Quarta, 31.
Encontrei-me com o escultor Virgílio
Domingues. Entrámos na Brasileira para nos juntarmos ao cenáculo habitual mas
este, por razões que desconhecemos, não aconteceu acabando nós por cumprir em
amena cavaqueira as duas horas de sinecura. Virgílio abriu-se em confidências.
Falou-me da amizade com João Hogan com quem partilhara o atelier, do seu feitio
irrascível e terno ao mesmo tempo, e do vazio que nunca deixou o espaço comum
desde que o pintor partiu e ele ficou desarmado para o habitar de criação e
reflexão. Quando raramente por lá vai, diz sentir a presença do amigo no seu remoto
canto, um olho na sua pintura, outro no trabalho do escultor. Hogan possuía um
dom especial para definir a esquadria, compor a proporção, desenhar mental e
visualmente a volumetria. Quando Virgílio encalhava nalguma peça, era ele que
deixando o seu lugar ia dar luz à obra que teimava em não sair da sombra. O
quadro que o célebre café exibe à entrada do lado direito de quem chega, foi
antes de ser executado composto pelo artista no atelier e os seus elementos
ainda lá estão: a pedra esverdeada, os troncos que Hogan encontrou na natureza,
a parte superior da tela com aquela amplidão onde se misturam várias cores num
deslumbre crepuscular que encima os elementos-objectos que o pintor marcou com
o seu olhar encantado levantado do fundo do coração a que poucos tinham acesso.
A vivência entre os dois, nem sempre fora harmoniosa mas – dizia Virgílio –
havia qualquer coisa no colega que não deixava que a distância fosse consumida
pela ruptura. Talvez seja por causa dessa separação inelutável, que ele,
Virgílio, se apartou da arte, das suas esculturas que têm o poder da abstracção
e desafiam a gravidade como se a eternidade sempre as tivesse habitado e a sua
Arte fosse a força que reduz o homem ao equilíbrio instável entre a realidade e
o sonho, a fantasia e a concepção morfológica que resiste ao tempo e faz da sua
excepcional obra qualquer coisa de único a que não resistimos porque ela nos
absorve, aspira, paralisa numa inquietação comum. Virgílio é com tudo o que
criou, um contemporâneo da história participativa. Mesmo quando se obcecou e
traduziu em esculturas de concepção extraordinárias - como as que se podem
admirar no seu museu em Setúbal -, fá-lo para registo de memória futura mas,
também, como parte de um movimento artístico que vindo antes do 25 de Abril
soube abarcar a realidade nova que explodia por todo o lado. O seu terno olhar,
a sua simplicidade aristocrática, aquela fragilidade doce que o faz credor de
afectos disseminados pelos seus pares e por eles protegido da concupiscência
malsã que não consente a originalidade, a profundidade, a quietude onde a arte
vive sem o tumulto banal do mundo dos nossos dias de que ele hoje se limita a
ser expectador, enquanto interiormente rumina novas formas e espaços, novas
pesquisas, rumos, visões o olhar claro perdido no que mexe à sua volta, como se
tudo o que vê fosse arte – uma sombra dançando agitada pelo vento, um seixo
abandonado na praia, um esqueleto de memória trazido do fundo do tempo, um
sopro refulgente materializado num corpo de mulher...
- A Espanha vai de novo às urnas – é a terceira vez no espaço de menos
de um ano. Tudo porque Rajoy embora tenha crescido nas preferências dos
espanhóis, ficou a uma unha da maioria. Depois andou apalavrando com os
partidos à sua esquerda, nomeadamente, o socialista que tem à cabeça um homem
ambicioso que se está nas tintas para o país e só vê o poder como forma de
realizar os seus sonhos de infância. É nulo, não percebe o contexto social e
político em que a Espanha está mergulhada, não possui formação nem estaleca suficientes
para o cargo que ocupa. Prefere desgraçar os seus compatriotas, a fazer os
acordos necessários à construção do futuro. Mas vai-se lixar. Da próxima ida às
urnas, é Rajoy que sai vitorioso e com maioria absoluta.
- O que se passa no Brasil com o impeachment,
é tão-só o julgamento de um bando de mafiosos a correr com o seu chefe. Se
quisermos, contudo, separar as águas, diremos que a matéria de acusação de
Dilma Rousseff, é a mesma por que todos os dirigentes políticos mundiais seriam
destituídos dos seus cargos e postos na prisão.
- Portugal no que aos costumes concerne, está voltado do avesso. Todos
os dias a tão proclamada família surge como um pequeno bando de criminosos que
mata por uma mão cheia de coisa nenhuma. Os filhos deitados no mundo num
momento de descontrolo ou descuido, transformam-se em assassinos e adquirem
cedo os desvarios dos seus progenitores. Desta vez, um rapaz de 14 anos foi
espancado até à morte na via pública por um outro de 16 anos. Segundo a
imprensa, os dois jovens andaram envolvidos em acusações e ameaças no facebook algum
tempo, porque os dois disputavam a preferência por uma jovem. Estamos a criar
pequenos-grandes monstros, energúmenos, bestas e criminosos à sombra de uma época
com a liberdade na esteira de um futuro assustador.
- Outro dia, o pintor Carlos Soares, disse-me que tinha visto dois
livros meus num alfarrabista do Chiado. Quando lá voltou no dia seguinte para
os adquirir, já lá não estavam. Que pensar?!