Quinta, 11.
Na minha errabunda de outro dia, percebi
uma vez mais quanto bem fiz à minha mente e à minha saúde ter deixado de viver
em Lisboa. Agora quando lá vou, é como se visitasse uma cidade estrangeira, os
sentidos dispersos, o olhar pronto a admirar uma tessela, uma árvore, um prédio
antigo que vi mil vezes sem nunca ter reparado nos acessórios decorativos da
fachada... A dada altura, no final da nossa vagabundagem, Conceição e eu,
sentámo-nos numa esplanada improvisada no início do parque, junto ao Marquês,
para uma cerveja fresca. A conversa rumou em todas as latitudes, a canícula
obrigando-nos a não deixar a cadeira onde o ruído era insuportável e onde a
sonoridade dos nossos risos volatiliza num ápice. Estivemos ali um bom bocado.
Quando depois levantámos amarras e cada um seguiu o seu caminho, senti o perigo
que a cidade subtilmente introduz na saúde ou na falta dela. Penso na poluição
de toda a ordem, no desgaste psicológico que provoca e naquela sensação
enganadora que dá protecção a quem faz do tumulto amparo. Levantei-me com os
ouvidos cheios da surdina que entorpece os sentidos e fui como sonâmbulo
meter-me no metro que me devolveu ao silêncio de oiro que aqui reina. O
contraste é de tal modo perturbador que felizmente é esbatido pela viagem que nos
restitui a paisagem, o rio que nos protege, as árvores que nos resguardam, o ar
que se respira, acomodando o corpo e a mente a um lugar onde a qualidade de
vida é um luxo que os citadinos nem fazem ideia que existe.