quarta-feira, dezembro 18, 2019

Quarta, 18.
Ontem, a acompanhante do Virgílio, mulher curiosa e atenta, que tem o hábito de lhe ler o que eu aqui derramo quotidianamente, disse-me o que outro dia uma leitora me havia dito e a Isabel era frequente afirmar quando nos encontrávamos num almoço: que eu não sou acessível, há um certo mistério na minha pessoa, sou simpático, mas uma barreira impede a total interpenetração com os outros. Talvez tenha de admitir se tanta gente o diz. Pensando um pouco, se tal existe, lá volto eu, deve-se decerto à educação que foi a minha. Sou sóbrio por natureza, detesto impor-me, vivo num plano circunspecto que nada tem a ver com a recusa do outro. Recordo-me que nesses almoços, a Isabel começava sempre deste modo: “Quero que me conte tudo o que tem feito.” No final da refeição rematava: “Mais uma vez fui eu que falei de mim e do Helder nem uma palavra.” Mas também aconteceu doutro modo. Lembro-me do meu amigo, o editor Francisco Vicente, a quem eu contava o que diziam os meus leitores acerca do Diário publicado e dos apontamentos neste site. Quase todos falavam que não sabiam nada de mim, ao que Vicente respondia com uma imensa exclamação: “Ainda mais! O Helder já se expõe tanto!”  

Por falar no cómico...

         - Num passeio pelo Chiado, deparei com a Conceição. Estava na banca dos livros na Anchieta e ficámos à conversa um bom bocado. Nesse entretanto, prolongado telefonema do Alexandre a que ela assiste estando a meu lado. Ainda não foi desta que fiquei a saber se O Pesadelo dos Dias Felizes interessa à Porto Editora. O nosso contacto teve problemas de saúde e eu que sou sensível a essas realidades, logo desliguei do que me interessava. A saúde é mais importante que toda a obra de arte. Porque a vida humana é o mais perfeito resultado da criação artística.

          - Encontrei ali o livro do filósofo Cioran que há muito procurava, numa edição da Gallimard, La tentation d´exister. Que alegria!

         - Green, quando pelos trinta anos, menosprezou violentamente os velhos. Sobretudo aqueles que, apesar da idade, colhiam os favores dos jovens adolescentes nos banhos públicos e casas de prostituição masculina. Uma vez um deles, rejeitando o ilustre escritor, disse para o companheiro: “Esse aí está gordo. Deve ser de ficar horas sentado a escrever.” Imaginem como se sentiu o orgulhoso Julien ouvindo da boca de um pobre prostituto este desprezo. A longa vida que foi a sua, devolveu-lhe todos os insultos e escárnios que profetizou aos idosos. Esta foto, tirada pouco antes de morrer, não precisa de legenda.



         - Chuva, chuva abundante tocada a vento forte. Na lareira crepita o fogo como presença humana. Vou tomar um chá verde acompanhado de uma fatia de bolo rainha comprado na Confeitaria Nacional, Praça da Figueira, a 23 euros o quilo. Ufa!