Quarta, 15.
Descobri
que a história de O Matricida há
muito tempo me rondava o espírito. Abri por curiosidade um documento que tinha
guardado no computador e leio de uma rajada dezoito páginas de apontamentos.
Nele gerei os nomes do pai e mãe da personagem, pintei com pincelada vigorosa o
ambiente materno de Ababour ou Bokinsa, certas formas de vida familiares,
algumas notas históricas e assim. Esta napa narrativa havia sido criada como
preâmbulo do romance e tinha desaparecido do meu cérebro para dar lugar à
dúvida, à incerteza e à tristeza de quem se vê falho de ideias e
abandonado pela criatividade. Porque
nesse entretanto, não despegando da história, fui concebendo outro projecto
banhado da mais profunda miséria moral de me saber inapto para empreender um
trabalho que vai exigir de mim um esforço hercúleo, não só criativo como
psicológico. Contudo, esta descoberta, trouxe-me uma grande satisfação. Já
tenho pano para costurar por algum tempo.
- Outro dia vi no telejornal da
TV5Monde o flache do rapaz que morreu no trem de pouso de um avião da Air
France proveniente de Abidjan, na Costa do Marfim. A criança saiu de casa sem
avisar a família, percorreu 30 quilómetros a pé até ao aeroporto e foi
esconder-se debaixo das asas do avião. Os colegas disseram que ele não parava
de falar da Europa, que conhecia os mapas de França, só pensava em viver em
Paris. Morreu no caminho. Tinha 14 anos.
- Eu estou sempre a combater em mim a
péssima impressão que tenho deste bando de aves esquisitas que é a juventude.
Talvez porque a vejo (ainda hoje gramei a conversa inútil, tola, exibicionista
de três raparigas que se sentaram perto de mim no Fertagus) de perto, oiço o
que diz montada no telemóvel, sinto a aridez que a banha da cabeça aos pés, a
falta de originalidade no vestir, no falar, no estar, ungida da monotonia que a
engloba na triste condição the same. Por isso, li a entrevista dada ao
Público de Jorge Félix Cardoso. Tem 24 anos e uma cabeça relativamente bem
arrumada. Diria que grosso modo concordo com ele quase em tudo e gostava que
Portugal tivesse tipos deste quilate. Só discordo no facto de ele acreditar na
UE, e também pensar como todos os outros ao advogar medidas (entenda-se
impostos) para as pessoas comuns, julgando assim resolve os problemas
climáticos. Era atacando o problema a montante, quero dizer, nas multinacionais
que produzem sem rei nem roque, ofuscadas com lucro, nas tintas para o Planeta,
que muito se poderia resolver. Assino de cruz estas observações: “Nem nós (os
jovens) somos apenas o futuro, somos o presente, nem os problemas são para resolver
no futuro, são para resolver no presente. Olhar para o futuro deve ser prever
os problemas e os impactos das possíveis soluções, mas para começar a trabalhar
agora.”