sábado, setembro 30, 2023

Sábado, 30.

A estrela eclesiástica foi elevada a cardeal. Pobre Igreja que soçobra no delírio colectivo onde só conta quem possui jogo de rins capaz de se manter à tona da trivialidade e do espectáculo mediático. Em breve será o bispo aqui de Setúbal. Digo bem de Setúbal. Depois de se pavonear com as câmaras de televisão atrás e os ditos jornalistas à frente, sua Eminência desiludida por não ter sido chamada para o Vaticano ou indigitada para bispo de Lisboa, aceita resignada e humilhada, o posto que Francisco mordaz e atento lhe concedeu. Esta é a Igreja dos nossos dias. Felizmente que não é nem nunca foi a Igreja de Jesus Cristo. 

         - Fui ver a Teresa. Quando há duas semanas lá tinha ido, vim de lá de rastos. Hoje deu-se o oposto, vendo-a melhor e a reconhecer-me, sem gritos nem dores, fui eu que saí de coração cheio e felicidade a esbanjar. Calor assustador em Lisboa, e aqui de resto. 


quinta-feira, setembro 28, 2023

Quinta, 28.

Estas palavras de Damião de Góis, porventura proferidas pelo rei Salomão: “Descobri ainda, debaixo do Sol, que a corrida não é para os ágeis, nem a batalha para os bravos, nem o pão para os prudentes, nem a riqueza para os doutos, nem o favor para os sábios: todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte.”  Eclesiastes, Ed. Gulbenkian.   


segunda-feira, setembro 25, 2023

Segunda, 25. 

O mundo hoje não é sítio onde se possa encontrar felicidade. Foi tudo corrompido por valores relacionados com a avareza, a corrupção, a ambição, o alheamento do outro, a maldição da precariedade dos sentimentos, a desonestidade, a indiferença à pessoa que sofre, é marginalizada, não conseguiu aproximar-se dos padrões hoje concomitantes com a razia efémera que ficou institucionalizada e faz do analfabeto uma personagem brilhante, um chico esperto admirado pela plebe. O mundo dos nossos dias, está dividido entre bestas e chicos-espertos. Todos os valores morais, éticos, religiosos, perderam o sentido abalroados por confissões sem regras, sem tratados, sem origem nem princípios básicos de conduta humana. Estreitaram-se as razões. Hoje os partidos tendem a diluir-se, arrebanhados em duas directrizes: direita ou estrema-direita e esquerda ou estrema-esquerda. Depois como nos cocktails, pode entrar um pouco disto e daquilo desde que a barreira que demarca as posições não seja alterada. A merda dita ideológica perdeu a essência em favor da estratégia, dos interesses económicos, das cliques choldras que tomaram contam disto tudo. Foi tudo delimitado por baixo, quanto mais vulgar, primário, colectivo, melhor. As ilhas sociais e humanas, de conhecimento e ponderação, foram invadidas pelo entulho - estão submersas num imenso mar de caos e lodo. Pessoalmente, para sobreviver, deixei de ver telejornais e de escutar os pareceres subornados ou partidários dos locutores hoje chamados jornalistas. A casa que já era silenciosa, passou a ser insonorizada. Que bem que aqui se está!  Que o diga a Maria José que ontem saiu daqui às dez da noite, beatífica. 


segunda-feira, setembro 18, 2023

Segunda, 18.

Estou em Lisboa sem vontade de aqui estar. Estou sentado ao computador desejoso de não escrever. Espreitei o romance e desisti. Poderia ter ficado o dia a admirar a elegância no vestir do senhor Castilho se ele não me tivesse deixado pelo midday. Esta apatia é decerto restos do golpe de frio de outro dia. Na verdade a febre só aconteceu ao deitar e quando acordei até hoje nunca mais tive temperatura anormal. Poderia falar do nosso país, mas é tão enfadonho repetir-me. Voltar ao Green como tábua de salvação e enobrecimento, é sempre uma hipótese desejada. 

         - E todavia. A vulgaridade da nossa classe política não permite. Marcelo parece que fez um aviso a uma jovem portuguesa no Canadá onde está em visita de Estado. A rapariga exibia um decote exposto sujeita a contrair frio que entretanto se havia levantado. Logo a deputada socialista Isabel Moreira, a do PAN, todas as feministas mais o feministo do Livre vieram acusar o Presidente de “sexismo”. É mesmo não ter tema ou querer subir na idoneidade política há muito perdida. No entanto, quando o Presidente trolaró, afirma que “Portugal é bacalhau, fado e Cristiano Ronaldo”, ninguém se indigna. Cambada de idiotas.  

         - A Inteligência Artificial que os nossos pategos tanto louvam, já fez em todo o mundo 300 milhões de desempregados. Só em França, há uns meses, foram 300 duma vez para a rua, quando a empresa onde trabalhavam foi adquirida por um fundo americano. 

         - Na Líbia, a martirizada Líbia de que todos se serviram quando Kadhafi a governava, morreram 11 mil pessoas e 10 mil estão desaparecidas devido ao dilúvio e a duas barragens que se desfizeram como baralhos de cartas. 


domingo, setembro 17, 2023

Domingo, 17.

Fui ao Auchan. Na caixa de pagamento, eu e um rapaz de uns 15 anos, com ar infeliz e humilde. Como ele tinha apenas uma sandes e uma bebida de lata, ofereci-lhe passagem. A dada altura vejo-o a rebuscar nos bolsos o necessário para pagar o que tinha nas mãos. Disse ao empregado que pusesse na minha conta a despesa. O rapaz agradeceu-me, surpreendido e (deu-me a impressão) um pouco apoquentado. Depois de ter pagado as minhas compras, dirigi-me ao parque de estacionamento e que vejo eu ao fundo do super, o rapaz. Que me esperava para me agradecer. Fiquei tão comovido que tive dificuldade em conter as lágrimas. Desapareci, literalmente. 

         - Outro dia ouvi o discurso do estado da União pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen. Que sorte a nossa termos tido neste momento dificílimo em que nos encontramos, uma líder corajosa e lucida. Enfrentou os grandes como a China com palavras arrojadas que, de resto, têm marcado a sua liderança. Espero e desejo que seja reeleita. 

         - Um pormenor mais um entre centenas, da forma de governar de António Costa, assente na propaganda descarada e na certeza de que os portugueses não merecem melhor ou são tão patetas que comem o que lhe dão. Todos ouvimos o primeiro-ministro afirmar que os jovens, todos os jovens até aos 23 anos, iriam no próximo ano beneficiar de um passe de transporte gratuito. Horas depois, através do seu ministro do Ambiente, veio-se a saber que afinal não é bem assim. Só são abrangidos pela notícia os estudantes e mesmo assim só alguns e não todos os jovens como disse Costa. Quanto ao passe para deficientes, nem uma palavra. Por aqui se percebe que, sendo o homem só estratégias; primeiro para ficar na história como o primeiro-ministro que trouxe o PCP para a governação e o resultado da geringonça ainda hoje o suportamos; depois pela propaganda que fez dele o líder europeu da aldrabice, por aqui se percebe, quando na desolação partidária que temos, eu dissesse que é preferível tê-lo a ele, mas sem maioria bem entendido. Foi esta que o destruiu embora os seus eleitores esperassem mais do homem e não suportem hoje a imensa desilusão. 

         - Os portugueses nunca foram sólidos no râguebi, mas conseguiram entrar, julgo que pela primeira vez, no Campeonato do Mundo da modalidade. Logo nas televisões e por toda a parte se ouviu falar que os “lobos” eram os maiores, que iam dar cabo da equipa contrária o País de Gales. Os franceses que são fortes na modalidade, têm o hábito de chamar aos seus jogadores grosses fesses. Na realidade, aquilo são monstros, coisa que os nossos, coitados, não passam e bem de atléticos. Com este pormenor, naturalmente, de somenos importância: perdemos por 8-28.  

         - Não parou de chover e forte. Mesmo assim fui apanhar dióspiros e uvas. Como a produção é muita, vou fazer a experiência de transformar em compota o maravilhoso fruto. Uma parte levou esta manhã o Raul. 



sábado, setembro 16, 2023

Sábado, 16.

Há pelo menos trinta anos (exceptuando aquela tosse que a Laure me transmitiu, em Maio, em Paris que não era atacado de gripe. Esta que me chegou quinta-feira, foi por assim dizer, encomendada especialmente para mim. Eu explico. Terça e quarta feira não saí daqui, quinta veio a Piedade e é com ela, e apenas ela, que estive. Quando a minha técnica auxiliar de limpeza (oh, adapta-te à civilização) saiu, depois do almoço, comecei a sentir-me indisposto sem saber o que tinha. Parecia gripe e ataquei com as mezinhas caseiras. À noite tinha 38 graus de febre, dores ligeiras nas pernas, uma tosse triste. O sono foi horrível, muitas pipidelas, tresmalhado. Quando me levantei não tinha febre, mas o corpo pedia repouso e sono. Ontem passei o dia todo em banho maria, sem febre, sem tosse, sem dores algumas, mas maldisposto. Hoje voltei à vida, embora a remoer o que me havia acontecido. Pondo de lado aquela minha entrada por saída, segunda-feira no Gama Pinto, não estive em contacto com mais ninguém. Há, todavia, um facto que me acode ao espírito: este vírus é só meu e entrou no meu corpo, quarta-feira quando andei aí fora duas horas a trabalhar e transpirei a rodos. A dada altura lembro-me de ter tido um arrepio de frio e ter achado estranho aquele toque no meu peito. Foi uma sensação que parecia um aviso. O pior disto, ter sido afastado do romance e deste registo – e não haver remédios que tratem esta ausência. Esta manhã fui à farmácia comprar Ben-u-ron e conversei com o farmacêutico sobre isto que acabo de expor e ele: “Sabe os vírus andam por todo lado.” Para obter esta sapiente resposta, escusava de me ir expor a contrair um dos milhares que serpenteiam por entre os medicamentos que os combatem.  

         - Aviso já. Estas palavras que se seguem não são de minha autoria. Podem parecer, mas juro que não são. “Será que nos habituámos de tal modo à incompetência, à ineficiência e à desigualdade que já não reagimos aos atrasos da justiça, aos anos e anos de espera por que um rico, um político, um malandro ou um poderoso sejam julgados?”

Somos obrigados a aceitar como hábito este desaustinado caminho em que se produz pouca riqueza, em que se cria pouca empresa e se melhora pouco, mas onde, à falta de fazer mais e melhor e na impossibilidade de ter casa e comboio, escola e hospital, distribuem-se vales e bónus? 

Má sorte a de sermos um país pobre e pequeno! Triste sina sermos mal governados! Sombrio destino desta estranha forma de vida tão cheia de pobreza e de resignação! E, pior que tudo, este jeito tão nosso de nos habituarmos a tudo! Palavras do douto pensador António Barreto hoje no Público e que recomendo a leitura. 

         - Aquela figura com pouca cultura, na reforma, virou escritor. Os seus livros escarram ódio, inveja, raiva. Julga-se o melhor primeiro-ministro que a democracia produziu e agora dá lições aos vindouros. No lançamento do seu pestilento rolo de papel, teve – e isso é significativo e de que maneira! – aquele do sorriso pateta, agora inchado de gordura, que se governou à conta do país e da UE e também aquela senhora disforme que a idade fez menos feia, até apessoada, mas que não melhorou o discurso de indiferença aos que são pobres, contando para ela apenas os números. Este triunvirato sinistro, de bengala, ainda mexe. Só num país chamado Portugal. Marcelo, ao lado dele, faz figura de rei e Costa, apesar de tudo, é melhor que fique, porque para ser substituído por aquele que não lhe chega aos calcanhares e tem a escola toda do malabarismo partidário, que Deus nos proteja. 


quinta-feira, setembro 14, 2023

Quinta, 14.

Pela fresca que o calor parece estar de regresso, juntei ao fundo da quinta, sob os pinheiros, duas grandes cestas de pinhas para a lareira. Há dois dias que daqui não arredo pé, infelizmente sem me ocupar do romance, absorvido pelo trabalho no campo. Voltei às regas - macieiras, laranjeiras, limoeiros e jardim. É um trabalho feito ao ritmo do clima, da minha energia, da minha disponibilidade. O curioso desta vida, não digo no solstício, mas no Outono feliz, é que os dias passam velozes, sarapantados mesmo, pelas infinitas tarefas que nunca estão finalizadas. E quando pontualmente isso acontece, dentro de portas, no silêncio que aqui se adensa, há sempre um diálogo ininterrupto com os companheiros que se perfilam em estantes e estantes. Assim que a noite desce, fechadas as portadas, fica a murmuração compacta, espécie de reunião de muitos amigos, em conversas cruzadas e muita animação, que por vezes me leva ao exterior para respirar o ar da noite e olhar as estrelas, deslumbrado, que só aqui existem no céu limpo e pacificado, e assim horas depois mergulho no descanso doce que este paraíso oferece. Para quem nasceu na cidade e aí viveu toda a vida, este repouso da natureza é uma bênção despejada das alturas em hosanas e jorramentos de luz, a resposta em graça a quem nunca nada desejou possuir. Não tenho pressa de partir, mas antes que me vá, terei tempo de pintar as unhas de roxo e azul, aparar as sobrancelhas e escutar o que de mim dirão os que se espantam com as extravagâncias modernas e epítetos disparatados, como se a vida não fosse a invenção da loucura colectiva. 


quarta-feira, setembro 13, 2023

Quarta, 13.

Outra tragédia abalou a terra: inundações diluvianas na Líbia. O número de mortos é ainda incerto, mas já estão contabilizados pelo menos 5 mil. O caos está por todo o país, pois a tempestade provocou o colapso de duas barragens, os desaparecidos são incontáveis, a cidade de Derna desapareceu, os cadáveres estão por todo o lado: debaixo dos edifícios, nas ruas, nos vales, a boiar no mar. No meio desta imagem dantesca, há políticos que actuam para conquistar o poder, dificultando os trabalhos e a ajuda indispensável. Que raça esta dos políticos! Na realidade, a Líbia pós Kadhafi, é a imagem dos EUA e da França do badameco Sarkozy.  

         - Ontem tinha consulta no Gama Pinto a seguir ao almoço. Apresentei-me cedo na Brasileira para estar com os amigos e dali almoçar ao mais conhecido restaurante do mundo – o McDonald. Como não despego de Ana Boavida, fui fazer tempo para o meu lugar secreto no Corte Inglês. Durante duas horas e meia vivi mergulhado na história desta surpreendente personagem. Quando dei por mim, enfiei-me num táxi, corri ao hospital, e quando lá cheguei a minha médica já tinha partido. Desolação. Pragas contra Ana Boavida. Remarcação para o próximo mês. Não me lembro de ter escrito um romance tão obsessivamente como este. Raramente falho as horas de trabalho diário e ando sempre com o croché debaixo do braço, ainda que muitas vezes as veja partir do ecrã do computador. 

         - Justamente. Oh, sim, fala disso. O chauffeur que me levou ao hospital dos olhos era brasileiro e, pelo que percebi, com umas courelas de seu na sua terra. A conversa prosseguiu por ruas e ruelas e a dada altura eu citei aquela frase de Lula da Silva: “Não tarda os brasileiros em Portugal são mais que os portugueses.” Resposta pronta do homem: “Pois. Fogem todos dele.” 

         - Finalmente esta manhã arranjei tempo e coragem para mudar o fio de corte à roçadora e instalar o disco. Com este, fui descobrir um vinhedo num lugar da quinta onde não tenho o hábito de ir, completamente submerso de urtigas. Grandes cachos negros tombavam das cepas e foi preciso devastar muito mato com belas pinhotas de amoras, para chegar ao tesouro escondido. Depois, aproveitando o embalo, fui cortar grossos rebentos da bela mimosa, aparei em volta das palmeiras, acertei o chão do meu paraíso futuro, à chegada a casa, sob o loureiro. De seguida, caí para o lado morto de cansaço. Duas horas tinham passado neste desassossego. Já daqui não saí, mesmo para ir ao portão recolher o correio. 


terça-feira, setembro 12, 2023

Terça, 12.

São aterradoras as imagens do sismo marroquino. Eu conheço relativamente bem aquelas paragens, da última vez que visitei o país com o Mário ao volante do meu Peugeot, atravessámos o Atlas para descer sobre Marraquexe. Lembro-me que a corrente que arrefece a água do motor (penso que é assim que se diz, ignorante como sou destas coisas) partiu em plena montanha. Ali ficámos, indiferentes à noite que não tardaria a cair, a juventude que nos enchia a vida refutando incertezas e perigos. Por sorte um casal de franceses parou para nos socorrer. O simpático condutor com as meias de nylon da mulher mais uma garrafa de água, substituiu a peça que se tinha partido e a velocidade contida chegámos ao nosso hotel. Durante dois dias andámos a penates e descíamos à Praça Jamaa el Fna para comer e percorrer a Medina com entrada pelo lado esquerdo de quem chega à referida praça também em parte destruída. De facto, no vastíssimo recinto sempre muito animado, tínhamos como que a história de Marrakech na forma animada. Depois subíamos ao terraço do café (se bem me lembro) Gueliz de onde avistávamos todo o animado recinto, e uma ou outra vez almoçámos e jantámos. Os pormenores estão algures contados neste diário e são muito pitorescos. Portanto, ao olhar o desastre e os dramas causados pelo terramoto, é naquela gente humana e simples que muitas vezes, cruzando-se connosco, diziam: “Bonjour, vous êtes chez vous”que penso. Entretanto, o número de mortes ultrapassou os 2 mil e os feridos andam pelos 3 mil. A morte é um assunto privado, enquanto a vida é partilha colectiva. 


segunda-feira, setembro 11, 2023

Segunda, 11. 

O mundo parece estar sob a justiça de uma qualquer maldição. Tanta desgraça em catadupa – fogos, secas estremas, inundações, monções, ciclones, furacões, tremores de terra, como este ocorrido anteontem em Marrocos com repercussões que chegaram ao Algarve e matou até agora mais de 2 mil pessoas e feriu outras tantas, para além do derrube de prédios em Marraquexe e tudo em redor. São os mortos que preocupam e inquietam. Mas em que condições de habitabilidade viviam os que ficaram debaixo dos escombros? Como era a sua vida, a situação quotidiana, os prédios onde viviam? Lembra-me esta frase (julgo) de Montherland: “Le monde respect trop la mort, pour le peu qu´il respecte la vie.”

         - Durante três noites seguidas, entrei num diálogo que percorreu as sete horas de meu sono (o Iphone que me espia regista 7 horas e 55 minutos) com Isabel da Nóbrega. Era um diálogo empolgante como aqueles que tivemos em vida da escritora e amiga durante longos almoços e jantares. O sono, como dizer, não fora perturbado, porque o nosso encontro era feliz, apaixonante, sereno. Quando a manhã chegava e eu acordava, sentia-me bem, como se saísse do restaurante onde estivéramos em confidencias, ela a tentar tirar segredos de mim, e eu a esquivar-me enchendo a conversa com temas que a distraíam dos seus intentos. Ao fim da terceira noite, preocupado, cismei da razão daquele encontro e só encontrei esta: no romance que escrevo nesta altura dei o seu nome a uma avenida; e percebi que naqueles dias tinha escrito o seu nome no andamento da história. 

         - Dia em estado de graça. Desde logo uma hora de leitura, seguida de duas de escrita particularmente felizes porque enchi duas páginas do romance. Não sei se amanhã as apagarei, mas ainda assim rejubilo. Depois meia hora de natação como deve ser, quero dizer braçadas fortes, contínuas. Para a tarde, comecei a apanhar dióspiros e li a Bíblia. 

         - Outro dia festejei o meu aniversário com quatro pessoas. Nada de especial portanto. Ou talvez sim. Quem me enviou uma mensagem simpática foi o... Le Monde. Desde que aceitei responder a um questionário sobre Virginia Woolf, que o jornal nunca mais me largou. Como souberam eles a data que devo esquecer? Mistério. 


sexta-feira, setembro 08, 2023

Sexta, 8.

Tomemos o essencial, apenas o essencial. Edgar Morin passou por Lisboa e deixou uma série de avisos que devemos reter. Aos 102 anos, fresco de espírito embora um pouco vacilante no andar, falou sobre nós, sobre o estado do mundo, que diz ir deixar “em pleno suspense histórico”. Segundo ele, “navegamos num imenso oceano de incertezas, onde existem apenas pequenas ilhas para nos irmos reabastecendo”. Falando de imprevisto, sem deixar o humanista que o consagrou, reafirmou: “O humanismo significa o respeito e a consideração que qualquer ser humano merece. O humanismo significa também que temos de reconhecer a humanidade na sua unidade, apesar da sua imensa diversidade.” Falando dos regimes totalitários tentaculares que alargam pela força e captam para si a liberdade absoluta que extorquem aos seus povos: “A China dispõe hoje de meios tecnológicos que lhe permitem controlar cada indivíduo e toda a sua vida, através do telemóvel, da Internet, do reconhecimento facial, transformando-se num Estado de absoluta submissão neototalitária.” E chamou os bois pelo nome: a Rússia, certos países da América Latina, a Turquia que se escondem sob a capa da democracia. No que toca à China, digo eu, apesar da bota cardada sobre o seu povo, não evitou que este, destemido, tivesse saído á rua quando do confinamento obrigatório no período da Covid-19. Xi Jinping foi obrigado a ceder ante a turba chinesa a bater-se pela liberdade. Morin teme pela ascensão da guerra como todos nós que não aprovamos a invasão da Ucrânia. “Por isso, diz o centenário escritor, uma escalada que aumente o risco de degenerar e de se generalizar num novo tipo de conflito mundial, para o qual seremos arrastados.” 

         - O homem da esquerda do PS, o arrogante ex tudo e mais alguma coisa, para preparar a rentrée pessoal e ocupar o lugar de Costa, vai fazer-se comentador na SIC. Ele e a queque do BE. Esta mina de comentar o que não tem interesse nenhum, espécie de blá-blá-blá doentio, que enche o comentário de todas as estações televisivas, mais não é que acordos pessoais para catapultar a cargos que de outro modo não conseguiam ocupar. Marcelo formou-se lá e António Costa e o Paulinho dos... e passo. Acontece que as grandes personalidades não precisam de se vergar à tribuna e ao dinheiro que ela dá. Alguns exemplos: José António Seguro, Passos Coelho, Adalberto Campos Ferreira, José Luís Carneiro, entre outros (pouquíssimos mais). Eu nunca votei em nenhuma das vedetas da banha da cobra televisiva, nem votarei. 


quinta-feira, setembro 07, 2023

Quinta, 7.

Triste país o nosso onde vale tudo para alcançar o poder a qualquer preço. António Costa, em mais um comício desta vez em Évora onde decorre a Academia Socialista, lamentou (e com razão) a fuga de informação do casulo restrito do Conselho de Estado de ontem. Instalou-se assim mais um caso a juntar aos muitos casinhos. É disto que se alimentam os dirigentes medíocres que nos governam. O país está a cair de podre, o mundo submerge rasgado por guerras e ódios, e nós por cá, contentes e felizes, entretemo-nos a reinar à cabra-cega da desgraça. O legado de Costa é quase nulo, mas ainda assim vale a pena registá-lo: o passe social dos transportes púbicos (que não é inteiramente dele, mas um projecto de toda a esquerda); a boa condução da crise durante a Covid-19, não no início que foi uma desgraça, mas posteriormente; a afirmação da democracia no período de confinamento e não me lembro de mais nada. Ele teve toda a oportunidade do mundo para se afirmar como um grande estadista, mas entregou-se à propaganda, ao dolce far niente, e o país em oito anos de governação socialista, esteve parado, encalhado e agonizou. António Costa governou no dia-a-dia, no pontual, não conseguiu projectar para o amanhã, e o resultado é a pobreza, os organismos do Estado todos em ruptura, a população jovem e os velhos sem habitação, a Saúde descontrolada, a Educação ao abandono, o futebol a tomar o lugar da esperança como tantas outras ilusões que distraem a vida dos pobres coitados dos portugueses.  

         - Por todo o lado, as alterações climáticas trouxerem desgraça e morte. Foi agora a Espanha que conheceu a catástrofe com chuvas torrenciais e inundações assustadoras, onde faleceram pelo menos oito pessoas. Mas também a Turquia, o Brasil, a Grécia, a Índia, os EUA e muitos países da Europa. Depois de terríveis incêndios, esta revolta da Natureza como prenúncio do fim do mundo. 

         - Fui almoçar a casa da tia Júlia onde estavam o Nuno meu sobrinho e Júlio primo. A tia esmerou-se num excelente arroz de marisco e no gateau que acompanhou o café. Conversou-se muito, discutiu-se um pouco, e quando o Júlio saiu estive em mais intimidade com o Nuno sobre o seu trabalho no gabinete de arquitectura, as cenas familiares, o seu futuro, os amores e desamores de cada membro. 


terça-feira, setembro 05, 2023

Terça, 5.

É assim todos os anos. Acabadas as férias, os políticos chegam com mais ódio (eles dizem confronto democrático), e atiram-se uns aos outros com o mesmo ímpeto de leões soltos na selva. Não há propriamente programa, ideias, construção de estruturas sociais, aspectos importantes que expliquem e orientem acções futuras; o que reina é a obsessão do poder pelo poder, o desafio corpo a corpo com a realidade que existe no mundo onde vivem confortáveis, ignorando completamente a existência da turbamulta dos seus concidadãos que vegetam à conta dos seus desastres governativos e da sua propaganda embusteira.   

         - O mundo capitalista floresce para uns quantos, enquanto a maioria empobrece, vegeta, luta pela sobrevivência e muitos contra a fome e a morte. A ONU acaba de informar que vai cortar a assistência alimentar a dois milhões de afegãos e ao todo são já oito milhões no mundo que a Organização não vai poder levar os alimentos indispensáveis à sobrevivência. "No meio de níveis já preocupantes de fome e subnutrição, somos obrigados a escolher entre os que passam fome e os que estão a morrer de fome, deixando milhões de famílias a lutar pela sua próxima refeição", afirmou Hsiao-Wei Lee, diretora e representante do PAM no Afeganistão.” E acrescenta as razões: "Com os poucos recursos que nos restam, não podemos ajudar todas as pessoas que se encontram à beira da miséria total." As receitas dos países ricos, diminuíram 4 mil milhões, enquanto a pobreza aumentou 23 por cento. Este quadro assustador, este fosso entre ricos e pobres que não pára de crescer, e revolta, escandaliza e leva os povos a descrer dos governantes, a descrer da vida. 

         - Vai ser curioso ver até que ponto os socialistas espanhóis, guiados pelo senhor Pedro Sánchez, vão manter a palavra e as razões que os levaram há anos a defender a integridade de Espanha. Porque a ganância do poder é tão obsessiva que ante as condições impostas por Puigdemont para terem a maioria e formarem governo, fica a descoberto não só o seu socialismo como o seu patriotismo. O líder catalão, refugiado na Bélgica, jogou uma cartada muito forte: são quatro as condições do seu partido Juntos pela Catalunha impôs para sair do impasse saído das legislativas do mês de Julho. “1ª - A amnistia e o abandono "permanente" da via judicial contra os envolvidos na revolta separatista de 2017; 2ª - Reconhecimento da "legitimidade democrática" da facção independentista catalã; 3ª - Criação de um "mecanismo de garantia" de cumprimento dos acordos que venham a ser estabelecidos entre o governo central e o governo da Catalunha; 4ª - Definição de limites apenas segundo os acordos e tratados internacionais que se referem aos direitos humanos (individuais e coletivos) e às liberdades fundamentais.” 

         - Fui à piscina. Fui, mas como se não tivesse ido. Exercício ronceiro, sem força, sem batinas enérgicas, espécie de natação como vejo fazer a certas mulheres de toucas floridas na cabeça, a executarem uma sorte de dança conversada, cheia de toques sensuais e risinhos cúmplices. 

         - Ontem, não podendo resistir ao convite do Virgílio, fui à Brasileira. Ficámos na esplanada batida a vento forte e chuva, meio encolhidos, eu de capucho na cabeça, ele e o Castilho do alto dos seus noventa anos a desafiarem a intempérie. Bons momentos, conversa agradável e livre. Dali fui almoçar ao Corte Inglês no restaurante lá do alto. Apetecia-me carne que já não comia há uma data de semanas. Bom repasto, preço condigno. Depois fui sentar-me no lugar do costume para duas horas de escrita. No final, entre o que cortei da véspera e o que acrescentei, ficaram menos duas páginas. É assim a escrita. Contudo, a personagem Ajustes cresce desmesuradamente contra a minha expectativa inicial. 


domingo, setembro 03, 2023

Domingo, 3.

Vou citar Mariana Mortágua referindo-se ao estender de mão às esmolas de Bruxelas e publicado hoje no Público, como corolário do que eu escrevi ontem: “Com este pedido de ajuda à Comissão Europeia, o Governo acaba por fazer a derradeira admissão da sua incompetência para lidar com o problema da habitação.” A política em Portugal é tão sensaborona, trivial, coisa de família desavinda, de classe baixa, onde cada elemento se põe em bicos de pés para chegar ao tacho quase vazio sobre a mesa.  

         - Hoje, não obstante o trabalho realizado lá fora, voltaram a cair uns pingos de chuva. O Outono começou a espreitar a Terra a perscrutar de que lado deve descer, pois a atmosfera foi já outonal com a temperatura a baixar. Há, contudo, por aqui uma macieza de luz, que aviva as maçãs cheias de cor e despe de folhagem as figueiras. Quem se segue no brilho estonteante são as romãs, as maçãs reineta, os medronhos, os (poucos) marmelos, os saborosos dióspiros. Uma das estantes do armário chinês, está repleta de frascos de compota de vários frutos daqui. Só de olhá-los me enche o coração de prazer, porque a sua confecção, o porte de cada unidade disposta na prateleira, num conluio de frutas, relembra-me as velhas casas antigas, com avós sábias e poupadas, as horas passadas à roda de tachos de cobre, numa desforra de quem, provando com o dedo, diga preferir esta ou aquela. 


sábado, setembro 02, 2023

Sábado, 2 de Setembro. 

Agitam-se os impolutos candidatos a Belém. De todos os nomes, incluindo António Guterres que lamento não ter grande estima pelo seu trabalho na ONU, o que mantém o sorrisinho pateta acaba de jurar que daquele néctar não beberá. E faz muito bem. Porque não acredito que haja em Portugal um só português (à excepção dos seus correligionários) que votasse nele. O homem tem lata para tudo e pensa que nós temos memória curta e estamos saudosos dos altos serviços que prestou à Pátria. O patife. 

         - O Governo de António Costa, tem ao seu serviço um naipe de senhoritas ministras de uma mediocridade assustadora (o rebanho cumpre 50-50 por cento que a moda impõe e daí o resultado). Talvez a que posso excluir do anátema, seja a simpática e equilibrada senhora Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial. A ministra da Justiça e, sobretudo, a da Habitação, fazem pena. Esta como não tem conhecimentos nem capacidades para o desempenho do cargo, anda a pedir mais uma esmola à UE para retirar os que dormem ao relento, embora tendo trabalho, dessa confrangedora e humilhante situação. O programa de construção de casas, foi ferido de morte com a reprovação de todos os partidos e do Presidente da República. A senhorita, arrogante, despachou-se a dizer: “avançará apesar de tudo e de todos”. 

         - Esta governação é tão boa, que a rentrée começa com greves dos professores, médicos, função pública, transportes e passo.  

         - Permitam-me uma nota de esperança. Apanhei esta tarde o primeiro dióspiro maduro. Mas não fui o primeiro a prová-lo; antes já um ou mais pássaros o tinham feito. 

         - Esta manhã caíram as primeiras chuvas. Apesar do tempo não ter refrescado, dei-me ao descanso e não reguei. Tenho a lenha toda recolhida e a que possuo deve dar para todo o Inverno. O trabalho de carregar a madeira é custoso, mas, curiosamente, eu adoro fazê-lo. Porque enquanto ando de um lado para o outro, vergado ao peso do carro, passo-me inteiro para as noites agradáveis ao canto do lume. Essas recordações renovadas todos os anos, são horas de infinitos pensamentos, construções de coisas, imagens que assomam de todos os lados e dos mais recônditos confins do mundo. 

         - Apetece-me fazer loucuras, escrever desvarios, entrar num mundo distante do meu, num local onde haja todas as fantasias, orgias, pecados.