sexta-feira, janeiro 31, 2020

Sexta, 31.
Para a grande maioria dos ingleses, este foi o dia do goodbye never again; para a minoria see you later. O grande obreiro, enfim, da saída do país da União Europeia, é Boris Johnson. Em Portugal os nossos esclarecidos jornalistas, desde sempre, trataram-no  abaixo de cão, não compreenderam o que se escondia sob uma personalidade um tanto ou quanto fora dos cânones que eles destetam em ligação com a classe política. Dos comentadores nem vale a pena falar. São uma cambada de carneiros empurrados pelos partidos dos quais fazem parte e são correia de transmissão. Dizem e continuam a afirmar que a Inglaterra vai soçobrar, que a debandada das multinacionais vai empobrecê-la, que... Mas nunca disseram que ela continuou sempre sólida, com o PIB a crescer mais de 3%, o desemprego estagnado ou a descer, os negócios a caminhar como sempre aconteceu. Mais: em todos os barómetros económicos, esteve sempre acima da média europeia. 

         - Na minha frente, no comboio que me levou a Lisboa, seguia uma rapariga moderna, agarrada ao telemóvel fechado, melhor dizendo, agasalhado num forro rosa, verdadeiro peluche dos tempos presentes.


         - 18 horas e quatro minutos. Encontrei o Faria Artur meu ex-colega do Diário de Notícias. Envelheceu bem. Chove. Tenho a lareira acesa. Esta manhã grande prazer a conversar com o João muitíssimo mais tolerante e o António na Brasileira quase deserta. Actualidade política, a plêiade de pintores desaparecidos, a Natália Correia que também se juntou a nós num convívio delicioso.

quinta-feira, janeiro 30, 2020

Quinta, 30.
Ontem cheguei à piscina adiantado. Por isso, uma técnica que trabalhava com as crianças de ambos os sexos, disse-me que teria de esperar até que a revoada de estorninhos levantasse voo. Fiquei, portanto, ali sentado a observar aqueles corpos juvenis, aquela actividade fastidiosa, aquele entusiasmo empolgante. Pensei no que diria Green e, sobretudo, Gide (um mais pederasta, outro mais pedófilo) ante aquele fulgor da natureza em gestação. E conclui que não se deve tocar na infância ela é tão sagrada e pura como a essência de toda a vida. 

          - Ontem à noite, depois de tanto matutar, sentei-me ao computador e escrevi o começo de O Matricida. Não foi preciso muito para acreditar que todo o romance nasce de uma frase, num instante de inspiração ou lá o que se queira chamar. Para mim foi necessário apenas isto: Naquela manhã o sol abriu um buraco por entre as nuvens espessas e despejou um raio grandioso de luz sobre a Terra...  Era o princípio que me faltava, chave que abriria a caixa de Pandora; porque o fim há muito tenho-o desenhado dentro de mim. Tem esperança, rapaz! A partir de agora vai em frente por muito esforço, abnegação e solidão que a tarefa te incite. Um romance é uma forma de escravidão que toma conta do romancista todos os minutos do seu dia. Mas tu sabes disso, não sabes?

         - A assustadora expansão do coronavírus leva a grandes medidas de defesa: 60 milhões de chineses retidos em casa, cidades desertas, actividade humana reduzida ao mínimo, companhias aéreas a suspenderem viagens para a China, repatriamento dos nacionais para os diferentes países da Europa, a contaminação a chegar cada vez a mais países, cento e tal mortes, milhares contaminados. Portugal, por enquanto, tem escapado.  


         - Dia sem uma réstia de sol. Não faz frio, antes fizesse. Horas estafantes de um dado para o outro com o técnico ao portão a tentar pôr em marcha o sistema automático. Ligeira tristeza engastada numa alegria ténue que sustém estranhamente a tristura. A Piedade está com gripe e por isso proibi-a de vir.   

quarta-feira, janeiro 29, 2020

Quarta, 29.
O filme A despedida que fui ver outro dia, com argumento e realização da sino-americana Lulu Wang, não me deixou indiferente. Centrado numa avozinha que o cancro diagnosticado lhe dá três meses de vida, magnificamente representado por Zhao Shuzhen no papel de Nai Nai, conta a história de uma família com ramificações migratórias pelos Estados Unidos e Japão, reunidas numa farsa de casamento que esconde a cerimónia de adeus à velha matriarca de quem todos ocultam o mal que a consome. O jogo de tensões muito bem urdido, onde cada um traz à cena os seus recalcamentos e dores, sonhos e misericórdias, é brilhante embora canalizado para a velha senhora que domina não só todos e cada um como a tela com a sua extraordinária força representativa.    

         - São tantos os afazeres, tanta a dispersão que não chego a sentir as horas percutirem no meu corpo endiabrado. É certo que tudo depende absolutamente de mim, mas a soma de preocupações esmagam-me de ansiedade. Porque quero ser perfeito, estar em todo o lado, seguir as ondas das sombras, ver o mundo pelos olhos que o viram quando ele se me abriu à beleza e ao ritmo incandescente dos dias. Talvez os anos nos tragam um abrandamento natural ou uma desaceleração que é profícua ao futuro. Mas a escrita é o contrário de tudo isto, as suas exigências, a sagesse que a acompanha, a solidão que a abastece, vive de costas voltadas à cadência enfurecida que hoje nos acompanha. Viver deste modo solitário tem infinitas virtudes. Desde logo porque nos obriga a seguir as evoluções sociais e tecnológicas, as revoltas e as bênçãos que lançam sobre todos e cada um de nós aspersões benignas, que nos abrem o coração à revelação de que no homem nem tudo está perdido e dele temos de esperar uma clareira de sol no vasto pântano onde uma ínfima parte da humanidade nos pretende manter calados e submissos. Muitas vezes paraliso. Parece que estou apavorado numa planura de afazeres e não sei por onde começar. Desanimo, caio, arrumo-me ao canto a contorcer-me de raiva e espero que mão amiga me venha levantar do abismo onde estou infeliz. Como não tenho quem se importe comigo, convoco o meu Criador e espero dele o apoio que nunca me faltou. São já muitas as tentativas para encontrar o fio do romance e todas fracassaram. Sei o que quero dizer, mas não sei como o fazer. A sua ausência no meu quotidiano, faz-me sentir um inútil, um tipo que vai a deriva a caminho da morte.

         - Não calo a tremenda e ridícula prisão a que submeteram o denunciador de criminosos o jovem Rui Pinto. Como os meus leitores sabem, desde cedo o apoiei e me insurgi contra os corruptos que se apoiam nas leis feitas à sua medida, isto é, para os defender. Aqui ficam algumas palavras sábias do advogado William Bourdon.

         “Ele (Rui Pinto) devia ser o orgulho de Portugal: é um jovem fantástico, agiu sempre com boa-fé e assumiu todos os riscos.”
         “Sem as suas revelações, ninguém poderia esperar que as autoridades lançassem investigações contra o clã (Isabel dos Santos).”

         “Rui Pinto está preso e acho que o lugar dele não é na prisão. A acusação de extorsão na forma tentada é completamente artificial e não existiu realmente.” 

         “Não sou o único a lamentar que Portugal continue a resistir e não implemente medidas de protecção para os denunciantes. É absurdo que alguém consiga ser admirado e celebrado num país e, ao mesmo tempo, seja criminalizado no outro.” (Da entrevista ao Público de ontem.)


         - Tempo moche. Fui nadar e regressei para duas horas de leitura. Parei na página 985 do Green endiabrado. Vou lendo igualmente sobre a Hungria, sua história e aspectos do presente.  

terça-feira, janeiro 28, 2020

Terça, 28.
Não é que me importe ou tenha medo de estar só, mas agrada-me ter por companhia o senhor William Bourdon, advogado francês, que tem defendido vários hackers, entre eles Rui Pinto. Diz o ilustre maître: “Rui Pinto deveria ser o orgulho de Portugal.” Eu ando a dizer o mesmo há pelo menos um ano. A Polícia, os inteligentes e honestos empresários que também os há embora poucos, sobretudo os cidadãos portugueses no todo, deviam gritar na rua para que o rapaz saísse da prisão e fosse agraciado pelos altos serviços que prestou ao país, denunciando os jogos financeiros e a corrupção escabrosa que os vários grupos económicos e do Estado, tramaram na sombra ao longo de muitos anos contra o povo angolano e o português.

         - Pedro Abrunhosa que não é parvo de todo, na entrevista que deu ao Público outro dia, diz que “os políticos deviam ter uma remuneração mais digna”. Esta afirmação vai no mesmo sentido daqueles que dizem por ganharem pouco os políticos são mais afeitos ao suborno. Primeiro, a honestidade e a honorabilidade não têm preço; segundo, se os políticos ganham pouco o que se dirá de pelo menos oitenta por cento do povo português. Abrunhosa não diz que com o salário de cada deputado ou ministro, segue um cheque paralelo e também um cartão de saúde e a reforma com apenas dois ou três mandatos.  Eu conheço ex-deputados que auferem subvenções vitalícias de milhares de euros. Enquanto o país não conseguir dar dignidade aos seus cidadãos, não se deve preocupar com um grupo de pessoas que ganham de vários lados e a primeira coisa que perguntam quando lhes acenam com um cargo é: “Quanto toca?” A Assembleia em peso bem paga! Eles são tantos! A maioria só trabalha levantando o rabinho e voltando a sentá-lo na cadeira naquele anfiteatro de sombras! Quantos mais impostos teríamos de suportar para os tornar gente honrada, honesta e digna?


         - Acabei de chegar de Lisboa. Acendi a lareira e escuto o murmúrio que o fogo faz à janela do fogão. Um resto de sol emergiu do fundo do horizonte apresentando-se ao dia que não tarda o substituirá pela noite. Estou como sempre estive, maravilhado.

segunda-feira, janeiro 27, 2020

Segunda, 27.
Comemoram-se 75 anos de Auschwitz. Eu que percorri o campo de Auschwitz-Birkenau de lés a lés o ano passado por esta altura, e saí de rastos carregando uma dor indescritível, desejo que os homens não voltem às cavernas da civilização. E que os judeus não tenham a tentação de imitar os ferozes nazis como, por vezes, na história recente parece quererem fazer. Aquilo é uma extensa área de morte, dor, gritos, sangue e por todo o lado ainda se ouvem os inocentes gritar por misericórdia. Deixámos o campo em lágrimas, o coração apertado, o passo vacilante acompanhado de uma prece murmurante. Foi dificílima a visita, mas não podemos abandonar ao esquecimento quem do outro lado desconhecido de nós espera a nossa compaixão.




         - Disse ao Corregedor que tinha rescindido o contrato que tinha com a NOS, porque não estava para engordar corruptos e gananciosos. Resposta: “Eu também devia fazer o mesmo.” Registo o pretérito imperfeito.

         - Hoje estive ao telefone com o Simão uma data de tempo. Está preocupado em encontrar casa no curto período que lhe foi dado para deixar o apartamento do Areeiro. Vi não sei onde que Portugal teve o maior aumento do preço das casas o ano passado. É a “modernidade” da dilacerante senhora Cristas que saiu este fim-de-semana de cócoras do partido – mas devia ter saído apedrejada.

         - Está prevista uma greve geral da função pública a que se somam outras como a dos médicos e assim. Este é o Portugal encantado do Mágico.


         - Dia chove-não-chove, húmido. Escrevo à minha mesa de trabalho, de frente para a paisagem verdejante que se agita um tanto. Tenho um concerto para violino em fundo (Vivaldi?) oferecido pela Antena 2. O céu está tão baixo que com um pequeno esforço fechava-o nas minhas mãos.