não sabe dançar...
- Enquanto na Austrália os incêndios continuam às centenas com
temperaturas constantes de mais de 40 graus Celcius, por cá a tempestade Elsa
não nos larga. Ontem todo o dia e noite, foi um vendaval assustador. O enorme
cedro que ficou erguido na parte sul da quinta e era meu desejo derrubá-lo, a
Elsa fez o trabalho por mim. À parte isso, nada de grave aconteceu. De todo o
modo, as rajadas de vento a 80 km/hora metiam medo, e desde que aqui moro em
permanência que não recordo nada de semelhante. Por todo o país, a sua passagem
semeou a morte de três ou quatro pessoas, houve milhares de apelos aos
bombeiros, barcos parados, árvores derrubadas, casas abalroadas, estradas
cortadas, inundações...
- Ouço o vento em rajadas fortes lá
fora. Estou pacificado e cheio de confiança no meu trabalho.