Quarta, 17.
Ontem, interrompi pelo meio-dia a revisão
do capítulo que vinha trabalhando desde as oito da manhã, para descer ao portão
e recolher o correio que o carteiro tinha deixado na caixa. Entre algumas
cartas, uma da eléctrica chinesa. Abria já sentado pressentindo qualquer coisa
desagradável. Não me enganei. Tratando-se da factura da luz esta apresentava um
valor de 530 e tal euros! Do nunca visto. A Piedade e outros amigos haviam-se-me
queixado de aumentos substanciais na factura da electricidade, mas estava longe
de supor que eu mesmo iria ser confrontado com o mesmo. Tentei voltar ao romance,
mas o cérebro estava noutro lado, exaltado, a revolta a saltar nas teclas do
computador. Comi qualquer coisa e embarquei na Fertagus directamente para o
edifício da eléctrica chinesa, ao Marquês de Pombal. Às 14,35 sou atendido por
um rapaz a quem peço justificações para um tal aumento. Antes porém,
perguntei-lhe se não tinha um calmante. Por exemplo, um Xanax que foi o que me
pareceu mais conforme com a língua dos donos da eléctrica. Mas devia engolir e
rapidamente um Lorenin que foi o que me pôs ko quando tive a mázona e o Tó mo prescreveu.
Esse estendia-me ao comprido e podia a companhia chinesa extorquir-me milhares que
eu nem os escutava adormecido in petto aos
pés do balcão. “O Lorenin evita-me o ataque cardíaco iminente”, pensava. O
rapaz enquanto me sustenho como posso, vai dedilhando os dedos no computador a
tentar compreender o roubo sem deixar de me olhar entre o risonho e o apreensivo.
Ao cabo de uns para mim demasiado longos minutos, diz-me que efectivamente
houve um erro: o sistema havia debitado em duplicado. “Devem-lhe ter posto a
mais uns 400 euros. – Não tenho dúvida. Sou extremamente controlado e sei o que
consumo e gasto.” Riu-se. Telefonemas para aqui e para ali. “Estou a tentar
corrigir a factura, mas não vai ser fácil.” Até que um colega lhe indica uma
colega provavelmente nos confins da China, talvez de olhos em bico, e glu-glu
seco e sorriso terno, chamada Dália surge na conversa. Ouço as palavras
trocadas com ela e compreendo que estou salvo de morrer ali em território
chinês. Com a nova factura rectificada, deixo o simpático empregado e digo-lhe
em chinês: bymiokonibula. O rapaz desdobrou o rosto agradável e o mundo
reconstituiu-se na plenitude da tarde abafada. O português, não tendo quem o
defenda da tirania capitalista a que se junta a informática, deve lutar se
preciso for a murro, contra todos aqueles que o querem subjugar por todos os
meios. Não se esqueçam que os chineses são criaturas pequenotas...