Quinta, 11.
A Piedade trouxe-me os primeiros figos
brancos. Os meus estão em atraso de maturação. O simbolismo da figueira é
enorme. Não só pelo perfume, como pelo sabor. Vêm de tempos longínquos, foram
espectadores da formação das primeiras correntes filosóficas, assistiram à
construção de leis, sob a sua sombra os homens reflectiram, construíram mundos,
sociedades, viram crescer gerações, leram Homero, Platão, Dante, o Antigo e o
Novo Testamento, dormiram sestas de calores tórridos. Não se dão nas grandes
cidades poluídas, precisam do recato do campo, da terra e da imobilidade do
tempo, do clima quente e da água, de um pensador por perto. As hortências
piscam-lhe o olho, exibindo o mesmo tom verde dos seus saborosos frutos. Têm a
particularidade de não precisar de ser fecundizadas. A grande maioria não são
polinizadas. Ernst Junger associa este facto ao dogma da Virgem Maria
“concebida sem pecado original”.
- Há tempos tive um grande desgosto que guardei só para mim e decerto
nunca sarará. Depois, a Annie telefonou e encontrou-me desfeito. Insistiu para que
desabafasse e eu cedi. Na sequência, ela
disse-me que não me deixasse ir abaixo e acrescentou “porque tu és
precioso”. Falando com a Conceição outro dia, dei-lhe conta da minha surpresa
por este qualificativo. E logo a minha amiga num tom contido: “Eu percebo o que
ela quis dizer.” Por timidez e reserva não insisti.