quinta-feira, junho 18, 2015

Quinta, 18.
Um pequeno progresso – mas autêntico – na minha luta por me libertar das obsessões sexuais. Não prometera eu a mim próprio renunciar ao amor depois dos cinquenta anos? Fiz cinquenta e um no mês passado. Os meus instintos ainda são demasiado violentos. Mas espero começar a libertar-me... Depois dos cinquenta anos, já não há beleza nenhuma nos actos sexuais; (embora a possa haver, ainda, nos sentimentos-instintos de quem os pratica). José Régio, Páginas do Diário Íntimo, pag. 207, Imprensa Nacional. Corajoso homem que assim se despe em 1952, apesar da reserva apanágio do tempo e da censura que tudo cobria com as suas orientações culturais e morais.


         - Muito calor. Antes das cinco da tarde não é possível pôr o nariz fora de porta. Esta manhã a Piedade esteve aí e deixou-me a casa limpa e acolhedora. Quando saiu, parece que a atmosfera ficou impregnada da paz dos simples e em cada canto permanece um silêncio religioso que se irmana com a tranquilidade densa que se trancou no interior. Tenho as portadas encostadas, uma ligeira aragem quente entra pelas frinchas das janelas, através dos vidros vejo o bailado das folhas das laranjeiras. O calor é aqui uma voz, uma presença, um volume inerte. Daqui a pouco vou banhar-me e apanhar um pouco de sol. Esta manhã, pela fresca, comecei a acabei de aparar os relvados em torno da piscina, reguei o jardim, as hortências em frente à casa. Duas horas de trabalho duro para uma vida de olhos pasmados a admirar a beleza que ofusca e enternece.