segunda-feira, janeiro 06, 2020

Segunda, 6.
Li com interesse as seis páginas da entrevista do Público de ontem ao ex-governante de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro. Quando ele esteve no governo, lembro-me de não ter apreciado muito sua excelência e, uma vez, estando num almoço em casa dos Couto, o filho que seguiu directamente da faculdade para presidente de junta, me ter dito que estava enganado porque ele, Poiares Maduro, tendo sido seu professor, e podia “atestar da sua competência e honestidade”. Bom. Não é de uma nem de outra que quero falar, cingindo-me apenas ao seu raciocínio sobre o vasto número de questões postas pelas duas jornalistas do jornal. Na generalidade, a ideia com que fiquei é que se trata de um catedrático que não despega de estrado onde fala aos seus pupilos. Porque as duas jornalistas, à parte uma ou outra questão perguntada no seguimento das respostas, limitaram-se a humildemente questionar com os olhos postos na cábula que traziam da redacção. Na parte dedicada aos partidos, limitou-se a dizer meia dúzia de coisas de todos conhecidas e estabelecidas como essenciais, mas até hoje nunca postas em prática. Quando lhe perguntam como podem os partidos reformar-se, debitou os fundamentos teóricos sem nunca enumerar o principal: para mim a simples honestidade. Mais adiante, volta à carga: (...) “o fundamental quanto à reforma dos partidos é o reforço dos mecanismos de controlo de integridade. Os escândalos de corrupção, de conflitos de interesse, geram uma necessidade muito grande de os partidos políticos tradicionais responderem por isso”. Mais uma vez fala o professor. Isto é o débito de uma aula. Se o não fosse, Maduro era mais concreto, apresentava exemplos, nomes, casos. Porque esta temática geral, não faz parte deste ou daquele partido, é comum a todos. No capítulo da justiça em Portugal, MPM fala da percepção que as pessoas têm de “injustiça relativa”. Relativa! Como assim ? Talvez alguns dos seus alunos menos bafejados pela sorte, possam esclarecer ao ilustre prof. melhor do que eu. Depois, como é hábito nesta qualidade de gente, os números construídos sabe Deus como, são dogmas que ninguém ousa contestar. Apoiam-se neles como os nossos funcionários que não foram instruídos a pensar, atiram: “É da lei!” São fanatismos tão ou mais terríveis que aqueles impingidos pelos barbudos do Daesh. Então ele explica: “Se medirmos pelo índice de Gini (coeficiente que mede, na escala 0 e 100, a desigualdade na distribuição do rendimento da população) até tem vindo a diminuir.” Para acrescentar decerto compassivo: “Muito pouco, mas tem vindo a diminuir.” Quer dizer, nem uma palavra sobre o milhão e meio de pobres, sobre os reformados que vivem abaixo de todos os patamares de dignidade, para não falar no nível de vida geral dos portugueses sempre no limite da decência. Eis que uma das entrevistadoras, de súbito eivada de inteligência, pergunta: “Ouvindo-o, parece estar a desvalorizar os efeitos da pobreza extrema, no caso português.” A resposta veio do alto da sua imensa sabedoria universitária: “Não temos tido um agravamento do problema da desigualdade e da pouca mobilidade social em Portugal, temos tido uma continuação daqueles que são dois dos nossos maiores problemas: a baixa competitividade e a fraca mobilidade social” seja isto o que for. Na penúltima página, o homem disserta sobre as prioridades  para sairmos do nosso impasse. A saber: instituições, instituições, instituições (3 vezes!) Bah! Mas o país não tem instituições? Que eu saiba se somos ricos em alguma coisa é em instituições: partidos, sindicatos, associações, ministérios de tudo e mais alguma coisa, polícia, universidades, Ordens disto e daquilo, câmaras e passo. Por dá-cá-esta-palha instituísse um departamento, forma-se um ministério, um gabinete. Sendo do PSD, a defesa do capitalismo é nele a oração de fim de vida: “Nós vemos em todo o mundo que o capitalismo continua a ser o modelo económico mais bem sucedido e que mais prosperidade traz.” A jornalista, acordando no fim da entrevista, ainda lhe atira à cara a teoria do economista francês Thomas Piketty, segundo o qual o capitalismo vem perdendo a sua base moral por via das desigualdades e falência da meritocracia capturada pelos ricos. Maduro não desarma, atira com o capitalismo regulado pelo Estado, esquecendo que o capitalismo nunca se deixou capturar pelo Estado e foi este que ficou refém daquele. Mais adiante, como um escuteiro de bom coração, remata:  “Nós podemos ajudar o capitalismo a responder aos desafios morais que enfrenta.” O Papa Francisco é mais lúcido e menos pio e romântico que este nosso santo Miguel Poiares Maduro.

         - Primeira grande e terrível medida anunciada pelo Irão: rasgar o Acordo nuclear que havia assinado com os Estados Unidos e outros países. Pelo lado americano, Trump promete mais vingança e aponta mísseis a “50 alvos e sítios da cultura islâmica”. Um autêntico terrorista, que se acha senhor de toda a América, não sabendo nada das raízes culturais de uma civilização em muitos pontos mais sólida e importante que a nossa. Manda abater sem consultar ninguém – Senado, Nações Unidas, conselheiros -  como um gangster roído de ódio.

         - Eu penso muito nisto. Ouço toda a gente preocupada com o armamento destruidor que pode fabricar a Coreia do Norte ou o Irão, por exemplo, mas ninguém se incomoda com o dos EUA, Israel, Índia ou França como se só fosse devastador os mísseis vindos daquelas partes do mundo. A grande observação é esta: “Não te esqueças que esses países não são democráticos e o ditador não precisa de autorização de ninguém para os accionar.” Pelos vistos, não é bem assim. Primeiro, quem primeiro (e único) que utilizou essa arma que tudo e todos reduz a pó, foi a América; depois, como se vê hoje, um só homem sem pedir autorização a nenhum organismo nacional, como se as armas fossem de propriedade pessoal, mandou atacar e abater, fora do seu país, uns quantos dignitários de outra nação.   


         - Julgo que tenho falado pouco do que cá em casa se come. Assim, aqui vai a ementa do almoço de domingo. Robalo cozido em cebola refogada com um fio de azeite e no final alcaparras, acompanhado com ratatouille, vinho tinto Alcubíssimo produzido por um enólogo da Serra Alcube, em reduzida tiragem, oferecido pela Maria José que outro dia veio cá jantar e me trouxe uma caixa. Para sobremesa: queijo de cabra francês e tangerinas da minha lavra. Simples e bom.