terça-feira, junho 30, 2015

Terça, 30.
Domingo passado na igreja de S. Julião onde entrei para assistir à missa, esbarrei com o diabo à solta. O desassossego, o ar festivaleiro, o entra e sai, as corridas das crianças na nave central, o ruído das conversas como se estivéssemos na praça du Bocage, os portáteis que não paravam de tocar... era tal que interroguei-me se me havia enganado e entrado num desses templos brasileiros que capinam por aí. A missa (Vaticano II) na realidade, começou com um certo atraso. Só então percebi a razão daquele folguedo: uma qualquer cerimónia iniciática para escuteiros que estavam, de resto, em grande número no interior. Começado o ofício, logo ribombou o cu-cu-ru-cu-cu da moderna música gregoriana (a outra, a verdadeira, foi transferida para os teatros) onde não faltaram as guitarradas e os ritmos de praia. Fugi espavorido a meio. Eu interiorizei que o silêncio é o elemento por excelência do diálogo com Deus. A Igreja, hoje, pensando atrair a juventude com a algraviada pseudo-moderna da patetice e da ignorância, rendeu-se ao efémero com os olhos postos neste rebanho mais interessado na desbunda que no recolhimento espiritual ou na vida proposta pelo Evangelho muito difícil de seguir. Já aqui disse e reafirmo: este não é o caminho, pelo simples facto que o caminho a seguir está algures dentro de nós e isso os sacerdotes não ensinam.

         - “Esta fome doutro (o itálico é do autor) corpo que nos leva a apalpá-lo, a agarrá-lo, a cheirá-lo, a mordê-lo, a lambê-lo, a penetrá-lo... Isto com uma espécie de furor misterioso em que o amor e o rancor se fundem... isto com verdadeira exigência de absoluto.” José Régio, Diário, pag, 281. O objecto amoroso não é citado, mas está obsessivamente presente.

         - O sinistro presidente do Eurogrupo não me convence. Os seus pares contabilistas também não. Todos, não obstante as palavras cínicas, querem deixar cair a Grécia. Arrogantes, chupistas, intolerantes e ditadores, só vêem números e cifrões. Entretanto, as bolsas especulativas caíram a fundo: Portugal 5,22%, Paris 3,74% e por aí fora. Em paralelo há muita gente a ganhar milhões com a desgraça dos helénicos. Por cá, o contabilista senhor Cavaco (Silva para a Madeira), por nosso azar presidente da República “deste país”, diz com a maior leviandade que “se a Grécia sair ainda ficam 18 membros”. Os jornalistas e comentadores de serviço, gritam que a Grécia já recebeu ao todo 200 mil milhões, mas não dizem que a maior parte foi para encher a boca aos banqueiros. Como também não nos informam quanto desse montante foi para pagar juros aos agiotas. Que sociedade! Que mundo! É de fugir!  


         - De súbito, de um dia para o outro, a água da piscina exibe uma cor esverdeada - cor da desesperança.

segunda-feira, junho 29, 2015

Segunda, 29.
No número dos infelizes que morreram na praia de Sousse, encontra-se uma portuguesa do Norte. A senhora era cá das minhas. Com 77 anos, partiu, só, perdão, sozinha para um curto período de férias, facto notável para um povo que vive sempre a reboque de alguém ou de qualquer coisa. Que Deus a tenha porque merece a Sua protecção, uma vez que livre e independente, praticou a vida na sumptuosidade dos dias felizes do Verão.

         - A propósito. Quem aqui aparece em aluviões, são os mosquitos. Não é ainda os alúvios que tive no Cairo, quando tinha de pedir-lhes licença para se afastarem de modo a vencer a cortina espessa que formavam no hall do meu quarto do hotel Piramide. Mas estes que a canícula instalou cá em casa como, de resto, os do Egipto, não querem nada comigo. Admiro-os a pousarem nas minhas pernas nuas, mas não se atrevem a picá-las. Nunca fui mordido por um mosquito. Nem mesmo uma noite no Cairo quando jantámos ao ar livre, junto à piscina do hotel. A ruindade é sempre uma defesa... natural.

         - Na ordem do dia tem estado mais uma revelação de Julien Assange do Wikilleaks. O bravo homem revelou que os americanos escutaram os últimos três presidentes da França, Hollande incluído. Que fez a França governada pelo titubeante socialista? Berrou um pouco como se esperava e depois? Nada.  

         - Em Taiwn sofreram graves queimaduras 500 pessoas quando se divertiam num parque de diversões ao ar livre. Não se sabe como aconteceu aquele autêntico inferno: se devido às altas temperaturas, aos potentes projectores ou a um pó que foi lançado sobre o recinto e em contacto com os holofotes provocou o desastre.


         - Os mercados são hoje as divindades omnipresentes e vigilantes, a senhora Merkel a sacerdotisa que os celebra.

sábado, junho 27, 2015

Sábado, 27.
O transtorno do mundo começa a ser inquietante. Uma série de atentados aconteceram ontem demonstrando o trabalho coordenado dos grupos jihadistas da Daech ou da al-Qaeda. Em Sousse a cidade aonde fui feliz e onde me curei da depressão no dia em que me esqueci de tomar a talega de antidepressivos que o Dr. Chiapa me receitou, um tipo irrompe na praia onde estão grupos de estrangeiros, e desata a disparar indiscriminadamente. Acaba morto pela polícia seguindo o destino de mais 37 infelizes que gozavam o sol da Tunísia. A sueste da França, um solitário decapitou o patrão de uma empresa, fez vários feridos e tenta pegar fogo à fábrica. É apanhado, andava a ser vigiado há pelo menos dois anos. No Koweit uma mesquita é assaltada à bomba e uma trintena de fiéis mortos. Estamos numa guerra onde o ódio pode mais que o armamento bélico mais sofisticado. Os ataques acontecem a qualquer hora, em qualquer lugar, criando instabilidade e temores, vítimas e estupefacção. No espaço de dez anos, o mundo conheceu um volte-face tremendo com origem na política agressiva e destituída de razão dos americanos, que por sua vez arrastaram a Europa temerosa e subserviente. Se olharmos os focos frágeis neste momento instalados no mundo, apercebemo-nos de que qualquer coisa de terrível pode estoirar de um dia para o outro.


         - Quando o temor vinha das duas únicas superpotências – Estados Unidos e Rússia – podíamos de certo modo precaver-nos. Hoje a ganância explodiu na Europa desde que o euro mal estudado e mal pensado enquanto moeda única para países tão diferentes económica e socialmente, de braço dado com a globalização, foi imposto por uma oligarquia dirigida por sociedades secretas que ditam os modos de exploração de batalhões de seres reduzidos ao estádio vizinho da subsistência. Ainda por cima sem independência, sujeitos a regras e tratados obscuros, feitos à troche-moche, e enquanto mais fracos coagidos sob pena da escravidão total a aceitar políticas ruinosas, que os sentenciam por várias gerações ao suplício do pagamento da dívida dos juros que engordam essas sociedades secretas e o derrame de milhões destas directamente para aqueles que se conformam, calam, movimentam a teia de interesses que a todos liga. A quem ousar enfrentá-los, cai-lhes a espada de Dâmocles. Foi o caso da Grécia que por referendo vai dizer se aceita ser escrava por quatro gerações dos homens que os arruinaram e não desistem de lhes sorver a última gota do sangue da sua liberdade. Espero sinceramente que os gregos saiam da consulta popular reforçados na sua dignidade e compreendam o modo diferente de fazer política que o Syriza introduziu na máquina rançosa e cúmplice, corrupta e arrogante, que hoje impera na União Europeia. Mais ou menos o que se passa é isto: a dívida propriamente dita é de 40 por cento, o resto, 60 por cento, são juros ou seja o lucro dos credores. Quem pode aceitar um roubo destes? A senhora Merkel sabia o que estava por trás desta desgraça, quando emprestou dinheiro aos gregos para que estes pagassem as dívidas aos bancos alemães e franceses. O dinheiro entrou, mas saiu na hora seguinte, deixando um rasto de terror na forma de mais dívida.     

sexta-feira, junho 26, 2015

Sexta, 26.

Com a verdadeira canícula que aí está e mais a que nos anunciam para o fim-de-semana a chegar aos 40 graus, só trabalho bem na semi-escuridão em casa ou melhor ainda no ar condicionado de um centro comercial. Antes, lembro-me, em dias como estes quando ainda não haviam os famigerados centros comerciais, nós refugiávamo-nos no cinema. O mais perto de minha casa era o S. Jorge que na altura possuía o melhor ar climatizado de Lisboa. Depois apareceu o chamado dragstore do outro lado da Avenida da Liberdade que também tinha uma climatização de truz. Para lá íamos todos arrastar a asa, em passos de dama chique no Passeio Público, porque os corredores da loja eram estreitos e labirínticos e a multidão curiosa demasiada. Isso era a Lisboa de outros tempos, embora o sol seja o mesmo. Alguns anos após, abriu portas o Imaviz, mas os tempos já eram diferentes. Eu encontrava-me em plena e bela adolescência com o desassossego instalado no corpo e a insatisfação a roer-me da cabeça aos pés. O Imaviz era o meu refúgio nocturno, meu e de um punhado de gente irreverente e insaciável, de todos os estratos sociais, que derretia horas e as solas dos sapatos em busca de paz no rebuliço sensual que corria nos três andares do estabelecimento. Ainda por cima, na enfiada no sentido do Saldanha, existia o Convés, o Montecarlo, o Monumental – tudo catedrais ajaezadas para encontrarmos aquilo que porventura nos escapou no Imaviz. Nunca se deixava  a zona sem o corpo apaziguado... Se tenho saudades? Não. Cada tempo é o meu tempo e todo o tempo oferece o deslumbre que comporta a vida na sua plenitude.  

quinta-feira, junho 25, 2015

Quinta, 25.
Volte face na trágico-comédia grega. Stipras vive no avião entre Atenas e Bruxelas. Exibe um ar cansado e tem de lutar na frente e na retaguarda. Os credores que ganham milhões com os gregos, querem mais. São insaciáveis como são os novos-ricos, os sem sapatas que alcandoraram à magia da riqueza conseguida numa geração à custa da exploração, da corrupção e do compadrio. É revoltante. Como é possível que o povo europeu se deixe ludibriar desta forma infame por uma classe de políticos de meia-tigela, sem ideias, munidos apenas de uma calculadora que os acompanha para todo o lado. A rir-se estão os financeiros, os banqueiros, que arruinaram vários países e continuam incólumes e alguns até a serem condecorados como foi o caso entre nós recentemente. Nenhum está na prisão, todos prosseguem as suas vidas de luxo, nenhum devolveu o que roubou. Ainda por cima cospem-nos na cara, riem-se alarvemente entre mafiosos nas nossas costas, têm ao seu serviço a catadupa de políticos seus aliados. O enorme polvo que a democracia alimentou, está gordo, estende tentacularmente os seus membros e abraça num amplexo o triste destino de todos nós. Até quando?