quinta-feira, agosto 11, 2016

Quinta, 11.
A Piedade trouxe-me os primeiros figos brancos. Os meus estão em atraso de maturação. O simbolismo da figueira é enorme. Não só pelo perfume, como pelo sabor. Vêm de tempos longínquos, foram espectadores da formação das primeiras correntes filosóficas, assistiram à construção de leis, sob a sua sombra os homens reflectiram, construíram mundos, sociedades, viram crescer gerações, leram Homero, Platão, Dante, o Antigo e o Novo Testamento, dormiram sestas de calores tórridos. Não se dão nas grandes cidades poluídas, precisam do recato do campo, da terra e da imobilidade do tempo, do clima quente e da água, de um pensador por perto. As hortências piscam-lhe o olho, exibindo o mesmo tom verde dos seus saborosos frutos. Têm a particularidade de não precisar de ser fecundizadas. A grande maioria não são polinizadas. Ernst Junger associa este facto ao dogma da Virgem Maria “concebida sem pecado original”.


         - Há tempos tive um grande desgosto que guardei só para mim e decerto nunca sarará. Depois, a Annie telefonou e encontrou-me desfeito. Insistiu para que desabafasse e eu cedi. Na sequência, ela  disse-me que não me deixasse ir abaixo e acrescentou “porque tu és precioso”. Falando com a Conceição outro dia, dei-lhe conta da minha surpresa por este qualificativo. E logo a minha amiga num tom contido: “Eu percebo o que ela quis dizer.” Por timidez e reserva não insisti.