Domingo, 7.
3. Pecado e condenação. A noção de pecado
está intimamente ligada à liberdade. Deus criou-nos livres e como tal
responsáveis e disponíveis para assumirmos os nossos actos. As estruturas
sociais e políticas montaram paralelamente uma teia de deveres e obrigações que
amarram o homem a um estatuto de dependência colectiva formado por leis
construídas por uns quantos iluminados. Toda a trama jurídica na Europa e
também noutras partes do mundo, tem alicerces na matriz religiosa que formou os
povos através de tempos imemoriais. É fascinante pensar que, apesar de tudo o
que se conhece para travar a expansão do cristianismo, passados dois mil anos,
Deus continua ao leme da barca contra ventos e marés. Talvez quem melhor
antecipou o nosso tempo, foi Nietzsche ao declarar: Je suis mystique, et je ne crois en rien. Porque a liberdade que
nos foi dada por Deus, suplanta em natureza e aplicação, a que nos oferece a
República e a Democracia e todos os sistemas político-sociais. O pecado,
enquanto substância perturbadora, reside no poder que fornece às sociedades a
discriminação, a pobreza, a corrupção, o desequilíbrio, a guerra e a
subalternização do homem. Dir-se-ia que neste tempo, coexistem duas formas de
pecado e distintas condenações: as que Jesus implementou e as que os homens com
o seu ódio e ganância aplicam. Julien Green diz algures que le jour où on a ôté le crucifix dans les
tribunaux a instauré le droit de mentir. Antigamente jurava-se em nome de
Deus, hoje jura-se em nome da Lei que poucos conhecem e ninguém respeita a
começar pelos advogados, juízes, magistrados. A justiça dos homens não atinge a
todos. Os pobres são quase sempre condenados, os ricos não só ilibados como
ainda santificados pelos crimes que cometeram. Neste aspecto os regimes democráticos
não diferem dos ditatoriais – ambos concorrem para a estratificação do ser
humano, ambos são um embuste quando reclamam a igualdade e praticam a distinção.
Nas leis humanas, falta-lhes o essencial que as leis divinas possuem em
sobejidão: Amor, Compaixão, Perdão. Vinte e cinco séculos de filosofia não
bastaram para instalar na humanidade a sagesse.
O conhecimento do outro não conforta a conta bancária, não embeleza os
relacionamentos como a riqueza e a exuberância do poder. Kant dizia que a moral
é autónoma. Solta, portanto, para ser aplicada com amor e isenção. Seja como
for, nunca uma civilização subsistiu porque possuía riqueza e prosperidade à
sombra das camadas de pobres que para ela trabalharam como escravos. A memória
que resistiu ao tempo e à imagem de Marco Aurélio, não foram as batalhas que
travou, foi o pensamento, a cultura de um Imperador que se fechou em si para
despejar o mais profundo e insinuante monólogo. Através da cultura como
emancipação, redenção e consumação somos redimidos dos nossos pecados. A
Palavra tal como dela Jesus fez uso, é o meio mais envolvente para o
conhecimento de nós no outro. Para isso é preciso que saibamos que o silêncio
conduz à libertação. E que Deus é o grande perdoador.