domingo, agosto 07, 2016

Domingo, 7.

3. Pecado e condenação. A noção de pecado está intimamente ligada à liberdade. Deus criou-nos livres e como tal responsáveis e disponíveis para assumirmos os nossos actos. As estruturas sociais e políticas montaram paralelamente uma teia de deveres e obrigações que amarram o homem a um estatuto de dependência colectiva formado por leis construídas por uns quantos iluminados. Toda a trama jurídica na Europa e também noutras partes do mundo, tem alicerces na matriz religiosa que formou os povos através de tempos imemoriais. É fascinante pensar que, apesar de tudo o que se conhece para travar a expansão do cristianismo, passados dois mil anos, Deus continua ao leme da barca contra ventos e marés. Talvez quem melhor antecipou o nosso tempo, foi Nietzsche ao declarar: Je suis mystique, et je ne crois en rien. Porque a liberdade que nos foi dada por Deus, suplanta em natureza e aplicação, a que nos oferece a República e a Democracia e todos os sistemas político-sociais. O pecado, enquanto substância perturbadora, reside no poder que fornece às sociedades a discriminação, a pobreza, a corrupção, o desequilíbrio, a guerra e a subalternização do homem. Dir-se-ia que neste tempo, coexistem duas formas de pecado e distintas condenações: as que Jesus implementou e as que os homens com o seu ódio e ganância aplicam. Julien Green diz algures que le jour où on a ôté le crucifix dans les tribunaux a instauré le droit de mentir. Antigamente jurava-se em nome de Deus, hoje jura-se em nome da Lei que poucos conhecem e ninguém respeita a começar pelos advogados, juízes, magistrados. A justiça dos homens não atinge a todos. Os pobres são quase sempre condenados, os ricos não só ilibados como ainda santificados pelos crimes que cometeram. Neste aspecto os regimes democráticos não diferem dos ditatoriais – ambos concorrem para a estratificação do ser humano, ambos são um embuste quando reclamam a igualdade e praticam a distinção. Nas leis humanas, falta-lhes o essencial que as leis divinas possuem em sobejidão: Amor, Compaixão, Perdão. Vinte e cinco séculos de filosofia não bastaram para instalar na humanidade a sagesse. O conhecimento do outro não conforta a conta bancária, não embeleza os relacionamentos como a riqueza e a exuberância do poder. Kant dizia que a moral é autónoma. Solta, portanto, para ser aplicada com amor e isenção. Seja como for, nunca uma civilização subsistiu porque possuía riqueza e prosperidade à sombra das camadas de pobres que para ela trabalharam como escravos. A memória que resistiu ao tempo e à imagem de Marco Aurélio, não foram as batalhas que travou, foi o pensamento, a cultura de um Imperador que se fechou em si para despejar o mais profundo e insinuante monólogo. Através da cultura como emancipação, redenção e consumação somos redimidos dos nossos pecados. A Palavra tal como dela Jesus fez uso, é o meio mais envolvente para o conhecimento de nós no outro. Para isso é preciso que saibamos que o silêncio conduz à libertação. E que Deus é o grande perdoador.