Sexta, 5.
O pecado, a sua substância e condenação,
desde sempre me obcecou. Ofende-se a Deus, pecando. É pelo menos o que nos diz
a Igreja. Somos todos pecadores face a Deus. Até posso compreender esta
proposição, porque imagino o Criador como entidade de uma perfeição impossível
de comparar com qualquer criatura humana. De resto, ninguém sabe quem é Deus,
como Ele é, que face possui, que luz ou tragédia O habita. Certo, na Bíblia
encontramos aproximações à sustentação do pecado enquanto culpa, conflito,
transgressão, respeito ou representação do outro nos valores que nos irmanam. Em
que circunstância os meus actos se transformam em pecado? Pode o pecado
pertencer à categoria de algo subjectivo que permite toda a interpretação e consequente
condenação? Ou sai ele directo do livre-arbítrio que impera sobre a liberdade
enquanto elemento unificador das consciências? Peca somente quem descende
directamente de Deus e segue o Evangelho como Constituição para a vida? Os Dez
Mandamentos são eles a tábua de salvação e o código orientador do
relacionamento humano para o Senhor? E quem não reconhece Deus, fica apartado
destes princípios, livre para ser o que quiser e proceder socialmente como
entende, ou o reconhecimento de certos valores universais são suficientemente
fortes para não haver precisão de qualquer identidade religiosa que os
sustentem? Ou o homem é na sua origem, na sua matriz primeira, um ser votado,
constituído de valores consagrados, produto de gerações, do aperfeiçoamento
humano, que dispensa os princípios religiosos para se consubstanciar nos éticos
que enquadram a organização social e política? Tantas interrogações me incendeiam
de dúvidas e incertezas! O problema é tanto mais complexo por quanto o pecado como
ofensa a Deus, pode ser praticado na célula de um convento ou no meio do mundo perceptível
onde imperam todas as tentações e desafios. Daqui concluo eu que o pecado é
matéria íntima que entala a consciência do medo e a obriga a estar de atalaia às
nossas imperfeições e impulsos. Perante Deus somos todos sagrados, feitos à Sua
imagem e semelhança e, portanto, susceptíveis de atingir a perfeição. O caminho
proposto é duro de caminhar, mas quem possuir fôlego bastante para o conseguir será
compensado, isto é, sairá do pecado e conhecerá Deus na Eternidade. Falo
daqueles que acreditam que não somos sacos de batatas que apodrecem e se
enterram depois. A noção de pecado é uma noção iminentemente religiosa,
diferente da culpa atribuída por um juiz a um qualquer prevaricador. Quem ler a
Bíblia, apercebe-se do conflito entre o homem e Deus na base do qual está o
pecado. Ou talvez não tanto o pecado, mas a ruptura da aliança com Deus. Não
obstante, há da parte de Deus uma especial apetência pelos pecadores. Exemplos
não faltam, entre tantos, o de Maria Madalena.