Quarta,
29.
O
filme A despedida que fui ver outro
dia, com argumento e realização da sino-americana Lulu Wang, não me deixou
indiferente. Centrado numa avozinha que o cancro diagnosticado lhe dá três
meses de vida, magnificamente representado por Zhao Shuzhen no papel de Nai
Nai, conta a história de uma família com ramificações migratórias pelos Estados
Unidos e Japão, reunidas numa farsa de casamento que esconde a cerimónia de
adeus à velha matriarca de quem todos ocultam o mal que a consome. O jogo de
tensões muito bem urdido, onde cada um traz à cena os seus recalcamentos e
dores, sonhos e misericórdias, é brilhante embora canalizado para a velha
senhora que domina não só todos e cada um como a tela com a sua extraordinária
força representativa.
- São tantos os afazeres, tanta a
dispersão que não chego a sentir as horas percutirem no meu corpo endiabrado. É
certo que tudo depende absolutamente de mim, mas a soma de preocupações
esmagam-me de ansiedade. Porque quero ser perfeito, estar em todo o lado,
seguir as ondas das sombras, ver o mundo pelos olhos que o viram quando ele se
me abriu à beleza e ao ritmo incandescente dos dias. Talvez os anos nos tragam
um abrandamento natural ou uma desaceleração que é profícua ao futuro. Mas a
escrita é o contrário de tudo isto, as suas exigências, a sagesse que a acompanha, a solidão que a abastece, vive de costas
voltadas à cadência enfurecida que hoje nos acompanha. Viver deste modo
solitário tem infinitas virtudes. Desde logo porque nos obriga a seguir as
evoluções sociais e tecnológicas, as revoltas e as bênçãos que lançam sobre todos
e cada um de nós aspersões benignas, que nos abrem o coração à revelação de que
no homem nem tudo está perdido e dele temos de esperar uma clareira de sol no
vasto pântano onde uma ínfima parte da humanidade nos pretende manter calados e
submissos. Muitas vezes paraliso. Parece que estou apavorado numa planura de
afazeres e não sei por onde começar. Desanimo, caio, arrumo-me ao canto a
contorcer-me de raiva e espero que mão amiga me venha levantar do abismo onde
estou infeliz. Como não tenho quem se importe comigo, convoco o meu Criador e
espero dele o apoio que nunca me faltou. São já muitas as tentativas para
encontrar o fio do romance e todas fracassaram. Sei o que quero dizer, mas não
sei como o fazer. A sua ausência no meu quotidiano, faz-me sentir um inútil, um
tipo que vai a deriva a caminho da morte.
- Não calo a tremenda e ridícula
prisão a que submeteram o denunciador de criminosos o jovem Rui Pinto. Como os
meus leitores sabem, desde cedo o apoiei e me insurgi contra os corruptos que
se apoiam nas leis feitas à sua medida, isto é, para os defender. Aqui ficam
algumas palavras sábias do advogado William Bourdon.
“Ele (Rui Pinto) devia ser o orgulho
de Portugal: é um jovem fantástico, agiu sempre com boa-fé e assumiu todos os
riscos.”
“Sem as suas revelações, ninguém
poderia esperar que as autoridades lançassem investigações contra o clã (Isabel
dos Santos).”
“Rui Pinto está preso e acho que o
lugar dele não é na prisão. A acusação de extorsão na forma tentada é
completamente artificial e não existiu realmente.”
“Não sou o único a lamentar que
Portugal continue a resistir e não implemente medidas de protecção para os
denunciantes. É absurdo que alguém consiga ser admirado e celebrado num país e,
ao mesmo tempo, seja criminalizado no outro.” (Da entrevista ao Público de
ontem.)
- Tempo moche. Fui nadar e regressei para duas horas de leitura. Parei na página
985 do Green endiabrado. Vou lendo igualmente sobre a Hungria, sua história e
aspectos do presente.