quarta-feira, janeiro 29, 2020

Quarta, 29.
O filme A despedida que fui ver outro dia, com argumento e realização da sino-americana Lulu Wang, não me deixou indiferente. Centrado numa avozinha que o cancro diagnosticado lhe dá três meses de vida, magnificamente representado por Zhao Shuzhen no papel de Nai Nai, conta a história de uma família com ramificações migratórias pelos Estados Unidos e Japão, reunidas numa farsa de casamento que esconde a cerimónia de adeus à velha matriarca de quem todos ocultam o mal que a consome. O jogo de tensões muito bem urdido, onde cada um traz à cena os seus recalcamentos e dores, sonhos e misericórdias, é brilhante embora canalizado para a velha senhora que domina não só todos e cada um como a tela com a sua extraordinária força representativa.    

         - São tantos os afazeres, tanta a dispersão que não chego a sentir as horas percutirem no meu corpo endiabrado. É certo que tudo depende absolutamente de mim, mas a soma de preocupações esmagam-me de ansiedade. Porque quero ser perfeito, estar em todo o lado, seguir as ondas das sombras, ver o mundo pelos olhos que o viram quando ele se me abriu à beleza e ao ritmo incandescente dos dias. Talvez os anos nos tragam um abrandamento natural ou uma desaceleração que é profícua ao futuro. Mas a escrita é o contrário de tudo isto, as suas exigências, a sagesse que a acompanha, a solidão que a abastece, vive de costas voltadas à cadência enfurecida que hoje nos acompanha. Viver deste modo solitário tem infinitas virtudes. Desde logo porque nos obriga a seguir as evoluções sociais e tecnológicas, as revoltas e as bênçãos que lançam sobre todos e cada um de nós aspersões benignas, que nos abrem o coração à revelação de que no homem nem tudo está perdido e dele temos de esperar uma clareira de sol no vasto pântano onde uma ínfima parte da humanidade nos pretende manter calados e submissos. Muitas vezes paraliso. Parece que estou apavorado numa planura de afazeres e não sei por onde começar. Desanimo, caio, arrumo-me ao canto a contorcer-me de raiva e espero que mão amiga me venha levantar do abismo onde estou infeliz. Como não tenho quem se importe comigo, convoco o meu Criador e espero dele o apoio que nunca me faltou. São já muitas as tentativas para encontrar o fio do romance e todas fracassaram. Sei o que quero dizer, mas não sei como o fazer. A sua ausência no meu quotidiano, faz-me sentir um inútil, um tipo que vai a deriva a caminho da morte.

         - Não calo a tremenda e ridícula prisão a que submeteram o denunciador de criminosos o jovem Rui Pinto. Como os meus leitores sabem, desde cedo o apoiei e me insurgi contra os corruptos que se apoiam nas leis feitas à sua medida, isto é, para os defender. Aqui ficam algumas palavras sábias do advogado William Bourdon.

         “Ele (Rui Pinto) devia ser o orgulho de Portugal: é um jovem fantástico, agiu sempre com boa-fé e assumiu todos os riscos.”
         “Sem as suas revelações, ninguém poderia esperar que as autoridades lançassem investigações contra o clã (Isabel dos Santos).”

         “Rui Pinto está preso e acho que o lugar dele não é na prisão. A acusação de extorsão na forma tentada é completamente artificial e não existiu realmente.” 

         “Não sou o único a lamentar que Portugal continue a resistir e não implemente medidas de protecção para os denunciantes. É absurdo que alguém consiga ser admirado e celebrado num país e, ao mesmo tempo, seja criminalizado no outro.” (Da entrevista ao Público de ontem.)


         - Tempo moche. Fui nadar e regressei para duas horas de leitura. Parei na página 985 do Green endiabrado. Vou lendo igualmente sobre a Hungria, sua história e aspectos do presente.