Quinta,
18.
Um
pequeno progresso – mas autêntico – na minha luta por me libertar das obsessões
sexuais. Não prometera eu a mim próprio renunciar ao amor depois dos cinquenta
anos? Fiz cinquenta e um no mês passado. Os meus instintos ainda são demasiado
violentos. Mas espero começar a libertar-me... Depois dos cinquenta anos, já
não há beleza nenhuma nos actos sexuais; (embora a possa haver, ainda, nos
sentimentos-instintos de quem os pratica). José Régio, Páginas do Diário Íntimo, pag. 207, Imprensa Nacional. Corajoso homem
que assim se despe em 1952, apesar da reserva apanágio do tempo e da censura
que tudo cobria com as suas orientações culturais e morais.
- Muito calor. Antes das cinco da
tarde não é possível pôr o nariz fora de porta. Esta manhã a Piedade esteve aí
e deixou-me a casa limpa e acolhedora. Quando saiu, parece que a atmosfera
ficou impregnada da paz dos simples e em cada canto permanece um silêncio
religioso que se irmana com a tranquilidade densa que se trancou no interior.
Tenho as portadas encostadas, uma ligeira aragem quente entra pelas frinchas
das janelas, através dos vidros vejo o bailado das folhas das laranjeiras. O
calor é aqui uma voz, uma presença, um volume inerte. Daqui a pouco vou
banhar-me e apanhar um pouco de sol. Esta manhã, pela fresca, comecei a acabei
de aparar os relvados em torno da piscina, reguei o jardim, as hortências em
frente à casa. Duas horas de trabalho duro para uma vida de olhos pasmados a
admirar a beleza que ofusca e enternece.