quinta-feira, janeiro 09, 2020

Quinta, 9.
Há uma grande diferença na percepção do mal e do bem, quando praticamos um e outro e deles damos explanação. É o caso de Julien Green. Em certo sentido, é como se aos nossos actos contados faltasse a acção que transporta os sentimentos e nos envolve no prazer partilhado. A escrita nunca consegue substituir-se ao acontecimento porque as palavras ficam para trás quando queremos envolvê-las num instante que é todo ele não só físico, mas também e essencialmente psíquico, íntimo, sensitivo, animal. É por isso que eu não aprecio filmes pornográficos. Ao vê-los, quando muito, o que conseguem transmitir-nos é um momento frio que descama o animalesco que há em nós, o voyeur da jubilação solitária que o tempo constrói no egoísmo doentio. A satisfação imediata acumula uma sensação de vazio, uma fome nunca satisfeita, uma roda-viva pela perfeição que o vício acaba por destruir. Porque o melhor de uma relação sexual, é o êxtase que se consegue alcançar no momento primeiro em que duas pessoas se entregam e por magia do amor são apenas uma. É um momento mágico, divino de algum modo, porque nele se interpenetra corpo e alma para utilizar a fórmula feliz de S. Paulo. Yeats dizia de outro modo: “La tragédie des rapports sexuels est la perpétuelle virginité des âmes.”

         - Passagens que ilustram o que acabei de escrever, não faltam no Diário do insigne escritor. Esta, por exemplo, atesta do vazio nunca preenchido que nos faz pena e nos enche de indulgência pelo diarista: “Vendredi, 16 juin 1933. Hier soir, je me suis couché nu sur le lit de Robert à plat ventre et le sexe dans une main tandis que de l´autre je tenais une espéce de ... dans lequel j´avais glissé deux photos du cul d´Adolf (celui de la rue Cortambert) j´ai joui en me frottant et si abondamment qu ´il me semble que depuis un an peut-être je n´avais joui ainsi. Tel est le prestige qu´exerce encore sur moi la beauté de ces fesses. Au moment où je déchargeais, j´ai eu pendant une seconde l´impression que c´était vrai. La veille, je m´étais fait sucer par un garçon de bains, rue des Martyrs. Petite figure blanche et rieuse de Parisien, au corps insignifiant.” À Montparnasse hier, rencontré Heinz...” (Pág. 608) A via-sacra do martírio não finda nunca.

         - O grande “amigalhaço” de José Saramago, o ex-subsecretário de Estado da Cultura no tempo de Cavaco Silva, António Sousa Lara, agora porta-voz do Chega, renunciou ao cargo para não perder uma subvenção vitalícia do Estado no valor mensal de 1342,76 euros. Chamem-lhe parvo. É contra estas ditas subvenções que eu me indigno. Eles dizem que é da lei, mas a lei foi feita por eles. Dito de outro modo: eles aumentam-se como querem e lhes apetece. São reformados muito jovens e confortáveis com estes valores, logo se empregam nas empresas que quando estiveram no activo governamental protegeram. Casos não faltam. Infelizmente.


         - O que faz o dinheiro! Ouvi e vi show de Carlos Ghosn que o empresário chamou de conferência de imprensa, mas nada daquilo que disse me convence.  Aqueles milhões a que tinha direito da Nissan, são simplesmente um atentado à dignidade de milhões de milhões de pobres. O homem pode ser muito inteligente, mas não passa de trapaceiro.