domingo, junho 21, 2015

Domingo, 21.
Quando mando gradar a quinta como foi o caso hoje, fico com a impressão que possuo dois hectares. É uma sensação estranha vê-la de repente estendida para lá dos limites que são os meus. Este ano é a segunda vez que o homem aí vem. Como a canícula ameaça não nos largar, comecei a temer por um incêndio. Além de que acho que é meu dever e obrigação manter este espaço cuidado, livre de perigos e protegido pela limpeza do mato. No dia em que não me for possível fazê-lo, vendo-o. É tão simples como isso.  

         - A mesa está posta com tudo o que de melhor possuo para bem receber os amigos que não tardam. Faz calor, mas debaixo do toldo, com a leve brisa que aqui corre, está-se bem. O pormenor do pequeno repuxo de água no antigo tanque, fornece o tom de outros tempos e o murmúrio do chuveiro entontece os sentidos. Não devíamos beber. Mas como fugir a um bom vinho branco fresco. Antevejo a tarde bem regada de conversa fiada com o Verão quente curioso a escutar.




         - Ontem ao fim da tarde fui à vernissage do Guilherme Parente. A exposição tem este curioso tema Águas Régias. Conhecemo-nos há muitos anos e foi com prazer que mantive com ele uma demorada conversa acerca do seu percurso artístico. As pessoas faziam um circulo à nossa volta para o cumprimentarem, mas ele não despegava ouvindo o que eu tinha para lhe dizer, um sorriso (quase) triste perdido no rosto vivo. Que em resumo foi isto: Parente encontrou na infância o celeiro abundante que alimenta a sua obra. Esteja eu em qualquer parte do mundo, sou capaz de identificar as suas telas porque o pintor pôs desde os primórdios artísticos a sua indelével assinatura que não é mais que a consistente marca do seu enorme talento. Tal como Miró que nunca deixou a adolescência, também Guilherme Parente parece ter ficado prisioneiro de um período feliz de onde brota não só a cor que invade, passeia, matiza e resplandece em todos os seus quadros, como a memória dos dias felizes quando o mundo era o seu coração de criança e o espaço a ternura perdida nas imagens cintilantes de sorrisos. Admirar a sua vastíssima obra, é reencontrar esse paraíso que ficou para trás com a nostalgia de havermos perdido o essencial de nós mesmos.