Segunda, 1 de Agosto.
Quando vou a Lisboa, deixando de ser
escravo do tempo, prefiro entrar na capital pela grandiosa Praça do Comércio,
tendo atravessado o Tejo de barco onde o sol bruxuleia como prata. É uma viagem
extremamente feliz, com aquele tempero romântico que me faz recuar séculos para
trás quando as caravelas por ali passavam e Portugal era um país de guerreiros,
de gente ousada e sem medos. Chegado ao Terreiro do Paço, pedibus cum jambis, sigo pela
Rua Augusta, tomo a Garret e subo ao Chiado onde os meus amigos me esperam. É
uma longa caminhada, sob sol escaldante, que me dá a imagem de uma cidade
maltrapilha, com turistas rascas, nativos abandonados, e uma obscura sensação
de desenrascanço que sempre marcou os portugueses, além do abalo nítido de que
estou a chegar a uma qualquer cidade marroquina vendo o desleixo dos Tuk Tuk,
conduzidos por portugueses de origem árabe, das tendas nas ruas, do aspecto dos
feirantes, chinelos havaianos nos pés escuros, dos pobres pedindo, e do ar
irrespirável onde a civilização parece hesitar em se instalar. Sou atraído por
tudo, embora retenha, vacilante, se deva aceitar como minha uma nação à qual
tenho desgosto em pertencer, mas ao mesmo tempo me incendeia de infinita
ternura marcada pela originalidade de um povo europeu que pouco tem a ver com a
Europa e nessa discrepância reside todo o seu encanto. Ou direi como Teucro: Onde se está bem, aí é a nossa pátria. (Trad.
de J. A. Segurado e Campos.)
- Terminei o trabalho no qual me apliquei vários dias em trazer à luz do
dia as pedras do muro que circunda a piscina e vieram de uma pedreira para lá
de Azeitão e foram montadas (sem cimento) pelo Rui e um velhote que ele trouxe
de Lisboa. Há anos que o escalracho que atapeta o chão, as cobriu dum desleixo
imperdoável, retirando ao conjunto a beleza que o tempo foi selando nelas. Tudo
dá imenso trabalho, desde os níveis do PH e do cloro da água à limpeza do
espaço circundante. Agora, admirando-as, as pedras, entro nesse tempo esplendoroso
de quando aqui me instalei e impelido por um entusiasmo que movia montanhas, arquitectei
este lugar ao gosto da arte que não faz concessões e tem no barómetro do
equilíbrio a sua concepção decalcada do íntimo que sobrepuja todos os delírios.
- O Rui. Antes telefonava todas as semanas, hoje sou eu que lhe ligo
para Manchester, inquieto, pelo seu longo silêncio e ninguém responde. Imagino
qualquer tragédia, atendendo à sua personalidade extremista, embora deseje que
ele tenha arranjado uma marmanja que o tome por inteiro.