quarta-feira, agosto 31, 2016

Quarta, 31.
Encontrei-me com o escultor Virgílio Domingues. Entrámos na Brasileira para nos juntarmos ao cenáculo habitual mas este, por razões que desconhecemos, não aconteceu acabando nós por cumprir em amena cavaqueira as duas horas de sinecura. Virgílio abriu-se em confidências. Falou-me da amizade com João Hogan com quem partilhara o atelier, do seu feitio irrascível e terno ao mesmo tempo, e do vazio que nunca deixou o espaço comum desde que o pintor partiu e ele ficou desarmado para o habitar de criação e reflexão. Quando raramente por lá vai, diz sentir a presença do amigo no seu remoto canto, um olho na sua pintura, outro no trabalho do escultor. Hogan possuía um dom especial para definir a esquadria, compor a proporção, desenhar mental e visualmente a volumetria. Quando Virgílio encalhava nalguma peça, era ele que deixando o seu lugar ia dar luz à obra que teimava em não sair da sombra. O quadro que o célebre café exibe à entrada do lado direito de quem chega, foi antes de ser executado composto pelo artista no atelier e os seus elementos ainda lá estão: a pedra esverdeada, os troncos que Hogan encontrou na natureza, a parte superior da tela com aquela amplidão onde se misturam várias cores num deslumbre crepuscular que encima os elementos-objectos que o pintor marcou com o seu olhar encantado levantado do fundo do coração a que poucos tinham acesso. A vivência entre os dois, nem sempre fora harmoniosa mas – dizia Virgílio – havia qualquer coisa no colega que não deixava que a distância fosse consumida pela ruptura. Talvez seja por causa dessa separação inelutável, que ele, Virgílio, se apartou da arte, das suas esculturas que têm o poder da abstracção e desafiam a gravidade como se a eternidade sempre as tivesse habitado e a sua Arte fosse a força que reduz o homem ao equilíbrio instável entre a realidade e o sonho, a fantasia e a concepção morfológica que resiste ao tempo e faz da sua excepcional obra qualquer coisa de único a que não resistimos porque ela nos absorve, aspira, paralisa numa inquietação comum. Virgílio é com tudo o que criou, um contemporâneo da história participativa. Mesmo quando se obcecou e traduziu em esculturas de concepção extraordinárias - como as que se podem admirar no seu museu em Setúbal -, fá-lo para registo de memória futura mas, também, como parte de um movimento artístico que vindo antes do 25 de Abril soube abarcar a realidade nova que explodia por todo o lado. O seu terno olhar, a sua simplicidade aristocrática, aquela fragilidade doce que o faz credor de afectos disseminados pelos seus pares e por eles protegido da concupiscência malsã que não consente a originalidade, a profundidade, a quietude onde a arte vive sem o tumulto banal do mundo dos nossos dias de que ele hoje se limita a ser expectador, enquanto interiormente rumina novas formas e espaços, novas pesquisas, rumos, visões o olhar claro perdido no que mexe à sua volta, como se tudo o que vê fosse arte – uma sombra dançando agitada pelo vento, um seixo abandonado na praia, um esqueleto de memória trazido do fundo do tempo, um sopro refulgente materializado num corpo de mulher...

         - A Espanha vai de novo às urnas – é a terceira vez no espaço de menos de um ano. Tudo porque Rajoy embora tenha crescido nas preferências dos espanhóis, ficou a uma unha da maioria. Depois andou apalavrando com os partidos à sua esquerda, nomeadamente, o socialista que tem à cabeça um homem ambicioso que se está nas tintas para o país e só vê o poder como forma de realizar os seus sonhos de infância. É nulo, não percebe o contexto social e político em que a Espanha está mergulhada, não possui formação nem estaleca suficientes para o cargo que ocupa. Prefere desgraçar os seus compatriotas, a fazer os acordos necessários à construção do futuro. Mas vai-se lixar. Da próxima ida às urnas, é Rajoy que sai vitorioso e com maioria absoluta.  

         - O que se passa no Brasil com o impeachment, é tão-só o julgamento de um bando de mafiosos a correr com o seu chefe. Se quisermos, contudo, separar as águas, diremos que a matéria de acusação de Dilma Rousseff, é a mesma por que todos os dirigentes políticos mundiais seriam destituídos dos seus cargos e postos na prisão.

         - Portugal no que aos costumes concerne, está voltado do avesso. Todos os dias a tão proclamada família surge como um pequeno bando de criminosos que mata por uma mão cheia de coisa nenhuma. Os filhos deitados no mundo num momento de descontrolo ou descuido, transformam-se em assassinos e adquirem cedo os desvarios dos seus progenitores. Desta vez, um rapaz de 14 anos foi espancado até à morte na via pública por um outro de 16 anos. Segundo a imprensa, os dois jovens andaram envolvidos em acusações e ameaças no facebook algum tempo, porque os dois disputavam a preferência por uma jovem. Estamos a criar pequenos-grandes monstros, energúmenos, bestas e criminosos à sombra de uma época com a liberdade na esteira de um futuro assustador.  


         - Outro dia, o pintor Carlos Soares, disse-me que tinha visto dois livros meus num alfarrabista do Chiado. Quando lá voltou no dia seguinte para os adquirir, já lá não estavam. Que pensar?!