quinta-feira, setembro 14, 2023

Quinta, 14.

Pela fresca que o calor parece estar de regresso, juntei ao fundo da quinta, sob os pinheiros, duas grandes cestas de pinhas para a lareira. Há dois dias que daqui não arredo pé, infelizmente sem me ocupar do romance, absorvido pelo trabalho no campo. Voltei às regas - macieiras, laranjeiras, limoeiros e jardim. É um trabalho feito ao ritmo do clima, da minha energia, da minha disponibilidade. O curioso desta vida, não digo no solstício, mas no Outono feliz, é que os dias passam velozes, sarapantados mesmo, pelas infinitas tarefas que nunca estão finalizadas. E quando pontualmente isso acontece, dentro de portas, no silêncio que aqui se adensa, há sempre um diálogo ininterrupto com os companheiros que se perfilam em estantes e estantes. Assim que a noite desce, fechadas as portadas, fica a murmuração compacta, espécie de reunião de muitos amigos, em conversas cruzadas e muita animação, que por vezes me leva ao exterior para respirar o ar da noite e olhar as estrelas, deslumbrado, que só aqui existem no céu limpo e pacificado, e assim horas depois mergulho no descanso doce que este paraíso oferece. Para quem nasceu na cidade e aí viveu toda a vida, este repouso da natureza é uma bênção despejada das alturas em hosanas e jorramentos de luz, a resposta em graça a quem nunca nada desejou possuir. Não tenho pressa de partir, mas antes que me vá, terei tempo de pintar as unhas de roxo e azul, aparar as sobrancelhas e escutar o que de mim dirão os que se espantam com as extravagâncias modernas e epítetos disparatados, como se a vida não fosse a invenção da loucura colectiva.