segunda-feira, agosto 01, 2016

Segunda, 1 de Agosto.
Quando vou a Lisboa, deixando de ser escravo do tempo, prefiro entrar na capital pela grandiosa Praça do Comércio, tendo atravessado o Tejo de barco onde o sol bruxuleia como prata. É uma viagem extremamente feliz, com aquele tempero romântico que me faz recuar séculos para trás quando as caravelas por ali passavam e Portugal era um país de guerreiros, de gente ousada e sem medos. Chegado ao Terreiro do Paço, pedibus cum jambis, sigo pela Rua Augusta, tomo a Garret e subo ao Chiado onde os meus amigos me esperam. É uma longa caminhada, sob sol escaldante, que me dá a imagem de uma cidade maltrapilha, com turistas rascas, nativos abandonados, e uma obscura sensação de desenrascanço que sempre marcou os portugueses, além do abalo nítido de que estou a chegar a uma qualquer cidade marroquina vendo o desleixo dos Tuk Tuk, conduzidos por portugueses de origem árabe, das tendas nas ruas, do aspecto dos feirantes, chinelos havaianos nos pés escuros, dos pobres pedindo, e do ar irrespirável onde a civilização parece hesitar em se instalar. Sou atraído por tudo, embora retenha, vacilante, se deva aceitar como minha uma nação à qual tenho desgosto em pertencer, mas ao mesmo tempo me incendeia de infinita ternura marcada pela originalidade de um povo europeu que pouco tem a ver com a Europa e nessa discrepância reside todo o seu encanto. Ou direi como Teucro: Onde se está bem, aí é a nossa pátria. (Trad. de J. A. Segurado e Campos.)

         - Terminei o trabalho no qual me apliquei vários dias em trazer à luz do dia as pedras do muro que circunda a piscina e vieram de uma pedreira para lá de Azeitão e foram montadas (sem cimento) pelo Rui e um velhote que ele trouxe de Lisboa. Há anos que o escalracho que atapeta o chão, as cobriu dum desleixo imperdoável, retirando ao conjunto a beleza que o tempo foi selando nelas. Tudo dá imenso trabalho, desde os níveis do PH e do cloro da água à limpeza do espaço circundante. Agora, admirando-as, as pedras, entro nesse tempo esplendoroso de quando aqui me instalei e impelido por um entusiasmo que movia montanhas, arquitectei este lugar ao gosto da arte que não faz concessões e tem no barómetro do equilíbrio a sua concepção decalcada do íntimo que sobrepuja todos os delírios.


         - O Rui. Antes telefonava todas as semanas, hoje sou eu que lhe ligo para Manchester, inquieto, pelo seu longo silêncio e ninguém responde. Imagino qualquer tragédia, atendendo à sua personalidade extremista, embora deseje que ele tenha arranjado uma marmanja que o tome por inteiro.